• Nenhum resultado encontrado

Realidade virtual e a arte da computação

CAPÍTULO II – Tecnologias e crise da cena frontal:

3.3 Realidade virtual e a arte da computação

O desenvolvimento das tecnologias eletrônicas, particularmente aquele

associado aos dispositivos de realidade virtual ou ainda “realidade aumentada”106,

esteve, em sua origem, intimamente associado às estratégias militares de criação de ambientes imersivos nos quais se pudesse simular condições de batalha em características muito próximas ao que seria um combate em linhas de ataque “reais”. “Reais” entre parênteses porque aqui gostaríamos de não entrar nos meandros teóricos que permeiam o conceito de “realidade”, muito menos a complexa dualidade entre real e virtual.

Bem, esse não será aqui nosso foco, mas sim apresentar uma discussão mais geral sobre o desenvolvimento e o uso de dispositivos geradores de determinadas ambiências capazes de levar o espectador a dimensões espaciais

105 Entre os quais importantes nomes como Artur Matuck, Arthur Omar e Zbigniew Rybcynski. Vale

também a referência ao trabalho de Otavio Donasci e suas videocriaturas. Donasci cria uma espécie de videoteatro a partir do qual mescla o corpo humano a extensões em vídeo. Expressões faciais e movimentos de cabeça são transformados em imagem televisiva, dando origem a figuras de ciborgues bastante peculiares e que acabaram por se configurar, literal e figurativamente, como a cara de seu trabalho. Aos que quiserem conferir um pouco da arte de Donasci, segue link com um

vídeo sobre as três décadas de suas videocriaturas:

<http://www.youtube.com/watch?v=Vu_HGf_OhEs>. Acesso em: 11 dez. 2013.

106 Consideramos aqui a diferenciação entre “realidade virtual” e “realidade aumentada”

elaborada por Claudio Kirner e Romero Tori, a saber no trecho a seguir: “Diferentemente da realidade virtual, que transporta o usuário para o ambiente virtual, a realidade aumentada mantém o usuário no seu ambiente físico e transporta o ambiente virtual para o espaço do usuário, permitindo a interação com o mundo virtual, de maneira mais natural e sem necessidade de treinamento ou adaptação” (KIRNER, SISCOUTTO, TORI, 2006, p. 22).

outras (e aí me refiro a uma noção ampliada de espaço como “ambiente”107).

A Realidade Virtual (RV) é, antes de tudo, uma “interface avançada do usuário” para acessar aplicações executadas no computador, tendo como características a visualização de, e movimentação em, ambientes tridimensionais em tempo real e a interação com elementos desse ambiente. Além da visualização em si a experiência do usuário de RV pode ser enriquecida pela estimulação dos demais sentidos como tato e audição (KIRNER, SISCOUTTO, TORI, 2006, p. 6).

Mais do que isso, o uso desses dispositivos eletrônicos nas artes, apesar de

ser relativamente recente108, apresenta um princípio que – como já dissemos ao

abordar as tentativas de superação da bidimensionalidade – aproxima-se muito das ambições, sobretudo do teatro renascentista (a partir da perspectiva) e do teatro barroco (com suas aprimoradas maquinarias), de criar no espaço de cena um ambiente alheio ao “mundo real” dos espectadores.

E o teatro barroco fará isso com ainda mais excelência ao trazer suas tempestades para o palco, simular grandes batalhas, escurecer o espaço da plateia e, a partir do controle da luz (ainda a óleo ou a gás), selecionar áreas específicas de cena, direcionar a atenção da plateia e fazê-la imergir numa realidade que, apesar de alheia desse “mundo real”, não objetivava mais do que reproduzi-lo. Toda a formatação da caixa de cena tradicional, fechada e resguardada pelo proscênio, estará a serviço desse exercício mimético: limite inviolável do ator, tornará o modelo

italiano – particularmente o de Sabbattini109 – o formato de espaço cênico

convencional.

Por outro ponto de vista, mas numa direção próxima, Christiane Paul também

107 Ideia que poderia, inclusive, fazer referência à noção de ambiente midiático tão cara a McLuhan.

Ver Introdução.

