• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 5 – VOZ E VEZ: PERCEPÇÃO DOS TAE´S SOBRE A QUESTÃO RACIAL

5.6 A questão racial no SINDIFES: estratégias para romper com a invisibilidade

Se na sociedade brasileira é difícil consolidar as discussões sobre relações raciais, no sindicato isso não é diferente. Desde 2005 o SINDIFES vem pautando, de maneira mais sistemática, a temática étnico-racial em seus fóruns, como estratégia de trazer visibilidade à questão. Durante o IV Congresso da categoria (CONTIFES), que ocorreu nos dias 25 e 26/08/2005, foi realizada a primeira mesa redonda com o tema “Preconceito, Discriminação e Racismo”, que contou com a presença de Diva Moreira, ex-secretária da Coordenadoria Municipal de Assuntos da Comunidade Negra de Belo Horizonte, e João Paulo Ribeiro, coordenador geral da FASUBRA, e da qual tive o privilégio de participar como debatedora. Na ocasião foi criado o Grupo de Trabalho Anti-Racismo(GT) com o objetivo de promover a discussão da temática étnico-racial entre os trabalhadores e as trabalhadoras.

Desde 2007 a entidade realiza a Semana da Consciência Negra em comemoração ao 20 de novembro. Palestras, exposições, debates e shows são organizados com o objetivo de mobilizar a categoria em torno da temática. Porém, a participação dos trabalhadores e das trabalhadoras ainda é tímida, tanto no GT como nas atividades comemorativas, segundo a entrevistada Nina Abreu: “eu acho que o nosso GT está muito tímido dentro do sindicato e da universidade. A gente precisa dar uma engrenada nele, porque há muita coisa boa a ser construída”.

À exceção do entrevistado Zezé, que disse “não ter opinião formada sobre o assunto”, os demais trabalhadores e trabalhadoras foram unânimes em afirmar a necessidade de o sindicato desenvolver atividades que dêem visibilidade à temática étnico-racial, pois ele representa o coletivo “e se tem coisas que não estão legais, isso tem que ser discutido institucionalmente e por órgãos representativos, no caso, o sindicato”, como sentenciou Vítor, 49 anos, Analista de Tecnologia da Informação, branco.

Eu acho essencial, porque dentre tantas coisas que o sindicato tem o papel de promover essa é uma questão em pauta. Todo mundo fala que não existe o racismo e a discriminação, mas eles estão no nosso entorno. (Ângela, 50 anos, Assistente em Administração, branca)

Apesar de reconhecerem a importância das atividades realizadas pelo sindicato a maioria dos entrevistados disse que não participa das mesmas, apresentando justificativas como falta de tempo, dificuldade para se ausentar do setor durante a jornada de trabalho, prioridade para questões de ordem profissional, e até mesmo a falta de interesse pela temática.

As entrevistas revelaram que o grupo de TAE´s pesquisado, de modo geral, tem um perfil de pouca participação política, tanto no ambiente de trabalho como fora da universidade. A participação na igreja, sobretudo a católica, faz-se presente para alguns, reforçando a aproximação entre o discurso sobre a questão racial e os valores morais, além da necessidade de empenho individual para a se conseguir os bens necessários. Nos depoimentos, alguns entrevistados descreveram situações de desigualdade que seriam resolvidas a partir da ação divina e não da organização política desenvolvida por todos os setores da sociedade.

Ainda existe muito racismo no Brasil, mas já melhorou muito e vai melhorar ainda mais, se Deus quiser”. (Tiago, 63 anos, Bombeiro, preto)

Todo sábado eu ajudo a limpar a igreja e todo domingo eu vou à missa. Eu sou da Conferência de São Francisco, há 29 anos. Eu gosto de ajudar. Sobre o racismo? Tem mesmo essas coisas, mas a gente tem de respeitar os direitos dos outros. Tem de tratar os outros com responsabilidade. Eu acho que nunca maltratei ninguém. (Martinho, 53 anos, Servente de Obras, branco)

Como dirigente sindical e representante político no Fórum Municipal da Igualdade Racial, Luiz tem a expectativa de que a categoria se mobilize e participe de maneira mais efetiva nas atividades. Entretanto, avalia que “as pessoas não participam das discussões raciais porque colocam os interesses financeiros acima de quaisquer outros”.

A maioria dos companheiros é capitalista. Eles fazem discurso de que são socialistas, mas o socialismo é uma coisa até inimaginável para alguns. Eu falo que são capitalistas porque qualquer debate ou reunião que tem a ver com ganho financeiro com aumento de bens materiais, essas pessoas vão. Quando é para discutir a questão racial, a violência contra mulher, o meio ambiente, ninguém vai. Isso não dá lucro, muitos pensam assim. (Luiz, 50 anos, Porteiro, preto)

Orquídea questionou-se o porquê de não haver ainda atentado para as atividades promovidas pelo sindicato:

eu acho que não apareceu oportunidade e eu também não busquei essa oportunidade. Até eu ter feito a primeira entrevista com você [referindo-se ao questionário preenchido], eu nunca tinha pensado sobre a questão étnico-racial. Daí eu fiquei pensando, por que eu nunca me envolvi nessa questão, mesmo tendo notícias de que no SINDIFES tinha um grupo que a discutia?

