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CAPÍTULO II – Tecnologias e crise da cena frontal:

2.6 O teatro total da Bauhaus

No ensejo de nossa aventura de buscar traçar um percurso sobre a relação entre a arte e as novas tecnologias das primeiras décadas do século XX, parece-nos fundamental frequentar um pouco da produção artística, relacionada

especificamente ao teatro, que a Bauhaus70 inauguraria na história da arte moderna,

ecoando fortes influências sobre as gerações que a precederiam.

É importante lembrar que os primeiros anos do século XX, particularmente

suas duas primeiras décadas, serão testemunhas de uma explosão das invenções tecnológicas e, consequentemente, de sua influência sobre as mais distintas esferas da vida social. Trata-se de um momento de discussão entre arte e tecnologia, momento marcado por uma profunda influência da máquina no campo das experimentações que se distanciam cada vez mais de uma concepção erudita da arte, voltada fundamentalmente a uma postura mimética em relação à vida e à natureza.

Os próprios processos e formas artísticas serão reflexos macroscópicos dessas novas relações entre arte e tecnologia, o que, em certos casos, impulsionará mesmo perspectivas que deslocarão essa nova combinação do que seria

70 A Staatliches-Bauhaus foi criada em 1919 e financiada pela recém-instaurada República de

Weimar. Com o objetivo de reunir o estudo da arquitetura, pintura, escultura, fotografia, cinema e teatro, teve como primeiro diretor o arquiteto Walter Gropius, que afirmava ser necessária a criação de uma nova arquitetura e formas artísticas para expressar a nova época que se iniciava após o fim da I Guerra Mundial. Inicialmente sediada em Weimar, a Bauhaus seria transferida para Dessau (1925) e Berlim (1932), antes de ser fechada em 1933 devido às perseguições do regime nazista. Entre as principais correntes artísticas que darão corpo à formação da Bauhaus estão o dadaísmo, o surrealismo, o construtivismo russo, o neoplasticismo holândes e o próprio movimento alemão da

Neue Sachlichkeit (ver nota 57). A escola reuniu grandes artistas como Wassily Kandinsky, Paul Klee,

Oskar Schlemmer, Lászlo Moholy-Nagy, além dos arquitetos Walter Gropius e Ludwig Mies Van Der Rohe. Como nos lembra Lima (1999), o movimento Bauhaus também não deixaria de enfrentar intensas críticas que o apontariam como extremamente racionalista e funcionalista, como em obras de Jean Baudrillard, Tom Wolfe e Peter Blake.

identificado como caráter artístico. A Bauhaus emerge dessa efervescência de novas visões de mundo e de percepção da realidade que buscaram dar novos contornos à arte, tanto no que se refere às suas formas quanto ao que tange a seus processos na nova era industrial. Como complementa o arquiteto Maxwell Fry (2010), contemporâneo à fundação e ao momento áureo do que descreve como “escola de arte e artesanato industriais”: “Ninguém pode duvidar que esta proposta de casamento à indústria era o que a Europa precisava para unir as correntes divergentes e restaurar a arte numa função operante no corpo de toda a cultura europeia” (FRY, 2010, p. 150).

Em certa medida, a Bauhaus surge como um esforço de conciliação entre duas dimensões cada vez mais relacionadas: seria possível, pois, reunir arte a tecnologia, não como simples combinação, mas como síntese, totalidade de um novo olhar sobre o mundo?

A partir desse novo olhar, no qual a forma e o espaço serão os grandes pontos de partida, destaca-se a figura do arquiteto Walter Gropius, um dos grandes idealizadores dos rumos que a escola adotaria na década de 20. Vinculando o fundamento da arquitetura à problemática espacial, Gropius elege-a como solução de grande potencial para a resolução dos problemas da nova “Era da Máquina”. A Bauhaus viria, pois, nesse sentido de reaproximação do artista em relação a sua própria contemporaneidade.