108 Como o próprio uso da expressão “realidade virtual”, concebida, nesse sentido, em 1989 por Jaron

Lanier. A expressão sempre esteve associada, sobretudo na época em que surge, a altos investimentos no desenvolvimento de espaços 3D e à explosão das tecnologias relacionadas à Internet, incorrendo, no entanto, na “tentativa de abrigar sob uma única palavra da moda, tanto as utopias, quanto as heterogêneas áreas de pesquisa sobre a interface humano-computador, até então referendadas por diferentes rótulos” (GRAU, 2003, p. 204).

109 Mais sobre a estrutura de cena italiana no item 1.2 Renascença, barroco e as máquinas de

faz essa referência ao surgimento da perspectiva, situando as formas de realidade

virtual próximas a uma “psicologia da desencarnação”110, anunciando o abandono do

“corpo obsoleto” e a exploração desse mundo digital além da dimensão propriamente humana, mesmo como um ciborgue. E complementa:

Considerée sous cet angle, la realité virtuelle s’inscrit dans une vielle tradition de volonté de fuir le corps, tradition dont on peut situer l’origine au XVe siècle et à l’invention de la perspective linéaire111 (PAUL, 2004, p. 126).

Os dispositivos de realidade virtual eletrônicos, apesar de evocarem princípios que se aproximam do teatro barroco, não têm necessariamente a preocupação em simular a “realidade” do mundo em sua mais pura e objetiva manifestação. Salvo nos casos mais aplicados à vida cotidiana (como em usos voltados a simulações de conjunturas reais, como combates, viagens aéreas ou casos do tipo), a realidade virtual, principalmente quando participa de obras artísticas, apresenta uma tentativa muito mais relacionada à geração de ambientes que propiciem um nível de “interação humano-computador” (GRAU, 2003) e que imerja o usuário em um ambiente o qual, embora lhe dê a sensação de real, pode muito bem não conter elementos de sua realidade imediata. Em outras palavras, muitos dispositivos eletrônicos simulam ambientes completamente abstratos, com cores, objetos e fenômenos que podem não guardar qualquer relação direta com o “mundo real”.

É importante também dizer que essa tendência de fuga da mimesis parece se intensificar na medida em que são aprimoradas as possibilidades da própria eletrônica. As primeiras tecnologias, que de alguma forma prenunciavam o que seria posteriormente chamado de “realidade virtual”, pareciam ainda guardar referências muito próximas do “mundo real”.

Isso ocorre, por exemplo, com o Sensorama, espécie de cabine multissensorial em frente à qual se sentava o usuário, exposto a uma tela e a odores

110 No original “psychologie de la désincarnation” (PAUL, 2004, p. 125).

111 “Considerado sob este ângulo, a realidade virtual se inscreve dentro de uma velha tradição de fuga

do corpo, tradição na qual podemos situar a origem no século XV e na invenção da perspectiva linear.” (Tradução nossa).

e ruídos que simulavam as condições das cenas assistidas112. Esse esforço em reproduzir a realidade imediata dará lugar, contudo, a uma estratégia diversa que vemos, por exemplo, no mundo dos jogos ou das artes visuais contemporâneos, em que realidades são criadas em completa desassociação a referências empiricamente verificáveis. Mais do que isso, essas novas realidades dão ao usuário/espectador/jogador a possibilidade de interagir, como nos lembra Paul, com os objetos virtuais que compõem esses ambientes:

La RV [Realité Virtuelle] est la manière la plus extrême d’introduire un utilisateur dans un environnement virtuel: grâce au casque ou aux lunettes, l’écran se trouve juste devant les yeux et l’utilisateur est alors plongé dans un monde artificiel qui exclut ou augmente le monde physique. L’immersion totale dans un monde simulé dans lequel l’utilisateur pourrait interagir avec toutes ses composantes relève encore du fantasme, bien que ce domaine connaisse de grandes avancées technologiques113 (PAUL, 2004, p. 125). O aprimoramento das tecnologias eletrônicas e dos dispositivos de transmissão em rede levou, especialmente na última década, a um salto astronômico na qualidade e na resolução das imagens de realidade virtual, o que, em certa medida, têm também concorrido para o aumento do efeito ilusório por elas fornecido. Como nos lembra Sergio Amadeu, a realidade aumentada tem caminhado cada vez mais no sentido de fornecer verdadeiros ambientes virtuais a partir dos quais se dá a interação, a qual não mais se restringe “a um local específico ou a uma só interface” (AMADEU, 2010, p. 153).

