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Capítulo 5 – VOZ E VEZ: PERCEPÇÃO DOS TAE´S SOBRE A QUESTÃO RACIAL

5.2 Visibilidade e invisibilidade dos negros: a percepção dos trabalhadores

Apesar da propagada democracia racial brasileira, a nossa sociedade ainda não garante condições efetivas de igualdade de oportunidades educacionais e ocupacionais entre brancos e negros, como demonstram Santana (2009) e Osório (2006). No contexto da UFMG essa constatação foi evidenciada a partir do trabalho de campo e, posteriormente, através das entrevistas. Fomos percebendo como o tecido da (in)visibilidade negra vai sendo construído e alimentado na universidade, de forma similar ao que acontece no restante da sociedade brasileira, onde não é comum encontrar um trabalhador negro ou uma trabalhadora negra ocupando uma função de chefia em posto de destaque, ou definindo as políticas que serão implantadas. Em geral, os lugares sociais não são definidos apenas pelas relações de trabalho capitalistas; eles revelam a persistência de uma subalternidade ocupacional da população negra, reforçada pela naturalidade com que se convive socialmente com a situação.

Aqueles que rompem as barreiras da cor e assumem lugares de destaque revertem duplamente o imaginário social, porque conseguem ser admitidos para o cargo – demonstrando que o negro também tem competência – e, conseguem, ainda, ocupar tal lugar.

Como argumenta em entrevista a procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado de Pernambuco, dra. Bernadete Azevedo, quando da implantação do PCRI35, em Recife, “embora visível em suas facetas excludentes, não é fácil comprovar a ação discriminatória, sobretudo porque essas situações já estão naturalizadas entre nós”. E reforça: “é comum chegar a uma repartição pública e ver um negro limpando o chão e o branco fiscalizando”.

No contexto desta pesquisa, tanto os entrevistados autodeclarados negros como os autodeclarados brancos, sem restrição de gênero, responderam prontamente ao serem questionados sobre a presença de negros nos vários órgãos, unidades e setores da universidade. O que nos permite dizer que os negros e as negras eram visíveis para estes e estas e estas.

Não obstante, as falas dos depoentes deixavam transparecer que os negros e as negras “visíveis” apresentavam algumas peculiaridades: se estudantes, estavam segregados em alguns cursos acadêmicos; se técnico-administrativos (a maioria), estavam mais distribuídos pela instituição, mas sua presença era mais percebida em órgãos ou setores cujas atividades exigiam maior esforço físico, ou nas áreas administrativas. Os docentes eram sempre classificados como “minoria”.

Falando da graduação, na ciência da computação eu tinha colegas negros, mas eram minoria. (Vítor, 49 anos, Analista de Tecnologia da Informação, branco)

A gente atende alunos negros, muitos são de outros países e estão aqui na universidade. Atende também trabalhadores da construção civil e os técnico- administrativos. (Orquídea, 54 anos, Enfermeira, parda)

Na lavanderia é todo mundo negro. É um setor complicado, parece que é o Carandiru do hospital (HC). É no subsolo, super quente, adoece muito as pessoas. E além desses negros que são do quadro (concursados), tem os terceirizados que chegam a ganhar o salário mínimo. (Luiz, 50 anos, Porteiro, preto).

A maioria das meninas é Técnico de Enfermagem. Algumas são formadas em curso superior. Todas são técnicas (de enfermagem) e são negras. Enfermeira negra aqui no Berçário, não tem. (Simone, 39 anos, Auxiliar de Enfermagem, parda)

Eu conheço um que inclusive toma café aqui com a gente. Eu não sei bem o cargo dele. Ele trabalha no quinto andar. Não é na necropsia e não é um cargo assim... avantajado, não! É um cargo, digamos, de serviços gerais. (Zezé, 41 anos, Auxiliar de Agropecuária, branco).

Quando inquiridos sobre a presença de negros e negras em postos de destaque ou espaços de decisão dentro da universidade, a maioria dos entrevistados respondeu que não tinha conhecimento. Os três trabalhadores (dois autodeclarados negros e um branco) que responderam afirmativamente à questão têm uma inserção diferenciada na instituição: dois são ocupantes de cargos da Classe E (respectivamente bibliotecária e Analista de Tecnologia da Informação) e exercem, há alguns anos, a função gerencial; e um é Operador de Câmera de TV e Vídeo. Tais cargos possibilitam que os entrevistados tenham acesso a informações na e sobre a UFMG, além da circulação em espaços territoriais mais restritos, como o prédio da Reitoria. Todos os três depoentes citaram o professor Tomaz Aroldo da Mota Santos como um negro de destaque na UFMG. No entanto, o depoente Pelé chama a atenção para um aspecto singular e que marca a sutileza do “racismo à brasileira”:

tem o reitor Tomaz, mas ele foi eleito, não foi indicado. Foi votado e depois confirmado no cargo. Agora por indicação.... Eu até queria olhar o quadro (equipe) do Tomaz para ver se tinha alguns negros. É tudo muito sutil, no próprio serviço público causa mais estranheza quando há a indicação de negros. (Pelé, 50 anos, Operador Câmara, Cinema e Vídeo, preto)

A ponderação feita por Pelé encontra respaldo no resultado de pesquisa realizada por Osório, em que este analisa as desigualdades raciais e de gênero no serviço público civil. O pesquisador constata que, para a assunção em cargos em comissão, “há um trampolim para alçar homens brancos e negros aos cargos mais elevados, que funciona com maior intensidade para os primeiros”. (OSORIO, 2006, p. 97)

Os entrevistados lembraram-se dos nomes de outros docentes que poderiam ser classificados como pardos, porém argumentaram que não sabiam como estes se autoclassificavam:

tem outros professores negros, Uns eu não sei se eles se reconhecem e outros eu não arriscaria dizer. (Filó, 51 anos, Bibliotecária, preta)

tem o professor P., acho que ele é pardo... O P. tinha uma avó negra, acho que coisa assim. (Vítor, 49 anos, Analista de Tecnologia da Informação, branco)

As possibilidades de autoclassificação e heteroclassificação são ampliadas para os sujeitos pardos e mestiços, e em geral produzem muitas interrogações, uma vez que, em contextos cuja presença branca é mais visível, os pardos vão estar mais próximos destes, podendo inclusive considerar-se como um deles. Todavia, em outras situações serão questionados pelos seus atributos negros. Considerando a forma com que o racismo se impõe em nossa cultura, podemos dizer que o fato de estes docentes estarem em um lugar socialmente valorizado não é suficiente para eliminar as barreiras impostas pela cor.

A esse respeito, Laborne pondera:

é importante ressaltar que a percepção social da cor e a escolha e/ou atribuição de categorias de cor é uma operação complexa que envolve não apenas uma apreensão de características fenotípicas, aqui imbuídas de valor e carregadas de significado, mas que estas compõem um sistema e que tal operação se processa num contexto de interação social. E a experiência de miscigenação racial, ocorrida em nosso país, torna esse processo ainda mais complexo, dependendo da situação (LABORNE, 2010, p.3).