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Nos tempos atuais, de uma vida conturbada e assombrada por uma nova onda tecnológica, a humanidade depende bastante de sua habilidade mais essencial e primordial para se fazer entender e poder se expressar, usando para isso sua capacidade de oralidade. O caso dos bebês é bem emblemático e explicativo, nesse sentido. Ao nascer, anunciam em alto e bom som que também fazem parte deste mundo. Depois, esse choro se transforma em comunicação para avisar de suas necessidades fisiológicas, outros sentimentos e outras emoções diante de um mundo que se abre para si. A consequência natural desse processo na criança é aprender a falar espontaneamente, evidentemente, com uma intensa motivação, um pouco de persuasão e a singela ajuda dos pais, parentes e amigos, reproduzindo uma significativa parcela daquilo que consegue ouvir e processar como um conjunto de sons levados pelo ar até seu canal auditivo, bastante sensível e, assim, repetindo essa ação. Essa é uma significativa representação do poder da oralidade nas relações humanas.

O resgate da dimensão oral da comunicação pela rádio, resguardando a hegemonia do texto, cria um ambiente propício para o improviso e a criação em tempo real. Mas o que acontece é que, em sua forma tradicional, a oralidade entre as pessoas acontece espontaneamente, sem qualquer constrangimento com a cultura erudita; enquanto que a

oralidade radiofônica faz uso da linguagem coloquial, mas adota as regras de expressão com compromisso com as normas cultas.

As rádios tradicionais (assim como boa parcela dos demais meios de comunicação de massa) operam no sentido de manter o cidadão numa postura passiva de receptor, em termos de interação. Se, de algum modo, acontece uma participação ou uma interferência do receptor, ela é consideravelmente pequena e controlada pelo emissor em um processo de comunicação verticalizada e unidirecional, resguardando as famigeradas práticas de marketing e de consumo. Mas não se trata de uma regra determinante e há vários casos que mostram que, quando há interesse, intenção e disposição do ouvinte, principalmente nos estabelecimentos de ensino, é possível, sim, mudar sua condição de mero receptor, recebendo e processando informação, para um produtor de conteúdo ou, de algum modo, alguém que pode participar e fazer parte daquela programação.

Ao pensar os processos e modelos de projetos de educação e comunicação, as rádios educativas e comunitárias, ideologicamente concebidas para atuarem interativamente em suas áreas de recepção, têm a capacidade de provocar um tipo de ruptura no atual modelo de comunicação, guiando o receptor à condição de um interlocutor nesse processo. Ao considerar a programação de uma escola radiofônica, seja ela de ensino fundamental, ensino médio, técnico ou profissionalizante, o que pode ser construído nesse processo é uma mudança de perspectiva no paradigma tradicional de ensino, promovendo o estudante, de uma situação de mero espectador e receptor para o nível de emissor, tornando-se autor e produtor de um conjunto de atividades que passam a fazer parte do seu processo de aprendizagem e de promoção da cidadania. O estudante na condição de receptor e emissor, como autor de uma mensagem nova em termos de técnica de produção e de conteúdo, é também autor de uma nova proposta de linguagem, uma linguagem de cunho comunitário e caráter social, com uma intenção de produzir um impacto diferente daquele que seria esperado pelo modelo tradicional na condição do receptor.

As dimensões da linguagem e as variações nos processos de comunicação em grupos sociais similares representam algumas das principais situações abordadas no contexto das práticas comunicativas nas diferentes sociedades, até mesmo como parâmetro de desenvolvimento e determinação hegemônica. No que diz respeito a um programa de educação radiofônica, que se estrutura em sua oralidade, se a linguagem é alterada de um determinado modo, o produto resultante (nesse caso, a programação em si) é alterado e a recepção também sofre modificações. Tal mudança pode não apresentar juízo de valor como algo bom ou mau, se está certo ou se está errado, mas traz a qualidade de algo novo que

subverte a linguagem tradicional dos gêneros de programas radiofônicos tradicionais ou educativos. Deleuze oferece uma contribuição interessante em relação aos aspectos da linguagem e sua abordagem no campo das ideias e no processo de aprendizado.

Os problemas e suas simbólicas estão em relação com os signos. São os signos que "dão problema" e que se desenvolvem num campo simbólico. O uso paradoxal das faculdades e, primeiramente, o da sensibilidade no signo remete, pois, às Ideias que percorrem todas as faculdades e, por sua vez, as despertam, Inversamente, a Ideia remete ao uso paradoxal de cada faculdade e oferece o sentido à linguagem. Dá na mesma explorar a Ideia e elevar cada uma das faculdades a seu exercício transcendente. São estes os dois aspectos de um aprender, de uma aprendizagem. Com efeito, de um lado, o aprendiz é aquele que constitui e inventa problemas práticos ou especulativos como tais. Aprender é o nome que convém aos atos subjetivos operados em face da objetividade do problema (Ideia), ao passo que saber designa apenas a generalidade do conceito ou a calma posse de uma regra das soluções. (DELEUZE, 1988, p. 158).

Para a efetivação de um projeto de educação e comunicação viável e proveitoso, tanto para discentes quanto para docentes, e também para a própria comunidade à qual a instituição de ensino pertença, a programação deve trabalhar em função de uma linguagem radiofônica que propicie alto grau de identificação para quem faz e para quem ouve, e que seja capaz de oferecer soluções a certos desafios e conflitos que se fazem presentes em tantas escolas. Também é importante que esse tipo de projeto atue para ampliar as possibilidades de práticas multidisciplinares e interdisciplinares na ação de ensino, reduzir a desconfiança pedagógica em relação aos conteúdos, resolver contradições nos estudantes, funcionar como meio de expressão, além de promover um processo de comunicação plena e estimular o protagonismo de seus autores. A linguagem radiofônica reflete o cotidiano do emissor e do receptor, como Paulo Freire salienta em relação ao código como a representação de uma situação existencial em que o decodificador tende a passar da representação a uma situação concreta na qual vive e trabalha. A partir do uso das novas tecnologias da comunicação, o educador pode encontrar os subsídios para que os estudantes naveguem em um mundo cada vez mais multifacetado.

CAPÍTULO 3

3 A WEB RÁDIO ESCOLA