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Capítulo 5 – VOZ E VEZ: PERCEPÇÃO DOS TAE´S SOBRE A QUESTÃO RACIAL

5.5 A temática racial e a luta sindical

A inclusão da temática étnico-racial nas entidades sindicais é algo recente. Devido à formação política marxista da maioria dos militantes, pensava-se que o problema das desigualdades entre os trabalhadores era provocado por uma questão de luta de classes. Não se percebia as implicações da raça como um fator estruturante e estrutural dessas desigualdades.

Refletindo sobre o marxismo e a questão racial, Moore argumenta que “essa visão limitada da esquerda sobre o problema racial não é acidental, mas uma conseqüência lógica da concepção racial dos fundadores do marxismo e do meio cultural no qual os marxistas são formados”. (MOORE, 2010, p.32)

O autor continua: “a preocupação principal dos marxistas não é com o perigo da divisão da classe trabalhadora. Trata-se fundamentalmente, de manter a classe trabalhadora ariana [ou prolet-ariana, como ironizou] no comando do processo de revolução mundial” (MOORE, 2010, p. 34).

Entendimento semelhante é expresso por João C. Nogueira:

as organizações sindicais não levaram em consideração os aspectos da raça. Simplesmente desconsideraram o enorme contingente de trabalhadores negros. Todas as correntes, grupos e tendências organizadas no movimento sindical (comunistas, trokistas, anarquistas, socialistas projetaram o mesmo olhar para os trabalhadores brasileiros: homens brancos e europeus. Com isso cristalizou-se e reproduziu-se nas organizações sindicais o mesmo racismo que se engendrara na sociedade como um todo (NOGUEIRA,1996, p.214).

Uma das dificuldades de mobilizar os trabalhadores para discutir a temática étnico- racial que se verifica ainda hoje pode ter se originado nesse não-reconhecimento do binômio trabalho-raça no início das mobilizações sindicais.

Luiz, um dos entrevistados, atualmente ocupante do cargo de Secretário de Combate ao Racismo da CUT, fala da emergência da articulação do coletivo em torno das questões raciais e do papel das centrais na articulação das discussão sobre o racismo no âmbito das relações de trabalho.

Há vários anos que a gente reivindica a criação dessa secretaria com a visão de que teríamos mais autonomia para fazer esse debate [racial] com as entidades filiadas à CUT. No nosso entendimento, a secretaria teria mais organização, teria verba para investir nesse debate. Não é o que acontece ainda porque a secretaria está no seu primeiro mandato.

Antes da eleição (presidencial) começamos a fazer reuniões nas entidades de base, com intenção de reuni-las e fazer um evento. Chegamos a fazer o debate no SIND- UTE/MG e sindicato dos psicólogos. Então veio a eleição e a coisa parou. A gente vai continuar esse calendário e a intenção é divulgar o material que o movimento negro e o sindical já têm produzido que é bastante rico, para que as pessoas se interessem mais por essa discussão.

Então a Central tem pela frente um desafio muito grande que é vencer essa barreira contra a discriminação e o combate ao racismo. A gente percebe que tem algumas pessoas negras que não sofrem mais discriminação, porque alcançaram algum cargo. Tem horas que me parece que essas pessoas esquecem que existe a discriminação. Os negros que hoje estão no movimento sindical e deviam ser a ponta de lança nessa luta parece que se esquecem que são negros. A partir do momento que têm um cargo ou que estão com um salário mais digno parece-me que esquecem da cor, esquecem da luta.

Na verdade, eu venho percebendo isso, não é nenhuma paranóia da minha parte, mas percebo isso: o esquecimento dessa luta. Muitos começaram na luta em função da questão da raça e agora não estão mais nessa luta, hoje tem cargos e é extremamente complicado. Fizemos uma discussão sobre o empoderamento do negro e percebemos que quase ninguém quer discutir isso hoje.

Hoje a negrada do nosso partido PT, a maioria tem seus cargos e ninguém quer deixá-lo. É secretário de uma prefeita branca, assessor de um deputado branco e aí não vão deixar o seu cargo para fazer a disputa com seu deputado branco ou a prefeita branca, preferem continuar no cargo, ter um salário legal, que dá para viver mais ou menos com dignidade. Então eu tenho impressão que essa luta fica meio esquecida nesse processo. (Luiz, 50 anos, Porteiro, preto)

O depoimento acima é emblemático por destacar os limites e possibilidades do debate racial nos partidos e no meio sindical e encontra ressonância no pensamento de Moore (2010), que chama a atenção para o fato de que a formação marxista prejudicou o processo de formação da esquerda brasileira, que não percebeu as implicações da raça sobre o trabalho.

A afirmação de Luiz, de que alguns militantes se afastam das lutas anti-racistas ao assumirem cargos de confiança nas administrações públicas, no primeiro momento pode nos fazer pensar que o afastamento desses militantes da luta anti-racista seja motivado unicamente pelos interesses desses sujeitos em conquistar uma “vida boa” para si, e ainda que estes utilizam a questão racial como trampolim para a obtenção de tais cargos. No entanto, ao pensarmos mais detidamente sobre as sutilezas do “racismo à brasileira”, consideramos que tais militantes podem ser vítimas do racismo, pois para alcançarem e porque alcançaram um cargo considerado de destaque, que lhes garante um salário digno e certo status, precisam negar a própria identidade negra.

E ao não refletirem criticamente sobre o lugar ocupado e a realidade de vida de milhares de trabalhadores negros e trabalhadoras negras, seja para não chamarem a atenção sobre si, seja para não criar constrangimento para os parlamentares, os militantes negros colaboram para o enfraquecimento da luta que os fez chegar aonde estão e contribuem para a manutenção do poder nas mãos dos estratos brancos da sociedade, os quais, neste caso específico, ainda não se sensibilizaram para as questões étnico-raciais.

5.6 A questão racial no SINDIFES: estratégias para romper com a