A teoria sobre a realidade virtual, ou a realidade aumentada, relacionada a seus aspectos técnicos é bastante vasta e não será aqui por nós abordada em

112 Elementos dessa reflexão podem ser, de certa maneira, verificados por trechos da própria

descrição do Sensorama, em sua patente de criação. Aos que quiserem acessar mais detalhes sobre a invenção, segue o link com o documento original (ver sobretudo a página 9): <http://www.mortonheilig.com/SensoramaPatent.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2013.

113 “A RV [Realidade Virtual] é a forma mais extrema de introduzir um usuário em um ambiente virtual:

graças ao capacete ou aos óculos, a tela se encontra bem à frente dos olhos e o usuário se encontra então mergulhado dentro de um mundo artificial que exclui ou aumenta o mundo físico. A imersão total em um mundo simulado no qual o usuário poderia interagir com todos os seus componentes destaca ainda uma ideia de fantasia, embora esta área tenha conhecido grandes avanços tecnológicos.” (Tradução nossa).

detalhes114. Continuaremos, pois, a refletir sobre alguns de seus aspectos mais notáveis em sua relação com formas e obras artísticas que têm surgido a partir dessas novas tecnologias.

Não há como falar sobre arte e realidade virtual sem nos referirmos a uma das obras mais emblemáticas ao abordarmos essa relação. Osmose, de Charlotte Davis, constituiu uma instalação apresentada em 1995 em países da América do Norte e da Europa, sendo ainda lembrada como uma das mais inovadoras obras no que tange à aplicação de dispositivos de realidade virtual. Davis criou um cenário

onírico115 por onde o espectador passeava a partir do uso de um capacete com

óculos polarizados e coletes sensíveis à respiração. Tais dispositivos eram ainda acompanhados por uma grande tela onde se projetavam imagens abstratas tridimensionais. O formato da instalação permitia ao participante movimentar-se dentro dela, interagindo com o ambiente digitalmente construído. Além do cenário imagético, seções do ambiente ainda eram compostas por textos de Heidegger, Rilke e Bachelard, os quais faziam menção conceitual à própria obra, numa inter- relação entre tecnologia, arte e natureza.

Como afirma Paul, o nível de imersão conseguido por Davis fundamentalmente a partir de um software permanece ainda como uma entre as grandes referências artísticas de ambientes de realidade virtual que ainda recorrem às estruturas físicas para gerar efeitos imersivos (PAUL, 2004, p. 128). Paul ainda destaca o caráter ativo da obra de Davis ao dizer que o ponto de vista do “espectador” não é controlado pela lente da câmera ou pela encenação de um diretor, mas por ele próprio.

Há, pois, aí um mecanismo muito interessante que gera o efeito imersivo não apenas por meio do uso de imagens tridimensionais e de seu movimento. Davis vai além ao projetar o colete e vincular a respiração do usuário/participante ao percurso

114 Aos que desejarem “imergir” no estudo da realidade virtual em seus aspectos mais técnicos,

recomendamos, como uma primeira leitura, a obra “Fundamentos e tecnologia de realidade virtual e aumentada” (2006), de Claudio Kirner, Romero Tori e Robson Siscoutto, da qual extraímos alguns excertos.

115 Evidentemente que este não seria o meio mais adequado de apresentação, mas, somente a título

de complementação, algumas das imagens de Osmose podem ser acompanhadas no link do Youtube a seguir: <http://www.youtube.com/watch?v=0TdsoRpKRPc>. Acesso em: 25 nov. 2013.

da viagem. São as suas próprias ações físicas e mesmo a sua dinâmica respiratória que desenha a trajetória do viajante. Como nos lembra Edmond Couchot, ao analisar a obra de Davis, serão o ritmo e a intensidade da respiração do “espectador” que o levarão para o alto ou para baixo dentro do cenário onírico no qual navega. Disso resultaria que:

Le spectateur en prend une conscience nouvelle, car il ne respire plus seulement pour s’oxygéner, mais pour voyager, fonction tout à fait différente où l’automatisme inconscient cède la place à une action concertée. Il lui faut quelques instants pour reprendre ses esprits et se retrouver dans le monde réel116 (COUCHOT, 2003, p. 49).

