• Nenhum resultado encontrado

Para o entendimento de como os entrevistados constroem sua concepção de

perigo é de especial adequação a análise desenvolvida por Mary Douglas

sobre como as comunidades vivem situações de risco. Definir o quão peri- gosa ou segura é determinada coisa envolve cálculos que estão longe de ser objetivos. A primeira contribuição de Douglas é mostrar que o risco expresso em probabilidades não o isenta de seus antecedentes sociais e políticos dos quais cientistas, economistas e políticos o querem muitas vezes desemba- raçar. Denominar algo como perigoso ou arriscado, bem como assumir um

risco, são expressões de valores sobre os quais se assentam os números que pretensamente retiram desta opção o viés político e moral.

Jon Elster (1979), embora afastado teoricamente de Douglas, argumenta neste mesmo sentido:

Eu concordo com a Escola de Probabilidade Finetti-Savage que todas as pro- babilidades são subjetivas, já que elas se relacionam ao nosso conhecimento do mundo e não ao mundo em si (ELSTER, 1979, p. 381).

Elster trabalha com a teoria da escolha racional e distingue situações de risco de situações de incerteza para caracterizar a questão da opção pela melhor forma de energia. Considera que as decisões tomadas sob condições de risco são aquelas nas quais se pode obter cálculos numéricos de probabilidade para se responder acerca do que acontecerá. Nas decisões sob incerteza, há apenas a possibilidade de se enumerar a lista de possíveis efeitos colaterais, sem, entretanto, quantificá-los. A incerteza, então, é gerada pelo fato de as informações serem imperfeitas, impedindo a quantificação e, neste caso, o melhor – isto é, “o mais racional” – é comparar as piores conseqüências e escolher a melhor dentre elas. O risco de um acidente com um reator pode ser calculável e o erro humano dificulta esses cálculos, embora não os inviabilize. Elster considera que não há informações suficientes sobre a possibilidade de o plutônio resultante da queima de urânio nas usinas poder ser usado para fabricação de artefatos, fazendo com que a escolha pela usina nuclear tenha um componente de incerteza. Para a decisão sobre o proble- ma energético, sugere a comparação das alternativas (o autor trabalha com duas: usina termonuclear ou a combustível fóssil) para, assim, verificar qual dos efeitos prejudiciais é menos nocivo. Na medida em que a usina a com- bustível fóssil oferece um perigo reversível, ao contrário da termonuclear, cujos danos podem ser catastróficos e irreversíveis, o autor estabelece que, com todos os problemas, é mais racional a opção pelo combustível fóssil. Esta perspectiva – a da escolha racional – é criticada por Mary Douglas principalmente por considerar o comportamento social como racionalmente embasado e guiado por critérios individuais, orientados para a autopreser- vação. Para Douglas, uma escolha racional não pode ser entendida como um dado, mas como um constructo que une aspectos psicológicos e socio- lógicos. Ela não vê nenhum inconveniente em, ao invés de falarmos dos riscos e perigos que a sociedade moderna impõe, matematicamente, como se isso fosse garantia de imparcialidade, os abordarmos segundo um crité- rio claramente político ou moral. Toda a sofisticada elaboração que Elster utiliza para justificar por que o uso do combustível fóssil é mais racional do que o urânio poderia ser feita, com o mesmo sucesso e refinamento, em termos de posição política e valores sociais. Ela considera que a teoria por ele usada não explica consistentemente a solidariedade e outros tipos de conduta que fazem com que os indivíduos se subordinem aos interesses

do grupo, preferindo uma explicação que denomina de cognitiva para o comportamento social:

Uma maneira de se enxergar o comportamento social é cognitiva: o indivíduo requer ordem e coerência e controle da incerteza. A outra é transacional: o indivíduo utilitariamente maximizando as atividades descritas num cálculo de custos/benefícios (...) a teoria da escolha racional tem graves limitações (DOUGLAS, 1987, p. 18-19).

