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quer apresentar a imagem correta dele que foi muito deturpada por

5.1 – Aspectos Preambulares

Recorte 5.“Ele quer apresentar a imagem correta dele que foi muito deturpada por

uma imprensa que fazia questão de colocá-lo como fascista até. Ele quer mostrar a

verdadeira face. Mostrar nosso presidente como fascista é ridículo.” (Todos os grifos

são nossos)

Neste último recorte, que será analisado, como na obra de Camus, a palavra fascismo, era pronunciada oficialmente pela primeira vez.

No recorte 1, o Ministro lamenta que o crime tenha acontecido “justamente na hora

de um evento mundial”, e atribui o fato a “falta de sorte”. Nesta formação discursiva o efeito de sentidos da textualização de Heleno concede maior importância ao evento (G- 20) do que ao fato de um militar brasileiro praticar tráfico internacional de drogas. E ainda cita a falta de sorte. Há um sentido que se torna disperso, sofre um esquecimento, que é justamente o cometimento de um delito. Delito este que é entendido especialmente de elevadíssima gravidade pelas formulações moralistas do discurso de direita104, e praticado por um integrante das Forças Armadas, considerada uma espécie de “reserva moral” do país no âmbito da formação discursiva de direita.

104 Não há dúvidas de que o tráfico de drogas seja um crime de grande gravidade, inclusive, sendo considerado hediondo pela legislação brasileira, mas aqui chamamos a atenção, especialmente, para a formação discursiva de direita que conduz o crime a uma esfera moral que vai além do próprio fenômeno criminal.

Em outras condições, e distante da visibilidade internacional, o crime perderia parte de sua gravidade, não seria um “azar”, ou “falta de sorte” no enunciado do general. Essa formação discursiva é reforçada pelo textualizado no recorte 2, no qual o crime se apresenta como uma “coisa que não é normal”, é um “discurso da redundância”, com efeitos polissêmicos que desviam os sentidos de “crime” para “coisa”. Na verdade, qualquer ação penalmente tipificada como criminosa, não é normal. Dizer que um crime é “anormal” é uma redundância, pois se normal fosse, não seria crime105.

Ao final ocorre um ponto de deriva de sentidos, no qual “crime” é textualizado como “problema”, aqui encontramos uma formação discursiva que é comum na política brasileira, o deslizamento de sentidos para, não diria acobertar, mas seguramente minimizar a força da palavra correta, no caso crime. No governo do PT já estava presente quando “crime” era “erro”. No discurso da direita ele é “problema”. Assim, podemos analisar essa deriva de sentidos tanto na esquerda (significada pelo PT), quando na direita (significada pelo bolsonarismo).

CRIME – Para o petismo “erro”, para a direita “problema”. Importante salientar que

tanto para um grupo quanto para o outro, a verbalização da palavra “crime” sofre uma interdição discursiva, tendo tratamento diverso e distanciado da lexicalidade que a representa e simboliza na língua. A força simbólica de crime sofre então um abrandamento por pontos de deriva, que em formações discursivas antípodas recebe a nomeação de “erro”, ou “problema”. A análise nos permite ver como é incômodo para as autoridades públicas brasileiras lidar com o fato em si, sem minimizá-lo discursivamente.

Mas a análise precisa ir além, pois o ponto de deriva utilizado pela esquerda sempre foi amplamente contestado pela direita, muitas vezes, a maioria delas, tratada com ironia, ou como o próprio acobertamento de delitos. Agora no poder, a direita faz rigorosamente o mesmo que criticava. Isso em Análise de Discurso nos permite perceber como as formas de produção “modelam” ou mais precisamente modulam o discurso. Para o sujeito-opositor, a deriva eufemística é uma prova de leniência, concordância. Mas quando ele se torna sujeito-governo, adota o mesmo discurso.

105 A concepção de “crime” para o Direito vem justamente da prática de um ilícito civil que é considerado especialmente danoso a ponto de ser criminalmente punível.

O recorte 3 se insere em uma formação discursiva já analisada no discurso de Ustra, a

supremacia do Exército sobre as outras Forças. Ao textualizar “cada um no seu cada qual”, os efeitos produzidos são os de culpa exclusiva da Aeronáutica, era ela quem devia controlar “seus militares”. “A FAB, que não é subordinada a mim. Então não tem nada a ver com o GSI.” A Força Aérea Brasileira, em um momento bem ruim, não recebe nenhum tipo de apoio do general (que representa o Exército Brasileiro). Importante notarmos, por meio de análise que a discursividade sobre Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica), ganha sentidos de unidade, inclusive nas propagandas de alistamento militar. Mas esta unidade é quebrada em bons e maus momentos.

Em “bons” momentos, como vimos em Ustra, o protagonismo é do Exército, sendo as outras “apoiadoras”. Nos episódios negativos é invocado o “discurso da autonomia”, textualizado em: “A FAB, que não é subordinada a mim.”, isto é, “eu (o Exército) não tenho nada a ver com os “problemas” (crimes) praticados por pertencentes às outras Forças.”

