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Capítulo 1 RESISTÊNCIAS NEGRAS: AS LUTAS DOS MOVIMENTOS NEGROS

1.1 As Resistências negras contemporâneas

1.1.1 Vozes em protesto: o Movimento Negro Unificado e outras organizações negras

As seqüelas sociais e políticas produzidas pelo regime militar fizeram com que vários setores da sociedade brasileira se mobilizassem pelo processo de redemocratização do país no final dos anos de 1970.

É neste cenário de retomada das praças públicas para contestação, de denúncias das arbitrariedades impostas pelos militares ao povo e de aproximação de setores sociais que é fundado, em julho de 1979, em São Paulo, o Movimento Negro Unificado contra o Racismo e a Discriminação Racial, mais conhecido como o Movimento Negro Unificado (MNU). “Em plena ditadura militar, negros e negras foram às ruas denunciar e exigir providências contra atos de racismo praticados contra quatro jovens impedidos de entrarem no Clube de Regatas

Tietê e também o assassinato do operário negro Robson Silveira da Luz” (GREEN, 2009, p. 636). A repercussão da criação de um grupo com as características do MNU foi grande, e rapidamente vários núcleos do MNU foram surgindo e se espalhando pelos estados brasileiros.

Diferentemente dos movimentos negros anteriores, que propugnavam que o "preconceito de cor” era um empecilho para o desenvolvimento e a integração social do povo negro brasileiro, segundo Guimarães, nos anos 70

já não era o "preconceito racial", mas a "discriminação racial", o principal alvo da mobilização negra. Essa foi uma diferença crucial em relação às décadas passadas: a pobreza negra passou a ser tributada às desigualdades de tratamento e de oportunidades de cunho "racial" (e não apenas de cor). E os responsáveis por tal estado já não eram os próprios negros e sua falta de união, mas o establishment branco, governo e sociedade civil; numa palavra, o racismo difuso na sociedade brasileira. Ou seja, a posição da massa negra e a sua pobreza, tanto quanto a condição de inferioridade salarial e de poder dos negros mais educados, seriam fruto desse racismo que se escondia atrás do "mito da democracia racial" (GUIMARÃES (2003, p.197).

O MNU publicizava as desvantagens sociais e econômicas da população negra em relação à branca, denunciando o papel do Estado nesse processo e enfatizando a necessidade de construção de uma identidade racial negra. O movimento resgatou a figura de Zumbi dos Palmares e ressignificou o “ser negro”.

De acordo com Costa

o MNU se distingue do TEN por sua crítica ao discurso hegemônico. Isto é, enquanto o TEN defendia a plena integração simbólica dos negros na identidade nacional híbrida, o MNU condena qualquer tipo de assimilação fazendo do combate à ideologia da democracia racial uma de suas principais bandeiras de luta, visto que, aos olhos do movimento, a igualdade formal assegurada pela lei entre negros e brancos e a difusão do mito de que a sociedade brasileira não é racista teriam servido para sustentar, ideologicamente, a opressão racial. Assim, os conceitos "consciência" e conscientização" passaram a ocupar, desde a fundação do MNU, lugar decisivo na formulação das estratégias do movimento (COSTA, 2006, p. 144).

Nesta mesma linha de atuação surgiram outros grupos, dando visibilidade aos novos formatos da militância negra. Em Belo Horizonte destacaram-se o Grupo de União e Consciência Negra (GRUCON,1981) e os Agentes de Pastoral Negros (APN`s , 1983).

A partir dos anos oitenta tornou-se nítido o interesse dos militantes da causa negra em pautar a temática racial em todos os espaços, sobretudo naqueles em que a presença negra era minoritária. Nesse sentido buscaram contribuir para a organização dos partidos de esquerda,

como o PDT e o PT. Argumentavam que havia necessidade de uma maior participação de negros e negras nos espaços de poder, pois até então a tentativa dos militantes negros de atuarem ativamente no Parlamento brasileiro, visando à igualdade racial e o combate ao racismo, se dava por meio de intermediários que não eram militantes orgânicos desses movimentos e que nem sempre levavam à frente suas reivindicações. Destarte, os militantes acreditavam que somente com a atuação de um negro comprometido com o combate ao racismo as denúncias e reivindicações do MN seriam debatidas no Congresso Nacional.

O interesse da militância não fazia eco tão facilmente dentro dos recém-criados partidos de esquerda, que, embora defendessem idéias igualitárias e denunciassem todo tipo de opressão, também terminaram por negligenciar o tema racial.

Convivendo em espaços racializados e impregnados pela ideologia racista dominante, as organizações e partidos de esquerda não discutiam o papel e a importância da ideologia racista enquanto elemento reprodutor e estruturante das desigualdades em nossa sociedade. Por conseqüência, viam a questão racial em mero problema relativo às minorias, o que exigia da militância comprometida com a questão racial uma ação mais efetiva.

Neste caminho, trabalharam também pela implantação de algum tipo de estrutura anti- racista dentro daqueles partidos. Somente em 1995 foi criada a Secretaria Nacional de Combate ao Racismo do PT, durante o X Encontro Nacional do partido, evento em que este homenageou os 300 anos de Zumbi dos Palmares. Também o PDT criou uma instância de ação mais focada na questão racial.

No entanto, nenhuma destas alcançou a visibilidade necessária, devido à cultura e ao discurso hegemônico, produzido por grande maioria de sindicalistas e militantes (quase todos do sexo masculino e brancos), de que o problema dos trabalhadores era de classe e não de raça.

Esse tipo de discurso, somado ao imaginário social de inferioridade negra produzido ao longo da história brasileira e aliado às dificuldades financeiras para bancar uma candidatura, fez com que a maioria dos negros e negras que postularam cargos eletivos não obtivesse sucesso3.

3 Vale ressaltar a eleição de Abdias do Nascimento e Carlos Alberto Caó, como suplentes de deputado federal, em 1982. Como alguns deputados do PDT assumiram cargos de secretários de governo, ambos assumiram as cadeiras na Câmara dos Deputados. Ainda hoje, Abdias é um ícone da luta anti-racista brasileira e o deputado Carlos Caó foi autor da Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que definiu os crimes resultantes de preconceito de raça e de cor no Brasil.