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CAPÍTULO III. Resultados e discussão

2. Fatores condicionantes e cenário ampliado

3.4 Quem são os homens para o profissional de saúde

Parece útil relembrar que, conforme sustentam Schraiber e Figueiredo (60), a reprodução de representações de gênero dá-se no próprio agir do profissional, mesmo que este não se dê conta disso. A partir disso, se atualizariam desigualdades de valor e poder, reiterando-se, na saúde, “as repartições de atribuições e expectativas para as identidades masculinas e femininas” (ibidem).

É, verdadeiramente, muito difícil abordar a temática deste estudo sem derrapar em alguma espécie de generalização ou simplismo. Pois, quando se trata das diferenças, a diversidade tende a ser eclipsada (9).

Mais nuançadas ou não, as falas deste segmento se referenciam ao que pode ser depreendido como a visão que os trabalhadores de saúde possuem sobre o homem. Os primeiros excertos selecionados indicam que, para o profissional, o homem carrega e defende uma imagem de si própria enquanto forte e/ou invulnerável. Isso, às vezes, traduz-se em uma noção de si próprio enquanto “macho”.

Mulher jovem eu acho que ainda se preocupa mais, por conta de questão de gravidez, de anticoncepcional, essas coisas. Mas homem, geralmente, jovem, não se importa muito com a saúde. (...) Pensa assim, “eu não vou precisar nunca, né” Se não tá um problema de saúde crônico, que nem uma hipertensão, uma diabetes, eu acredito que não vá procurar o médico nunca. (Ludmila, técnica de farmácia) Porque o homem que tá procurando isso são os homens mais velhos. Que é os que tem problema de hipertensão e tal. Então ele tem aquele negócio dele, aquele “ô, sou macho” e pá. “Macho não vai ficar fazendo caminhadinha!”. (Ari, ACS)

É aquela coisa masculina, o lado homem, ou macho – eu tenho essa timidez. Eu acho que já vem da cultura, né. É nossa cultura. “Não, eu não vou ficar doente”. Se bem que eu acho que 60% já melhorou bastante nessa parte. (Zilda, ACS)

Surgiram, do mesmo modo, falas em que se vislumbra a acepção de homem enquanto uma população “teimosa”, que não aceita ordens.

Muitas vezes o homem tem aquela coisa durona, não gosta de receber ordem, então vem aqui e a enfermeira fala que “não pode fazer, não pode fazer aquilo, que cê tem tomar aquilo, que você tem que comer aquilo”. Então eles não gostam disso, né. (Antônio, ACS) Tigrão é um cara que, mesmo você cuidando: “você vai tomar essa medicação, tal horário e tal horário” [ele diz]: “Não, eu vou tomar a hora que eu tiver mal, a hora que eu tiver ruim eu tomo.” (Zilda, ACS) Contraditoriamente, houve uma fala fazendo alusão ao oposto. Em outras palavras, a “obediência” ao CS dependeria do recebimento de ordens.

Mas é aquela coisa assim “eu só vou se…” - faz charme, né – “eu só vou se vocês vierem me chamarem pra ir lá, passar no médico” (…) Aí o cara vem porque falaram, né. Então é um serviço que ele ordena, né. Não é um serviço que ele te dá a liberdade pra você chegar e colocar suas queixas (…) Só vai se mandar. Acho que é um pouco de

coisa de homem, mesmo. De charme, né. “Eu sou durão” e, entendeu, então “não vou dar o braço a torcer”. Agora se você falou, “se o médico falou, tá falado”. Aí o cara vem aqui, cabeça baixa e tudo. (Antônio, ACS)

A despreocupação com a própria saúde também foi mencionada como traço marcante de alguns homens. Por outro lado, ao lugar do cuidado – de si e dos outros - está associada a figura da mulher.

Mas a grande maioria não vai, não frequenta o médico, não, não se preocupa muito, não. (...) Mas eu acho que é cultural. Parece que vem de trás, né. De antes. (...) A maioria dos homens não liga, mas acho que varia, de pessoa pra pessoa. (Ludmila, técnica de farmácia) O que falta um pouco? É a gente mesmo se conscientizar que o homem tem que se cuidar, pra poder tá mais tempo aqui. (Ari, ACS) É, tanto pra ela, quanto pras crianças, pros filhos. Então é por isso que, às vezes, eu acho que a mulher vem mais. Ela vem mais pra procurar para a família. Ela é a cuidadora de saúde da família. Então por isso que ela vem mais. (Sandra, enfermeira)

Válido indicar que, consoante ao último trecho, uma pesquisa de Nascimento e colaboradores (59) com rapazes de 15 a 24 anos revelou que estes visualizavam as suas mães como “embaixadoras do cuidado”.

O profissional a seguir, por sua vez, aponta para o perigo de o trabalhador do CS desimplicar-se da atenção à saúde do homem, fundamentando tal decisão no entendimento de que este não quer se cuidar.

A sociedade passa a julgar o homem pelos seus hábitos, porque é homem ou porque, simplesmente, porque não quer se cuidar. Então deixa, não quer se cuidar, então deixa. Vai morrer. Deixa morrer, né. (…) É uma questão da nossa responsabilidade enquanto serviço e lógico, do cidadão, de encarar o problema dele e procurar ajuda (Antônio, ACS).

Os trabalhadores entrevistados também relacionaram os homens a comportamentos tidos como mais imaturos. Do exemplo a seguir, depreende-se, além disso, o que seria uma aversão destes a atributos femininos.

O homem tem aquela coisa: “ah, vai, esse brinco aí é de homem!?” “ah, brinco não é de homem!” “não, mas pode usar, isso aqui é um

ato de rebeldia!” “não, que rebeldia, isso aí...” Tem aquelas histórias, que todo mundo fica... é igual cabelinho, corta o cabelinho: “ah, vai, se liga, homem tirando sobrancelha!?” Hoje homem tira sobrancelha. (...) Então, a gente tem essa zueira, bagunça. Os mais velhos não é diferente. Entendeu? Homem é homem. Homem é e sempre vai ser moleque, isso na minha cabeça. (Ari, ACS)

Por último, traz-se uma fala que aponta para o fato de que o próprio CS deve estar atento à visão que constrói de homem. No exemplo dado pelo entrevistado, sublinha-se que, por vezes, o homem é classificado como alguém mais descompromissado consigo. Isso favoreceria, ainda, que os serviços de saúde se desinvestissem de quaisquer intenções voltadas a tal grupo.

Em relação à saúde do homem, o Centro de Saúde tem essa visão (…) de que o homem tem mais dificuldade de aderir aos tratamentos, até por uma construção histórica, do homem na sociedade. Mas aqui a gente tem profissionais que são treinados pra perceber, também, a necessidade dos homens, né. Desse cuidado. Acho que passa por isso, capacitação do profissional nesse sentido. Porque muitos têm aquele pensamento: “ah, o cara é homem mesmo, é relaxado, não quer vir, nós não vamos puxar pelo braço”. (Antônio, ACS)

Convergente a essa colocação, Medrado e colaboradores (9) defendem que a construção de uma política de atenção integral à saúde do homem passa necessariamente por ações educativas voltadas a gestores e trabalhadores, de tal forma que seja desenvolvida mais sensibilidade às necessidades de saúde específicas deste grupo.