O recorte 4, produz significação com dois importantes sentidos, pois reforça o

discurso de “autonomia nos males”, que está inserido na textualização “cada um tem a sua missão”, ou seja: “Não coloquem a bomba no colo do Exército, trata-se de atribuição da Aeronáutica”, o segundo, é justamente o deslizamento de sentidos da palavra “atribuição”, que ganha efeito polissêmico e deriva para o jargão militar “missão”. Para o discurso militarista, que domina os efeitos discursivos do governo de um capitão reformado cercado por militares, o termo consagrado na Administração Pública que é “atribuição”, desliza para o discurso militar, na qual cada um tem uma missão.

A produção de sentidos de “atribuição” e “missão” são bem distintos, pois enquanto o primeiro, inserido na produção discursiva do jurídico administrativo, significa uma divisão de tarefas, o segundo, típico da caserna, mobiliza efeitos de guerra. Cada homem, cada batalhão, cada Força tem a sua missão, e missão dada é missão cumprida, como ecoa no discurso militar. A Aeronáutica, logo, não deixou de exercer sua atribuição (termo também consagrado pelo Direito Administrativo Militar), mas deixou de cumprir sua missão. O sentido militarista de descumprir missões, a partir do já citado célebre jargão “missão dada missão cumprida” produz sentidos muito negativos, que se

relacionam com a fraqueza ou a falta de hombridade, o que é textualizado no discurso militar como “tibieza”. Há nesta formação discursiva uma posição de confronto entre Exército-Aeronáutica. Que faz ruir, cair por terra a persecução da manutenção dos sentidos de “Forças Armadas unidas pelo Brasil”, pois quando o interesse de uma fala mais alto, o Brasil fica em segundo plano. É a presença do discurso corporativista no seio militar.

O recorte 5 não está inserido na textualização dos quatro anteriores (que diziam

respeito ao tráfico), mas surge a partir da presença do Presidente Bolsonaro em Osaka, e é de sentidos reveladores.

“Ele quer apresentar a imagem correta dele que foi muito deturpada por uma imprensa que fazia questão de colocá-lo como fascista até. Ele quer mostrar a verdadeira face. Mostrar nosso presidente como fascista é ridículo.”

No discurso de Heleno a palavra fascista, tão atrelada ao bolsonarismo, aparecia dita por alguém do governo pela primeira vez, o vocábulo era até então evitado. No discurso do general-ministro a imagem de Bolsonaro era “deturpada” pela imprensa. O Efeito de sentidos aqui produzido é o de que esta não era a verdadeira face de Bolsonaro, mas sim uma construção da imprensa. Aí está presente a formação discursiva que busca sempre colocar a culpa no outro, no caso na imprensa. Não seriam as falas preconceituosas, segregacionistas e favoráveis a um grupo minoritário em detrimento de pobres, marginalizados e demais excluídos a responsabilidade pelo status de fascista adquirido pelo presidente. Nem tampouco, suas ligações com notórios líderes de direita, a quem sempre apreciou, e fez questão de demonstrar tal apreço. A culpa, sempre reducionista, recaía sobre a imprensa. Não por acaso, sempre, um dos maiores alvos do fascismo.

Também no discurso de Heleno aparece a textualização: “Ele quer apresentar a imagem correta dele”, ou seja, discursivamente o ministro reconhecia que a imagem de Bolsonaro no exterior era a de um fascista. E isso se dava por uma simples construção de Heleno na qual imagem projetada = fascista/ imagem real = não fascista. E por fim afirmava: “Mostrar nosso presidente como fascista é ridículo”. Mais uma vez a produção de sentidos do discurso reconhece que a imagem de Bolsonaro era de fascista, em curta textualização um integrante do primeiro escalão do governo, e de grande confiança do presidente, afirmava duas vezes que Bolsonaro era atrelado internacionalmente ao fascismo. O discurso termina com a expressão “é ridículo”, que

produz o sentido de ausência de argumentos. A partir deste enunciado, os sentidos são de que Bolsonaro, também iria ao Japão, para mostrar ao mundo que ele não era

quem de fato era.

No mesmo dia 27 de junho, foi divulgada pesquisa106 do IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) encomendada pela CNI (Confederação Nacional das Indústrias), segundo a qual Bolsonaro tinha a aprovação de 32% dos entrevistados, que consideravam seu governo ótimo ou bom, e a reprovação de outros 32% que julgavam seu governo ruim ou péssimo. Outros 32% entendiam o governo como regular, outros 3% não sabiam ou não quiseram responder. Com essa marca, Bolsonaro se tornava o presidente eleito em primeiro mandato com o menor índice de aprovação nos primeiros 6 meses de governo, desde a redemocratização do país e das consequentes eleições diretas de 1989. Perdia para Collor; FHC; Lula, e Dilma.