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Quem viaja pela Rio-Santos em direção ao sul avista do seu lado esquerdo os imponentes prédios (Foto 1) das Angras I e II, construídos ao nível do mar. Quando tive a oportunidade de, pela primeira vez, visitar por conta própria a Central, em 1990, havia poucas placas e vigias, e não observei nenhum dos indícios que imaginava existirem por se tratar de uma Área de Segurança Nuclear: não era um lugar lúgubre, deserto, cercado por policiais armados. Na ocasião, acompanhada por um funcionário de Furnas, tomei, no Centro de Informações, localizado a um quilômetro da Central, um ônibus da em- presa, que levava os trabalhadores que regressavam do almoço ao serviço. O ônibus desceu por uma pequena estrada que liga a Rio-Santos à Central, na Praia de Itaorna, passando por um primeiro portão vigiado por um segu- rança, que não pede identificação, chegando a uma espécie de Rodoviária, onde estacionam os ônibus de Furnas e de outras empresas, como a Eval, contratadas pelas empreiteiras. Segundo meu bem-humorado anfitrião, se, entre todas aquelas pessoas, encontrasse alguma com ar de preocupação, não seria certamente medo de algum acidente na usina tão próxima, mas muito provavelmente falta de dinheiro. Ali estavam juntos funcionários de Furnas e trabalhadores contratados pelas empresas de engenharia civil e outras firmas menores, por aquelas subempreitadas, em clima bem diverso do que minha imaginação poderia antecipar. Os vendedores ambulantes,

cujos serviços ficam hoje por conta de três cantinas, o número de pessoas e sua descontração davam aos arredores das usinas um movimento colorido próprio das feiras, nada aproximável da sisudez que eu inadvertidamente atribuía a um espaço onde são tratados elementos “perigosos” aos seres vivos. Esse primeiro momento foi excelente para avaliar a extensão de minha própria mitologia a respeito do bujãozão, apelido dado à usina por um angrense alheio aos conflitos por ela suscitados.

Foto 1 - Angra I à direita e Angra II à esquerda

Seis anos depois, a paisagem mudou: Angra II (Foto 2) está sendo termi- nada e a Rodoviária parece mais sóbria, sem a presença dos ambulantes. Há muitos jardins plantados com rosas, azaléias e outras flores, idealizados num projeto do paisagista Burle Marx. Os prédios próximos à Rodoviária são baixos, como aliás, todos os outros, com exceção dos que compõem as

unidades nucleares, e abrigam salas de trabalho da parte administrativa, como setores da Proteção Industrial. Há uma guarita que controla a entrada para o canteiro, que é a área onde Angra II está sendo construída, situada entre a Rodoviária de Itaorna e o mar. Ultrapassando-se esta primeira guarita e seguindo-se uns 400 metros, chega-se a uma segunda guarita, denominada Principal, localizada dentro do canteiro, que delimita o sítio de Angra I. Ainda faz parte da Central o terreno da unidade de Angra III, ao sul de Angra II, mas cujas obras não foram iniciadas. Entrei pela primeira vez em suas dependências em 1994, já que em 1990 não havia obtido a permissão para ultrapassar a guarita do canteiro, e o “medo” que eu mesma sentia cedeu lugar a uma certa melancolia. Angra I estava parada há muitos meses, os técnicos estressados com a situação não conseguiam disfarçar o desestímulo de tanto tempo de paralisação. Nesta ocasião, andei pelas áreas da usina onde não há radiatividade nem possibilidade de contaminação e, para tanto, tive que seguir uma série de passos necessários para o ingresso.

Foto 2 - Angra II

Para um visitante ingressar na usina, deve ter um documento conhecido por S. A. (solicitação de acesso), assinado pelo superintendente da Central. Na portaria, denominada Guarita Principal, é revistado, passa pelo detector de metais, ganha uma carteira de visitante, que deve manter sempre visível, e

então pode solicitar uma escolta, isto é, um funcionário para acompanhá-lo. Além da carteira de visitante, que permite o acesso à usina desde que escol- tado, há outros quatro tipos de carteira destinados àqueles que permanecem na usina.1 Diariamente os trabalhadores da usina seguem um ritual bem

semelhante ao dos visitantes, pois também são revistados e só podem entrar portando sua carteira. Caso um funcionário perca a identificação no interior da usina, deve comunicar imediatamente à Guarita Principal e permanecer no lugar onde percebeu a perda, esperando o segurança para escoltá-lo. A regra é não se movimentar sem identificação. O crachá perdido é exaustivamente procurado, porque a segunda via da carteira é um processo propositadamente complicado, para desestimular o descuido. Nos últimos 10 anos, apenas quatro desses documentos não foram recuperados, o que consideram uma boa marca, já que, em época de Parada, período em que se troca o combus- tível, a usina duplica seu contingente de trabalhadores. Na saída, além da devolução da carteira e da passagem pelo detector de metais, todos devem passar pelo contador de radiatividade que dá um alarme sonoro no caso de haver alguém contaminado por alguma substância radiativa.