Talvez seja por uma alienação, mas não foi uma questão que me motivou a participar. E isso é ruim, porque atuo atendendo a saúde do servidor, e se tem servidores que têm essa situação, que são negros, às vezes, podem estar vivenciando dificuldades no trabalho, ou trazem uma questão pessoal, social, e eu não me aprofundei. (Orquídea, 54 anos, Enfermeira, parda)

A trabalhadora Maria pondera que a não-participação dos TAE´s nas atividades sindicais pode estar relacionada a algo mais profundo do que o simples fato de não querer comparecer a um evento: envolve o processo de construção da identidade negra e a sua complexidade.

Tanto Orquídea como Maria classificaram-se como pardas no preenchimento do questionário e indagaram essa categoria racial no que tange à variabilidade cromática que ela pode envolver.

Desde o princípio da entrevista Maria se afirmou como negra, revelando que está no processo de construção dessa identidade. Relatou também que é questionada muitas vezes ao revelar-se parda, pois tem “olhos claros”.

Às vezes a gente usa também a desculpa de estar envolvido na rotina de trabalho para não participar, para não ocupar esse espaço. Mas às vezes, é a dificuldade de pensar sobre a questão negra mesmo, a consciência negra. Pensar a identidade negra vai me dar certo trabalho, vai mexer comigo. Ao comparecer a um determinado debate, tenho que estar disposta a todos esses movimentos internos que a participação pode gerar. (Maria, 44 anos, Auxiliar de Administração, parda).

A constatação de Maria de que a discussão racial pode provocar “alguns movimentos internos” é reforçada por Santos (1993), que conclui:

pensar sobre a identidade negra redunda sempre em sofrimento para o sujeito. Em função disto, o pensamento cria espaços de censura à liberdade de expressão e, simultaneamente, suprime retalhos de sua própria matéria. A “ferida” do corpo transforma-se em “ferida do pensamento”. Um pensamento forçado a não poder representar a identidade real do sujeito é um pensamento mutilado em sua essência (SANTOS, 1993, p.10)

Compreender a construção da identidade como algo relacional, imbricado no contexto das identidades raciais, é uma tarefa complexa. Fatores históricos, lingüísticos e psicológicos devem ser observados na construção da identidade negra e eles nem sempre são encontrados em bloco, o que não descaracteriza a identidade como uma ideologia que funciona na medida em que permite às pessoas definirem-se em contraposição a outras e reforçar a solidariedade existente entre elas, considerando a conservação do grupo como entidade distinta.

As ponderações de Orquídea e Maria dão sinais do desafio que a entidade sindical terá para mobilizar a atenção dos trabalhadores e trabalhadoras para a participação mais efetiva nas atividades referentes à questão étnico-racial, pois assumir esta pauta depende de mobilização interna e da conscientização de cada sujeito de que essa é uma luta que precisa ser assumida por todos, independentemente de cor ou raça.

Quando os TAE‟s afirmam não participarem ou não se interessarem pela temática racial, concluímos que as discussões realizadas até então pela entidade sindical e por outros setores institucionais não têm alcançado o seu conjunto. As respostas apresentadas por um grupo formado por quinze trabalhadores podem não ser quantitativamente representativas do conjunto da categoria, mas já nos dão pistas de como é necessário ampliar os processos de participação desse setor nas temáticas pautadas dentro da comunidade universitária. As respostas de sujeitos em lugares tão diversos e com perfis tão distintos podem mostrar-nos que, por serem vistos apenas como executores das tarefas necessárias para realização de um determinado evento, os TAE´s resistem em participar e se comprometer com as temáticas ou, ainda, não o fazem por não compreender a amplitude das discussões propostas. A categoria não toma conhecimento e ninguém parece importar-se em levar ao conhecimento deles o que acontece na universidade.

A quantidade de depoentes que disseram não entender a razão da luta pelas cotas raciais para acesso de negros nas universidades públicas ou a política de inclusão implantada pela UFMG (bônus), somada aos que se manifestaram contrariamente a qualquer tipo de

política afirmativa, foi significativa e pode estar embasada na discussão anterior. Também não podemos afirmar que essa manifestação seja quantitativamente representativa, pois o número de entrevistados é muito baixo relativamente ao conjunto dos técnico-administrativos existente na UFMG, mas trata-se, mesmo assim, de uma informação que deve ser considerada quando pensamos o perfil da categoria.

Considerando o desconhecimento manifestado pelos TAE´s, o silêncio de grande parcela dos segmentos docente e discente e as manifestações contrárias às políticas afirmativas (cotas ou bônus) articuladas por vários segmentos da sociedade, a tarefa de criar um ambiente favorável para a discussão da temática racial constitui um grande desafio para a entidade sindical, assim como para toda a instituição universitária.

Presumimos, por estas razões, que a entidade sindical terá de desenvolver processos de formação para a categoria, com o intuito de ajudá-la a compreender que a temática étnico- racial não é uma “questão do negro”, pois envolve também as relações raciais entre negros e brancos. Talvez o início desta ação seja questionar, internamente, porque somente trabalhadores com traços fenotípicos negros têm assumido a pasta da Coordenação de Políticas Sociais e Anti-Racismo.