O trabalho de Anthony Giddens, a despeito dos pontos de discordância que apresenta com relação ao de Mary Douglas, é também de grande valia para explicar o universo de Praia Brava, no que se refere à questão do risco. Em seu diagnóstico sobre a modernidade, Giddens argumenta que a sociedade moderna é caracterizada por um aparente paradoxo: ela é a sociedade da confiança e dos riscos. Define o perigo como a ameaça de algo dar errado, enquanto o risco seria a possibilidade de concretização desta ameaça, in- dependente de que se tenha ou não consciência da sua existência. Acredita que o que faz com que um risco seja aceitável varie com o contexto social, embora afirme que, modernamente, há riscos tecnológicos cujas conse- qüências são incomparáveis com as proporcionadas anteriormente; assim, acredita que os usos da energia nuclear sintetizam bem a recente habilidade humana de criar para si enfrentamentos com riscos irreversíveis, que abrem a possibilidade de destruição rápida do planeta:

Embora indivíduos normais possam considerar essas ansiedades (guerra nuclear, por exemplo), quando são profundas e crônicas, como irracionais, estes sentimentos são mais o resultado de supersensibilidade emocional do que irracionalidade. Pois o risco de guerra nuclear está sempre aí. Como uma possibilidade imanente do mundo atual (GIDDENS, 1991, p. 96)... Os eventos de Hiroshima e Nagasaki ou os acidentes de Three Miles Island ou Chernobyl, nos dão alguma sensação do que poderia acontecer: não “Apoca- lipse Agora”, mas “Apocalipse de agora em diante (GIDDENS, 1991, p. 136).

Não só em termos de conseqüências, dadas em seu aspecto de irreversi- bilidade, pelo menos sob a óptica da manutenção da vida tal como ela é conhecida, os riscos industriais atuais se diferenciam dos que até então foram experimentados pela humanidade, mas também em termos conceituais, já que na moderna concepção de risco a idéia de Deus é substituída pela de acaso:

O conceito de risco substitui o de fortuna, mas isto não porque os agentes nos tempos pré-modernos não pudessem distinguir entre risco e perigo. Isso representa, pelo contrário, uma alteração na percepção da determinação e da contingência, de forma que os imperativos morais humanos, as causas naturais, e o acaso passam a reinar no lugar das cosmologias religiosas. A idéia de acaso, em seus sentidos modernos, emerge ao mesmo tempo que a de risco (GIDDENS, 1992, p. 41-42).

Mary Douglas não acredita que nossa sociedade possa ser especificamente distinguida como “de riscos”. Considera que tal idéia, embora sob a forma de diagnóstico científico, é uma representação como tantas outras, que asso- ciavam perigos às desordens sociais e cosmogônicas. Segundo a autora, os termos risco e perigo se equivalem, sendo que o primeiro passou a se revestir da “cientificidade”, que se costuma atribuir a tudo aquilo que é passível de ser apresentado sob a forma precisa de cálculo numérico, podendo ter a noção de acaso a mesma função de regulação moral daquela desempenhada pela idéia de Deus. Portanto, a grande diferença entre ambos os conceitos seria a “função retórica” conferida pelos cálculos numéricos à idéia de risco, mas que, sob seu novo aspecto, guarda toda a carga de moralidade e de in- tenção normativa que a autora mostrou estar incluída no conceito de perigo (DOUGLAS, 1976). A noção de risco, ao invés de preservar a comunidade da conduta desaconselhável (como o “pecado” e o “tabu”), parece tentar proteger o indivíduo dos efeitos desagradáveis da comunidade. Entender a noção de risco como uma construção coletiva é poder vê-la como mais uma categoria classificatória que ganha contornos tão importantes na sociedade moderna quanto em qualquer outra época ou lugar.