No horário de troca de turno ou de entrada e saída dos que trabalham em horário comercial, forma-se uma fila para passar pela guarita que, embora às vezes fique extensa, é vista como uma oportunidade para descontrair e encontrar colegas de outros setores. A saída é mais lenta por causa do contador que exige, para a leitura adequada do grau de contaminação, um pequeno espaço de tempo entre duas medições e também que cada um pare um momento com os dois pés apoiados no soalho do instrumento. Se a passagem for muito rápida, ele pode disparar por não ter zerado entre as medições. Outro fator que pode provocar o alarme do contador é o aumento do grau de radiatividade no ambiente, como acontece quando um veículo transportando lixo radiativo passa pela guarita.

A existência de várias formas de identificação e controle de acesso às diver- sas áreas da usina têm a ver com o grau de segurança que cada setor exige. Os limites do sítio onde está Angra I são a praia e a grade que cerca a Área

Protegida,2 interrompida apenas na altura da guarita por onde passam pes-

soas e veículos. Esta Área estende-se ao redor dos prédios que compõem a usina e nela encontram-se tanques de substâncias químicas, como o boro e o

1 A carteira 1, que possibilita o acesso a todas as áreas da usina, além de habilitar seu

portador a escoltar, é a utilizadas pelos funcionários de Furnas lotados no Departamento de geração; a carteira 2 permite o ingresso nas áreas administrativa e externa, sendo utilizada pelo pesoal da administração, que também pode escoltar na área por onde circula; a carteira 3, usada por trabalhadores contratados e visitantes que ficam por um período não muito curto, como foi meu caso, dá acesso a qualquer área sem necessitar de escolta, mas não permite que o portador escolte; a carteira 4 difere da 2 por não dar direito a seu portador de fazer escolta, sendo utilizada pelo pessoal da limpeza.

2 O esquema da página 114 mostra a divisão das áreas. Em negrito, estão aquelas sujeitas

cloro, estação de tratamento de água e outras construções cuja função é dar suporte ao funcionamento da usina. Externamente à Área Protegida, há a

Área Vigiada, muito maior que a primeira, também cercada por uma grade,

e que engloba o canteiro, que é o conjunto de prédios onde se encontra a superintendência da Central, as chefias das várias Divisões de Furnas relati- vas a serviços de apoio e administração de Angra I, das vilas residenciais e das obras de Angra II. Para ingressar na Área Vigiada, basta que, chegando à portaria do canteiro, se diga com quem se vai falar, para que um dos se- guranças providencie um crachá de identificação e entre em contato com a pessoa que vai receber o visitante. Ingressar com o carro exige um motivo – que pode ser a carga que se transporta ou que a distância a ser percorrida seja realmente grande – e um documento a mais para o veículo. No caso de ser uma visita pouco usual destinada à usina, a Guarita do canteiro entra em contato com a Guarita Principal.

Internamente à Área Protegida, localiza-se a Área Vital, que é confinada, na medida em que seus limites não são mais grades, e sim paredes, tetos, pisos. Dela fazem parte os principais prédios de Angra I, que é composta por sete edifícios: o de Segurança, onde estão os sistemas que agem sobre o reator em caso de algum problema no seu funcionamento; o do Combustível, para a armazenagem do urânio que será ou que já foi usado; o do Turbogerador, que comporta as turbinas; o Auxiliar Norte, onde se encontra o sistema de processamento de rejeitos; o Auxiliar Sul, onde ficam os geradores diesel de emergência para casos de pane como blecautes na usina; a Sala de Con- trole, com os painéis através dos quais os operadores controlam a usina; a da Administração, que aloja o pessoal de apoio à operação da usina e, finalmente, o Edifício do Reator, que, como o nome já diz, tem a função de abrigar o reator. Ele é assim descrito numa revista de divulgação distribuída pela empresa:

Edifício do Reator – o principal deles pelas características especiais de sua construção, pois é em seu interior que ocorre a fissão nuclear. Repousando diretamente sobre a rocha, é de forma cilíndrica e tem 58m de altura, e 40m de diâmetro. É construído em concreto, com 75cm de espessura. Em seu interior, há um invólucro de contenção em aço, com chapas de 30mm de espessura.

A Área Vital compreende vários prédios que podem apresentar taxas de

radiação altas. Esses locais, que são os edifícios de Segurança, do Reator,

do Combustível, Auxiliar Norte e parte do Auxiliar Sul, constituem a Área

Restrita. Ela se subdivide em Área Supervisionada e Área Controlada, sendo

que esta última oferece uma taxa maior. Para entrar na Área Restrita, a pessoa deve estar com o exame médico exigido, que inclui hemograma atualizado, um exame feito num aparelho denominado Contador de Corpo Inteiro, para a detecção de alguma contaminação previamente adquirida, um histórico de

doses de radiatividade a que foi exposta anteriormente e deve ter passado

normas de conduta no interior da usina. Fiz este curso para obter a carteira 3 e poder transitar livremente, o que é extremamente difícil para alguém não-acostumado ao local, já que a usina é grande e toda compartimentada, causando facilmente confusão de orientação em quem nela se movimenta.3

Algumas partes do Auxiliar Sul não são de acesso restrito, pois não apresen- tam taxas de radiação. São elas: as oficinas de instrumentação mecânica, a

Sala de Controle e o Ponto de Controle, que é uma sala onde ficam técnicos

que controlam a entrada e a saída da Área Restrita, verificando se a pessoa tem seus exames em dia e indicando a roupa apropriada para o ingresso. Esquema da classificação das áreas:

Área Vital