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Capítulo 2 – FUNCIONÁRIO, SERVIDOR OU TRABALHADOR PÚBLICO: O QUE

4.2 Sujeitos autodeclarados pardos

4.2.1 Júlio

É natural de Belo Horizonte e tem 41 anos. O pai era pedreiro e a mãe, servente escolar. Trabalha atualmente como operador de máquina de lavanderia na Faculdade de Odontologia, cargo que ocupa desde maio de 1993. É casado e tem um filho. Declarou-se pardo no questionário.

Antes de ser admitido, por concurso, na UFMG, teve outras ocupações profissionais, tendo trabalhado, inclusive, na lavanderia do Hospital das Clínicas, como funcionário terceirizado contratado pela FUMP.

Antes de eu entrar para a faculdade, eu trabalhava numa firma que mexia com ar condicionado. Atuava no Departamento de Contas a Pagar e fazia o horário de 8:00h da manhã até as 6:00h da tarde. Fazia outros serviços também fora da firma. Na época, tinha os contínuos e muitas vezes eles não davam conta do serviço e eu também tinha que fazer a parte de contínuo. Trabalhei na lavanderia do Hospital das Clínicas, mas lá eu trabalhei por contrato. Na época era FUMP, não sei se hoje é a FUNDEP. Depois eu passei no concurso público e vim para a Odontologia.

Estudou em escola pública e particular, nos turnos da manhã e da tarde.

Eu estudei o 2º grau completo. Estudei em escola pública, quando era mais novo morava em BH, depois nos mudamos para São Benedito, em Santa Luzia, e estudei em escola particular. Depois retornamos para cá eu voltei a estudar em escola pública. Estudei no turno da manhã e da tarde.

Júlio relata, ainda, que pretende retomar os estudos:

Estou querendo fazer um curso técnico de Segurança do Trabalho. Vou ter que fazer um de computação e vamos ver para frente se der tempo, fazer um curso superior, mas nessa área que eu gosto... segurança pública, essas coisas.

4.2.2 Simone

Simone é uma mulher de 39 anos, casada e mãe de um menino de cinco. Graduada em Enfermagem pela UFMG, desde fevereiro de 1996 ocupa o cargo de Auxiliar de Enfermagem, no Hospital das Clínicas. O pai aposentou-se como servidor da universidade.

Minha mãe é de Conselheiro Lafaiete, meu pai é de Rio Casca, os dois vieram pra cá solteiros. Meu pai fez concurso pra universidade e minha mãe sempre foi autônoma, ela não completou a escolaridade, sabe ler, mas tem muita dificuldade em escrever, já o meu pai terminou o primário completo. Somos sete irmãos: minha irmã gêmea também é enfermeira, trabalhava aqui em Belo Horizonte, mas foi embora para Portugal. Somos quatro irmãs, uma é contadora, a outra minha irmã só terminou o 2º grau, a outra, enfermeira. Meu irmão mais velho fez curso técnico de 2º grau, estudou no CEFET, o outro fez 2º grau, tem formação técnica, alguma coisa de informática, só que ele trabalha como motorista, ele diz que gosta mais, e o mais novo fez Turismo, é turismólogo. Eu sou casada, tenho um filho de 5 anos e a nossa família é grudenta, fica tudo pertinho.

Veio de uma família de baixa renda e, segundo ela, “a única opção para mudar de vida era estudar, estudar”. Sempre estudou em escola pública (“estudei em escola municipal e estudei no CEFET”). A graduação, em Enfermagem, foi pela UFMG.

Estudei muito, muito, a vida inteira, porque a gente já sabia quevindo de família humilde, a gente sabia que só ia conquistar alguma coisa estudando, então o que meu pai podia dar era estudo, a gente não tinha outra opção.

Antes de ingressar na Universidade, como Auxiliar de Enfermagem, Simone precisou trabalhar para realizar os seus desejos.