Mary Douglas acredita que as pessoas comumente utilizam, na estimativa do risco, uma avaliação, por aproximação, sobre a freqüência dos eventos, monitorada socialmente, e utilizada nas suas tomadas de decisões diárias. Tanto ela quanto Giddens concordam que o risco nunca é calculado com neutralidade, já que os cálculos estatísticos servem para dar uma visão matemática do que pode acontecer com uma escolha feita a partir de pres- supostos políticos. O que faz com que uma pessoa ou população aceite uns riscos e rejeite outros; ou se preocupe mais com uns do que com outros é a significação daquilo dentro de seu quadro de valores e dentro de um sis- tema de reciprocidade social. Os mecanismos para a segurança necessária para tornar o risco aceitável é que ganham interpretações teóricas distintas em ambos os autores. Enquanto Giddens parte da noção de confiança nos “sistemas peritos”, Douglas fala de uma legitimidade social das instituições. Logo, a diferença importante entre as duas perspectivas é Giddens partilhar de um tipo de individualismo metodológico, colocando a sede da assunção dos riscos não na ascendência das instituições sobre os indivíduos, como faz Douglas, mas no desenvolvimento, em cada indivíduo, de relações de crença ou confiança numa instituição específica – o saber tecnológico – à qual poucos têm acesso, se compararmos ao contigente que permanece alheio ao conhecimento sobre os mecanismos que criam e diminuem os riscos. Essa confiança ou “fé” cria as condições necessárias para a segurança individual de que se pode conviver com determinado risco:

Em todos os cenários de risco, o risco aceitável fica sob o tópico “conheci- mento indutivo fraco”, e há virtualmente sempre um equilíbrio entre confiança e o cálculo do risco nesse sentido. O que é visto como risco aceitável – a

minimização do perigo – varia em diferentes contextos, mas é geralmente cen- tral na manutenção da confiança.. (...) Segurança é uma situação na qual um conjunto específico dos perigos está neutralizado ou minimizado. Baseia-se num equilíbrio entre confiança e risco aceitável (GIDDENS, 1992, p. 42-43).

Uma outra diferença entre Giddens e Douglas concerne à forma de relacio- narem, em suas análises, ignorância e confiança. Para o autor, ao indivíduo ignorante resta acreditar, enquanto que, para Mary Douglas, a fé não surge apenas nos espaços vazios descobertos pelo conhecimento; este último tam- bém requer crença. Segundo ela, a noção que se tem de um risco não depende só de uma certa combinação entre ignorância e o conhecimento,1que se produz sobre ele, mas também do monitor que irá detectá-lo e classificá-lo. Assim, a visão do perigo está enraizada no viés cultural, e sua aceitação ou rejeição depende do lugar que se ocupa na sociedade. A assunção dos riscos pressupõe bias político e a confiança indispensável para se conviver com a ignorância inexorável. Como diz Mary Douglas, o conhecimento total é impossível, portanto as instituições politicamente posicionadas decidem sobre os riscos:

Na percepção do risco os seres humanos agem menos como indivíduos e mais como seres sociais que internalizam pressões sociais e delegam seu processo de tomada de decisão às instituições. Elas manejam tão bem quanto eles fazem, sem saber os riscos que eles encaram, seguindo regras sociais sobre o que eles ignoram: as instituições são atalhos simplificadores de problemas (DOUGLAS, 1984, p. 80).

Entender, como quer Mary Douglas, o risco como uma construção coletiva, e perceber que na avaliação de uma situação de perigo os indivíduos agem segundo referências comuns não significa, entretanto, dizer que eles não se encarregam da responsabilidade de assumi-lo:

Os indivíduos que se desencarregam do processo de tomada de decisão dei- xando-o a cargo de um processo institucional não estão lavando suas mãos da responsabilidade. A ação responsável é ter que construir um bom monitor que pressinta que seus próprios princípios serão defendidos por amigos e vizinhos (DOUGLAS, 1984, p. 81).

Esta monitoração social é tão abrangente ou eficaz quanto mais hierar- quizado for o grupo social, já que os membros de uma hierarquia têm, de forma mais arraigada, os hábitos morais referidos ao todo. As hierarquias, com mais sucesso que outras configurações culturais, tais como sociedades individualistas, forneceriam aos seus membros “antolhos e tapa-orelhas”, legitimando suas idéias e valores entre eles. Ainda segundo Douglas, os sistemas hierárquicos produzem verdades mais estáveis e mais amplamente aceitas e, com isso, lidam com o conhecimento de uma maneira que se pode chamar positiva; a crença no “progresso como uma lei natural e universal”

1 Para Douglas e Wildavsky, o conhecimento é um “produto cambiante da atividade cultural”

torna-se coerente então com uma visão naturalizadora da ordem estabelecida, cujas mudanças são percebidas como manifestação de sua lógica intrínseca:

A hierarquia, tanto como um sistema de governo, como um tipo de cultura, tem uma relação com o conhecimento que, não só faz do mundo algo passível de ser conhecido, como também, ela mesma se considera organizada conforme os princípios que regem o universo (DOUGLAS, 1992, p. 32).