Aqui chegamos a uma das questões centrais das obras compostas por ambientes de realidade virtual. Como nos apontara tanto Paul (2003) como Couchot (2003), a possibilidade de interação obra/espectador traz à arte digital um dos pontos fundamentais de diferenciação às artes pictóricas ou mesmo ao teatro

dramático tradicional. A comunicação homem-máquina que Norbert Wiener117, em

seus estudos sobre a cibernética, já preconizaria nos anos 50 – e que é ponto de partida fundamental no estudo da relação com as tecnologias de informação e comunicação das últimas décadas – reflete-se, sob formas mais sofisticadas e bem mais complexas quando tais tecnologias começam a constituir um fazer estético e, no limite, mesmo obras de arte.

Essas tecnologias, ao constituirem obras de arte, não deixam de guardar aquilo que as torna essencialmente não um objeto predefinido e hermético, mas uma relação entre homem, natureza e território. Esse traço se conservará na arte digital, na possibilidade que essa apresentará de não fazer mais da fruição uma operação meramente contemplativa, mas de torná-la uma experiência de interação. Interação essa que, evidentemente, não pode ser pasteurizada como algo necessário e

116 “O espectador adquire uma consciência nova, pois ele não respira mais apenas para se oxigenar,

mas para viajar, função bastante diferente na qual o automatismo inconsciente cede seu lugar a uma ação organizada. É necessário algum tempo para recuperar seus sentidos e se reencontrar no mundo real”. (Tradução nossa).

preconcebido nas obras de arte digitais, mas que aparece118 em diferentes naturezas e níveis de manifestação. Falaremos mais sobre essa experiência da obra de arte aberta e polissêmica em capítulos adiante.

Fato é que há outro aspecto interessante ao analisarmos as obras de arte digital, particularmente aquelas relacionadas à realidade virtual bem como as que surgem logo que as tecnologias de computação explodem na década de 90. Trata- se do contexto em que tais obras são concebidas. Tanto no caso de Davis, quanto

de outros artistas119, tais obras são concebidas não necessariamente por quem

conta com formação específica nas artes tradicionais, mas sim por técnicos de programação expertos em algoritmos e que se autonomeiam, como em muitos casos, como “artistas da computação” ou “artistas digitais”.

Essa é uma condição muito interessante. Vemos, pois, que muitos desses trabalhos nascem de experiências iniciais que, na sua origem, não necessariamente tinham intenções artísticas. Um dos exemplos disso é Myron Krueger, cientista da computação e um dos primeiros a desenvolverem softwares para a criação de ambientes de realidade virtual. Seu nome e suas obras tornar-se-iam emblemas do que viria a ser concebido, posteriormente, como “arte digital”. Krueger aventurava-se em testar e retestar dispositivos de geração de ambientes de RV em laboratórios de universidades do interior dos Estados Unidos.

Concebendo-se mesmo como um artista, Krueger defendia a noção da “arte

da interatividade”120, em contraposição às obras concebidas para serem interativas.

E deixará isso ainda mais claro em seus escritos da década de 70, logo após

conceber alguns dos trabalhos que o lançaram no mundo da arte digital121. Segundo

118 Diferentemente das belas artes ou das artes tradicionais – e aí destacamos a pintura, a escultura,

a gravura, a música erudita e mesmo o teatro dramático ocidental e de origens gregas –, nas quais as possibilidades de interação são nulas ou praticamente inexistentes.

119 O volume Art des nouveaux médias, elaborado por Mark Tribe e Reena Jana (2009) e publicado

pela Taschen, oferece uma interessante seleção de obras de arte digitais, com imagens de alta qualidade e textos bastante elucidativos sobre seus artistas e locais de exposição. Vale conferir a obra.

120 Nas palavras de Krueger, “Interactive art is potentially a richly composable medium quite distinct

from the concerns of sculpture, graphic art or music” (KRUEGER, 1977, p. 423).

