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4. A INDIVIDUAÇÃO DO ACONTECIMENTO

4.6. RACISMO NA CULTURA BRASILEIRA

No Brasil, a tipificação do racismo é conhecida popularmente por Lei Caó. Jornalista e militante do movimento negro, Carlos Alberto Caó Oliveira foi deputado constituinte e ajudou a redigir o artigo 5º da Constituição que torna o crime de racismo inafiançável e imprescritível. Caó virou sinônimo de combate ao racismo com a aprovação da Lei 7.716, de sua autoria, que define os crimes de preconceito racial. A norma prevê pena de reclusão a quem cometa atos de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A legislação regulamentou o crime de racismo previsto na Constituição Federal. Um dos poucos negros que obteve cargo eletivo, Caó corporificou a luta antirracista, dando visibilidade e levando aos espaços de poder as pautas unificadas do povo negro.

O caso é simbólico da relevância da ocupação de cargos por negros e negras em democracias representativas, como a brasileira, em que os eleitos devem estar comprometidos com os interesses dos eleitores. Mas, ainda que pretos e partidos tenham tido um papel de resistência e protagonismo em lutas emancipatórias na história brasileira, eles possuem pouco espaço de representação. Mesmo em governos recentes que cederam a ações afirmativas reivindicadas pelo movimento social negro, como a política de cotas nas universidades federais e no serviço público durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), o número de pretos e pardos que ocupavam cargos de comando foi pequeno na comparação com o montante de brancos. Da mesma forma, o protagonismo na articulação de políticas públicas não incidiu de forma direta para ampliação de cargos de representação nem mesmo pela conquista de votos. Esse diagnóstico faz a sub-representação negra na política seguir como um desafio.

Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do segundo trimestre de 2018, pretos e pardos correspondem a 54,9% da população. Mas na comparação com a ocupação de cargos de governo e de mandatos conquistados pelo voto há um descompasso entre número de cidadãs e cidadãos negros e brancos. Levantamento do Núcleo de Pesquisas Clóvis Moura da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo37 mostrou que,

37 AGÊNCIA SENADO. Representatividade dos negros na política precisa aumentar, defendem debatedores. Agência Senado, 2018. Disponível em:

<https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/04/05/representatividade-dos-negros-na-politica- precisa-aumentar-defendem-debatedores> . Acesso em: 15 nov 2018.

em 2018, dos 513 deputados federais, 24 eram negros. No Senado, de 81 senadores, três eram negros. No comando das prefeituras, pretos e pardos eram 1.604 de um total de 5.570 prefeitos. O mesmo foi observado nas Câmaras dos Deputados, em que, de 57.838 vereadores, 24.282 eram negros. No mesmo período, nenhum governador de estado e do Distrito Federal ou ministro do STF era negro.

Os dados sobre a identificação racial dos candidatos são recentes, começaram a ser agrupados nas eleições de 2014 pela Justiça Eleitoral. No pleito de 2014, 44,3% dos candidatos eram negros e 55% eram brancos. Nas eleições gerais de 2018, apuração do TSE38 indicou que, dos 29 mil candidatos aos oito cargos em disputa nos estados e a presidência, 46,5% (35,7% pardos e 10,8% negros) eram negros. O montante de candidatos negros subiu 2% neste ano em relação às eleições gerais de 2014. Apesar de esse dado indicar que os negros estão buscando apresentar-se à corrida eleitoral, a maioria disputa cargos de menor hierarquia e status social, que no caso das eleições gerais são as cadeiras na assembleia legislativa. Para os cargos majoritários, ou seja, para presidente, governador e senador, os negros que disputaram o voto não ultrapassaram 3%.

Quando analisa-se o gênero, ou seja, quando o recorte é apenas das mulheres negras, a somatória é ainda menor. Mulheres negras conquistaram 5% das cadeiras nas Câmaras Municipais nas eleições de 2016 em todo o Brasil39, sendo que, do universo de 57,8 mil vereadores eleitos naquele ano, 328 identificavam-se como mulheres pretas, o equivalente a 0,6% do total. As mulheres pardas eleitas foram 2.546: 4,4% do todo.

A ausência de mulheres vem sendo denunciada como um problema de representação da política com efeitos em todo o mundo. Por isso, instituições de alcance global, como a Inter-Parliamentary Union monitoram a inclusão de mulheres na política. Conforme a instituição citada, há estagnação no crescimento da participação de mulheres em todas as localidades. Mas a América tem merecido destaque nos rankings pelos avanços recentes, que mostram destacado crescimento regional.

O Brasil, no entanto, não tem feito sua parte para auxiliar nessa evolução. Em

38 AGÊNCIA CÂMARA. Baixa representação de negros na política deve ser mantida nas eleições desse ano. Agência Câmara, 2018. Disponível em:

<http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/563783-BAIXA-REPRESENTACAO-DE- NEGROS-NA-POLITICA-DEVE-SER-MANTIDA-NAS-ELEICOES-DESTE-ANO.html>. Acesso em 14 nov 2018.

39 GÊNERO E NÚMERO. Mulheres pretas, como Marielle, são menos de 1% nas Câmaras de Vereadores do Brasil. Disponível em: <http://www.generonumero.media/mulheres-pretas-como-marielle- sao-menos-de-1-nas-camaras-de-vereadores-do-bras/>. Acesso em: 14 nov 2018.

pesquisa de 201740, a instituição observou uma tendência de queda na representação com a saída da chefia de estado de Dilma Rousseff no impeachment em 2016 e ainda com diminuição da paridade de gênero nos cargos ministeriais, que, de 25% em 2014, declinou para 15% em 2015 e despencou para 4% em 2017. No ranking de 2018, o país aparece na posição 157, ou seja, situa-se entre as nações que menos possuem mulheres em cargos eletivos na esfera federal.

Desde 1977, a chamada lei da cota feminina ― Lei 9.504/97 ― estabelece que cada partido ou coligação deve preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada gênero. A regra é para as eleições proporcionais, não atingindo as eleições majoritárias, em que são definidos os cargos de mais alto poder. O objetivo da medida é ampliar progressivamente a representação de mulheres nos parlamentos e, desde então, os partidos têm cumprido a cota mínima para mulheres a fim de evitar sanções da Justiça Eleitoral. Entretanto, em 2016, o número de candidatas que não receberam nenhum voto praticamente quintuplicou em relação ao pleito de 201241, denotando que as desigualdades de gênero na política não poderão ser enfrentadas com uma única medida e sem o combate das causas dessas desigualdades, como a falta de visibilidade e investimento em candidaturas de mulheres e a necessidade de empoderamento político e financeiro das lideranças dentro e fora dos partidos.