Mary Douglas considera que as expectativas mantidas por uma totalidade social têm a ver com a sua auto-representação; assim, a ameaça sentida com relação, por exemplo, às fontes de subsistência, à possibilidade de agressão de um inimigo externo ou à iminência de um desastre ecológico, seria uma projeção de seu grau de harmonia ou dissociação internas. Grupos sociais mais estáveis se sentem menos ameaçados do que os internamente instáveis, embora a ameaça seja sempre socialmente representada como independente de sua forma de estruturação. Portanto, ao contrário de grupos sociais que se organizam como seitas marginais aos amplos sistemas aos quais se vin- culam, as hierarquias:

ignoram riscos de longo alcance e de baixa probabilidade (...) e paradoxalmen- te são otimistas com relação à natureza humana (DOUGLAS, WILDAWSKY, 1984, p. 121-122).

As instituições centrais, isto é, bem posicionadas hierarquicamente numa sociedade, seguindo as colocações de Mary Douglas e A. Wildavsky, te- riam uma relação mais complacente com os riscos, que assim dificilmente seriam vistos como grandes ameaças. Grupos ou instituições marginais, cuja existência na estrutura social estaria mais ameaçada, teriam uma visão mais sectária dos riscos, transformados, neste caso, facilmente em ameaças. Em linhas gerais, a posição dentro da totalidade social embasaria política e cognitivamente a escolha dos riscos. Coerentemente com essa visão de que a construção do risco é sempre engajada, Mary Douglas define sua postura política ao tratar do assunto. Enquanto Giddens se mostra apreensivo com as conseqüências do desenvolvimento de certas tecnologias, ela se mostra confiante na capacidade de a sociedade ocidental reverter os desequilíbrios ecológicos:

Se a seleção do risco é um objeto de organização social, o gerenciamento do risco é um problema organizacional. Desde que nós não sabemos quais os riscos que nós corremos, nossa responsabilidade é criar complacência em nossas instituições. Mas ao escolhermos complacência, a qual depende em alguma medida de confiança nas instituições, nós nos traímos e afirmamos nosso biais pelo centro (DOUGLAS, WILDAVSKY, 1984, p. 198).

A proposta de Mary Douglas não é de todo nova, nem ela reivindica isto; ao contrário, manifesta sua intenção em aproveitar as lições mais poderosas do funcionalismo francês ao desenvolver sua teoria que apresenta uma versão atual da relação entre morfologia social e cognição, presente em textos

clássicos da Antropologia.2A autora afirma que a cognição alicerça a vida social, na medida em que as instituições sociais, isto é, idéias e costumes, se fixam no seio de uma comunidade. A legitimidade de uma instituição vem, primeiro, de ter sua adequação fundada na natureza, por um processo que a autora denomina de analogia. Ao se naturalizarem as classificações sociais, tornando-as universais ou eternas, esconde-se seu caráter social e, portanto, histórico e contingente. Em segundo lugar, sua legitimidade vem de sua harmonia com as outras já existentes, que é como se alicerça na ra- zão. Ao criar essas analogias, essas semelhanças entre processos sociais e naturais, as instituições ganham solidez no plano da cognição que, através de sua própria criação, seleciona, cada vez mais, o que lhe é próprio ou estranho, tornando-se, assim, sua própria criatura. Desta forma, instituição e cognição se equivalem. Um terceiro aspecto, o moral, é constituído com a subordinação dos membros de uma comunidade a valores específicos que balizam as ações:

Indivíduos que pinçam e escolhem entre as analogias naturais aquelas que eles irão credenciar, escolhem, ao mesmo tempo, seus aliados, seus oponentes e o padrão de suas relações futuras. Constituindo sua própria versão da na- tureza, eles estão monitorando a constituição de sua sociedade. Resumindo, eles estão construindo uma máquina para pensar e tomar decisões em seu próprio interesse (DOUGLAS, 1987, p. 63).