121 Uma dessas obras é Videoplace, ambiente virtual concebido por Krueger já na década de 70 e que

Krueger, a interação homem-máquina deve ir além do ato de se sentar à frente de um dispositivo e acioná-lo por meio de um botão. E na busca por formas de interação que fossem além disso, o cientista/artista desenvolve o conceito de

“ambiente responsivo”122, um espaço no qual o usuário/participante interage com o

computador, que percebe as ações do primeiro e responde a elas a partir de complexos sinais visuais e sonoros (KRUEGER, 1977, p. 423).

Essa natureza de interação não é concebida, no entanto, como uma relação mecânica ou utilitarista: aqui, a tecnologia é vista por Krueger para além do recurso à resolução de problemas cotidianos. Na análise de suas reflexões, parece haver, pois, uma das primeiras tentativas de agenciamento das tecnologias digitais, uma forma de protagonismo que a aproximaria muito de nossa discussão neste trabalho. Suas análises perfazem uma importante tendência de abordagem da tecnologia sob um viés menos técnico e mais estético. As palavras do artista, a seguir, parecem evidenciar essa forma extremamente interessante de conceber a tecnologia nos tempos do algoritmo:

We are incredibly attuned to the idea that the sole purpose of our technology is to solve problems. It also creates concepts and philosophy. We must more fully explore these aspects of our inventions, because the next generation of technology will speak to us, understand us, and perceive our behavior. It will enter every home and office and intercede between us and much of the information and experience we receive. The design of such intimate technology is an aesthetic issue as much as an engineering one. We must recognize this if we are to understand and choose what we become as a result of what we have made123 (KRUEGER, 1977, p. 433).

dispositivos desenvolvidos para Videoplace serão grandes prenunciadores da tecnologia do “touch

screen”, que inundou particularmente o mercado de eletrônicos de uso pessoal nos últimos anos.

Mais detalhes sobre o funcionamento e imagens sobre a obra podem ser vistos no link a seguir: <http://www.youtube.com/watch?v=d4DUIeXSEpk>. Acesso em: 27 nov. 2013.

122 No original, “environment responsive”.

123 “Estamos incrivelmente alinhados à ideia de que o único propósito da nossa tecnologia é resolver

problemas. Ela também cria conceitos e filosofia. Devemos explorar mais detalhadamente esses aspectos de nossas invenções, porque a próxima geração da tecnologia irá falar conosco, entender- nos e perceber nosso comportamento. Ela entrará em cada casa e cada escritório e intercederá entre nós e muitas das informações e experiências que nós recebemos. O projeto de tal tecnologia ‘íntima’ é tanto uma questão estética como de engenharia. Devemos reconhecer isso se quisermos entender e escolher o que nós nos tornaremos como resultado daquilo que nós criamos.” (Tradução nossa).

Será de Krueger ainda o axioma “a resposta é o meio”124, o que, no limite, converge com a expressão mcluhaniana “o meio é a mensagem” na medida em que contribui para o questionamento dos modelos teóricos da comunicação unidimensional, hipodérmica, cujos processos são explicados a partir de uma forte categorização em instâncias muito bem definidas entre emissão, recepção e mensagem. Sem a pretensão direta de problematizar essa questão comunicacional, Krueger acaba mesmo assim dando força para o debate, rediscutindo, inclusive, a própria concepção de interatividade na relação entre espectador/participante e obra de arte. Como completa Noah Wardrip-Fruin, ao introduzir uma publicação mais recente do texto original do artista:

Krueger’s assertion that response is the medium may also bring to mind other writings about art and technology, particularly surrounding questions of interactivity and the form/content divide125 (WARDRIP-FUIN, MONFORT,

2003, p. 377).

Os questionamentos e novas concepções que terão expressão na obra de Krueger farão parte desse movimento de intensa experimentação de formas artísticas e de completa transformação nos antigos conceitos canônicos da tradicional história da arte. O exemplo de Krueger nos mostra ainda que a arte deixa o expert ou o especialista para inundar o mundo da vida e explodir os limites que antes, muito claramente, insistiram em separar popular e erudito. A incompreensão sobre a obra de Krueger render-lhe-ia uns bons anos de completo anonimato.