Eu gostava de jogar vôlei, então eu tinha de estudar e jogar, era a condição que eu tinha. Trabalhei em escolinha, com criança. Quando eu jogava vôlei, eu estava no segundo grau, eu trabalhei como faxineira mesmo, eu tinha que pagar pra jogar, papai não pagava, então eu trabalhava uma vez por semana. Eu tive de parar porque a dona falava: que absurdo, vocês são muito estudiosas, fazendo um serviço desses! Mas era o jeito que eu tinha para poder estudar e jogar. Eu gostava e papai não tinha condições de pagar, ele pagava os estudos, mas o vôlei não dava. Então eu tinha de trabalhar de algum jeito. Então o único dia que sobrava era o sábado, aí trabalhávamos meio horário, eu e minha irmã. Nós trabalhávamos no mesmo prédio.

Depois de trabalhar em mais de uma instituição de saúde simultaneamente, atualmente Simone trabalha apenas no HC, e utiliza o tempo livre para aproveitar a família e viajar.

4.2.3 Maria

Embora diga que é de Cachoeira das Almas, interior de Minas, Maria é mesmo de Belo Horizonte. Tem 44 anos, é solteira e trabalha na UFMG desde janeiro de 1995. Seu cargo é Auxiliar Administrativo.

Eu nasci em Belo Horizonte, mas falo para todo mundo que foi em Cachoeira das Almas, que é a cidade de origem do meu pai, porque eu acho que quem nasce no interior tem uma raiz mais forte, eu acho que as pessoas da cidade são muito desapegadas, mas eu nasci aqui mesmo...

Meus pais estudaram só até o primário, quarta série antigamente, e eles vieram da roça, faziam trabalho braçal. Depois minha mãe arrumou emprego como doméstica. Depois ela fez um curso de Auxiliar de Enfermagem e veio para Belo Horizonte para trabalhar no Hospital Felício Rocho.

Meu pai, depois que saiu da roça, aprendeu a habilidade de funileiro, e trabalhava como funileiro. Somos eu, mais uma irmã e um irmão. Meu irmão trabalha com construção civil e minha irmã é funcionária pública municipal.

Como a maioria dos entrevistados, Maria estudou em escola pública; cursou, porém, um ano em escola particular.

Eu sempre estudei em escola pública estadual, municipal. Da primeira à quarta série foi escola estadual, da quinta à oitava série, foi escola municipal. Depois no ensino médio, eu tive que parar de estudar por questões financeiras, aí eu parei um tempo. Depois fiz dois anos no CEFET. Quando eu comecei a trabalhar, eu achei que a iniciativa privada era melhor que a pública, então eu fiz um ano no colégio particular. Depois voltei para a escola pública e o terminei o ensino médio. Depois fiz vestibular na UFMG, para o curso de História.

Oriunda de família “humilde”, Maria precisou “fazer uns bicos” para comprar “as suas coisinhas na adolescência”. Aos 18 anos ingressou no mercado formal de trabalho, e tem larga experiência profissional.

A gente é de família simples, não tinha mesada, essas coisas e sempre a gente precisava comprar uma coisinha ou via uma novidade. Na adolescência, a gente sempre procurava um dinheirinho, aí eu fazia uns bicos, de passar (roupas), de doméstica, então eu sempre me virei para arranjar um trocado.

Depois dos dezoito anos, sempre trabalhei com carteira assinada. Comecei a trabalhar no comércio, como promotora de vendas e depois na iniciativa privada. Trabalhei em indústria, na Cidade Industrial, na produção em série e é muito difícil. Depois eu fui trabalhar em uma empreiteira, depois na contabilidade, fui trabalhar em hospital. Trabalhei em duas organizações não governamentais: foi o CEDEFES e a Rede de Tecnologia Alternativas para o Pequeno Proprietário. Depois eu vim para a UFMG. A UFMG é meu primeiro emprego público.

Vivendo entre Contagem, cidade onde reside, e Belo Horizonte, cidade em que trabalha e passa grande parte do tempo, Maria continua sua trajetória profissional no IEAT/UFMG. Ao preencher o questionário a entrevistada declarou-se parda, e vem construindo de maneira muito decidida sua identidade negra.

4.2.4 Orquídea

Orquídea classificou-se como parda no preenchimento do questionário. Natural de Belo Horizonte, tem 54 anos, é casada e tem dois filhos. A família é oriunda de Esmeraldas, município vizinho de Belo Horizonte.