Ao se tentar entender o código partilhado pelos vilenses na construção de seu monitor, julgo que as análises de Giddens e Douglas são extremamente pertinentes se tomadas em conjunto, pois, isoladamente, só explicam parte desta realidade. Tal código informa, em primeiro lugar, que a usina não é

perigosa, e há dois argumentos de que os moradores de Praia Brava usu-

almente lançam mão para evidenciar isto. O primeiro é o fato de a decisão de morar na vila não ser uma escolha solitária, havendo muita gente como companhia. Esse argumento é importante, porque deixa implícita uma idéia de racionalidade partilhada pelos moradores de Praia Brava. Se morar ali fosse uma atitude solitária, o morador poderia ser considerado um temerário, mas ali encontram-se muitas famílias; não se trata de iniciativas exóticas e pessoais. O outro argumento é o que ressalta que os chefes habitam a vila; a grande maioria dos moradores, apesar de não entender do funcionamento da usina, acredita em seus trabalhadores, que são seus vizinhos e parentes. O chefe tem muitas informações sobre tudo o que acontece lá dentro e, se ele e a sua família lá residem, é porque não há nada de ameaçador no local. Assim, cada morador é, para o seguinte, um álibi de que os outros de fora exageram. Nesse sentido, Jens Kampman, ex-ministro do Meio Ambiente da Dinamarca e Presidente da Organização de Conservação da Natureza da Dinamarca, afirmou:

2 Refiro-me a “As formas elementares da vida religiosa” (DURKHEIM, 1968), citado por Mary

Douglas e Wildavsky (1984), e “Algumas formas primitivas de classificação” (DURKHEIM, MAUSS, 1984).

O medo da energia nuclear é irracional. Juntamente com a hidroeletricidade, a nucleoeletricidade é a fonte de energia mais benigna ambientalmente (apud Souza, 1994, p. 215).

Os vilenses têm maneiras de “monitorar” o risco, criando mecanismos coletivos de checagem e evitação de perigos. Os mecanismos começam a atuar logo no estabelecimento dos moradores nas vilas, quando afirmam que não estão sós e os chefes com suas respectivas famílias ali também estão estabelecidos. Esses métodos atuam ainda, quando acontecem novidades no dia-a dia da vila: movimento de técnicos estrangeiros ou sinais não deci- frados vindos de algum procedimento da usina, como, por exemplo, o som produzido no momento em que os trabalhadores de Angra I estão preparan- do a Contenção para a Parada. Afirmam que se escuta um ruído que pode preocupar os moradores desavisados; estes criam modos de identificar o que está acontecendo, ou seja, se o barulho é ou não sinal de perigo, através da observação do comportamento daqueles que, estando na vila há mais tempo, sabem do que se trata:

Há muito tempo atrás, era de madrugada, estava todo mundo dormindo, eu ouvi um barulho, tipo uma panela de pressão no fogo. Um barulho alto! Perguntei ao meu marido o que era, e ele não sabia. Fomos até a praia... tudo tranqüilo, calmo, quieto. Voltamos e dormimos. Outro dia foi a vizinha que é nova aqui. Ficou assustada com o barulho, saiu, não viu movimento na rua e voltou a dormir. No dia seguinte, ela me perguntou o que era e agora eu sei o que é e falei que é normal (esposa de graduado de Furnas).

Essa forma de controlar ou monitorar o risco, através da observação do comportamento dos demais moradores da vila, expressa um dos alicerces das relações de confiança mútua existentes entre os vizinhos de Praia Brava. Nas entrevistas, os moradores afirmam que a base da segurança que sentem é o conhecimento sobre o funcionamento da Central, mas que, na prática, é o conhecimento do comportamento do vizinho/perito. Assim, a análise de Giddens resvala nesse território não tão moderno. O autor considera que os elos de confiança surgem do desconhecimento e a conseqüente sensação de segurança que esses elos estabelecem nas pessoas – e não entre pessoas – são, paradoxalmente, a base da sociedade moderna, onde as relações tornam-se cada vez mais impessoais, devido a um mecanismo que ele denomina de “desencaixe”:

o deslocamento das relações sociais de contextos locais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo-espaço (GIDDENS, 1991, p. 29).

Esse desencaixe consiste de relações anônimas, que não requerem o conheci-