Eu nasci em Belo Horizonte, minha família é de um lugar aqui pertinho chamado Esmeraldas. Meu pai já faleceu, ele era servidor público municipal e faleceu de problema hepático por conta de hepatite por infecção. Minha mãe é viva ainda, é costureira e hoje ela não costura mais, fica só por conta das coisas domésticas. Eu tenho mais quatro irmãos vivos. O mais velho é auditor da Fazenda do Estado, uma é arquiteta e trabalha na Caixa Econômica, em Brasília. Meu irmão mais novo tem uma empresa, é um microempresário da área de irrigação, e tenho o outro irmão que trabalha na Bahia, numa petroquímica.

Orquídea sempre estudou em escola pública, e teve uma trajetória escolar bastante linear; sem interrupções ou reprovações.

Eu estudei sempre em escola pública. O ensino fundamental era num grupo escolar no bairro onde eu morava, bairro Prado. Depois eu fiz prova para admissão na quinta série no Instituto de Educação e no Colégio Estadual e passei nos dois, mas optei pelo Instituto de Educação, porque eu queria ser professora e eu também tenho umas tias que estudaram no Instituto de Educação.

Depois, quando eu formei, fiz vestibular pra cá [UFMG] e eu passei no vestibular pro curso de enfermagem. Sempre estudei de manhã, durante o dia, nunca estudei à noite e, felizmente, nunca fui reprovada. Acho que fui até uma aluna que teve uma trajetória escolar dentro do normal. Não fui uma excelente aluna, mas também não fui muito ruim, fui mediana, acredito.

Durante o curso de Enfermagem, Orquídea trabalhou “como acadêmica num hospital público em Belo Horizonte”. Após a formatura, foi contratada como enfermeira pelo Hospital Felício Rocho, onde trabalhou por cinco anos. Neste cargo, obteve experiência profissional nas áreas de berçário, maternidade e clínica médica cirúrgica.

Em 1984, Orquídea prestou concurso e foi aprovada, ingressando na UFMG.

Em 1984 eu fiz um concurso, na época o DASP e fui aprovada. Escolhi a UFMG.,e poderia ter escolhido entre o INAMPS, UFMG e o Ministério da Saúde e eu optei pela a UFMG. Não sei dizer exatamente o que me trouxe para UFMG. Acho que foi porque eu estudei aqui, eu não conhecia as outras instituições, então em 1985, eu tomei posse aqui nesse serviço mesmo e sempre fiquei trabalhando aqui. Antes chamava Serviço de Medicina do Trabalho, depois passou a chamar-se Pronto Atendimento do Campus Pampulha e, hoje, é Serviço de Atenção à Saúde do Trabalhador.

Atualmente, eu estou coordenando uma equipe multiprofissional de vigilância e promoção da saúde aqui no SAST.

Orquídea cursou duas especializações, obtendo apoio institucional para ambas.

Eu fiz duas especializações aqui na UFMG que foi uma facilidade que eu obtive da instituição mesmo. Uma especialização foi Sistematização do Sistema de enfermagem, na própria Escola de Enfermagem da UFMG e a segunda especialização foi a Enfermagem do Trabalho na Escola de Enfermagem Luíza de Marilac, no Rio, mas foi a universidade que bancou esse curso pra mim. Eu fiz um pedido e empenhei, enfim deu tudo certo. O Mestrado também eu fiz aqui na universidade e eu tive ajuda na época do diretor do Hospital das Clínicas, porque nosso serviço era vinculado ao HC e ele me liberou algumas horas, para que eu pudesse ir à aula participar do curso. Fiz pequenas capacitações: informática, língua portuguesa, atendimento ao público, relacionamento interpessoal e também as participações em congresso sempre me liberou para participar de congressos e eventos relacionados com a saúde do trabalhador.

A entrevistada sente-se bastante satisfeita com o trabalho que realiza, pois exerce a profissão para a qual se formou e vem se especializando. E finaliza:

eu tenho muito orgulho de trabalhar na universidade e não gosto que ninguém fale mal da universidade, talvez por isso, por ser meu local de trabalho, que eu escolhi.

Atualmente, Orquídea trabalha no Serviço de Atenção à Saúde do Trabalhador e é mestre em Enfermagem (Saúde Pública).