Nossa ambição consistia em arrancar o artista criador de seu distanciamento do mundo e restabelecer sua relação com o mundo real do trabalho, assim como relaxar e humanizar, ao mesmo tempo, a atitude rígida, quase exclusivamente material, do homem de negócios. Nossa concepção sobre a unidade fundamental de toda criação no tocante ao mundo em si opunha-se diametralmente à ideia de l’art pour l’art e à filosofia ainda mais perigosa da qual se originava, isto é, a do negócio como uma finalidade em si (GROPIUS, 2011, p. 32).

Será nesse sentido que Gropius afirmará que, apesar de ter contemplado várias esferas da vida, com seus projetos de uma nova organização espacial, essa “nova arquitetura” até então havia pouco frequentado o mundo do teatro. Daí partia,

pois, a ideia de Gropius: a concepção de um edifício teatral que estivesse menos subordinado ao “interesse decorativo” do que propriamente a um projeto de “funcionalidade espacial”. E deixará isso bem claro ao comentar sobre a “moderna construção de teatro”, no projeto do teatro de Piscator em Berlim.

Segundo Gropius, apesar de algumas poucas tentativas de reforma do espaço teatral, procurando aproximar o espectador à cena, pouco se conseguiu na direção de um afastamento em relação ao palco em profundidade. Gropius faria uma breve retrospectiva apresentando as três formas fundamentais nas quais se desenrolariam os “fatos cênicos”.

A primeira refere-se ao formato da arena redonda, concêntrica, sobre a qual o movimento dos artistas se desenvolve a fim de que seja visível a partir de todos os lados que circundam a cena. Já o segundo formato se refere à semiarena, relativa ao anfiteatro dos gregos e romanos, com um “plano de ação em forma de semicírculo” amparado por um proscênio, sobre o qual se desenrola a cena. Por fim, Gropius chega ao palco em profundidade, o “teatro de câmara ótica”, do qual o teatro de sua época seria uma herança direta. Nesse teatro, a divisão entre palco e plateia seria ainda mais demarcada pela existência do pano e pelo fosso da orquestra, separado dos espectadores, “‘como mundo da ficção’ oposto ao mundo real’”, fazendo da cena “uma projeção plana sobre o plano do pano aberto” (GROPIUS in PISCATOR, 1968, p. 148).

Gropius seria enfático no sentido de reformar essa estrutura espacial responsável por separar fisicamente o espaço de cena do público espectador. Interessante é perceber como o arquiteto relaciona a ideia de participação ativa do espectador a sua disposição espacial no edifício teatral. A eliminação desses obstáculos permitiria ao espectador acessar a cena, configurando mesmo uma “renovação do teatro”.

Quando Erwin Piscator me transmitiu o plano do seu novo teatro, impôs, com a ousada naturalidade do seu fortíssimo temperamento, um bom número de exigências aparentemente utópicas, cujo objetivo consistia em criar um instrumento teatral variável, grande, evoluído sob o ponto de vista técnico, capaz de satisfazer às diferentes necessidades de diretores diversos, e de oferecer, no grau mais elevado, a possibilidade de permitir

que o espectador participasse ativamente dos fatos cênicos, tornando-se, assim, estes mais eficazes. Esse problema teatral por longo tempo ocupara a minha atenção e a de meus amigos na casa de construção71 (GROPIUS in PISCATOR, 1968, p. 149).

O projeto de “teatro total” de Gropius envolvia a disposição de um palco central auxiliado por dois palcos laterais cuja disposição abraçava as primeiras fileiras, de modo a mesclar o espaço de cena às cadeiras dos espectadores. Uma maquinaria complexa também se fazia presente dando conta da troca rápida de cenários. A incursão sobre a plateia também se dava por meio de corredores, que permitiam aos atores se apresentarem entre os espectadores.

Figuras 22 e 23: Projeto do Totalbühne, concebido em 1927 por Walter Gropius sob encomenda de Piscator. Fonte: Bauhaus-Archiv Berlin.

Grande parte de todo esse complexo era móvel, podendo girar em torno de seu eixo e mudar a disposição das cadeiras e dos espaços de cena. Gropius pensa toda essa armadura arquitetônica auxiliada pela iluminação, que, segundo ele,

71 Aqui “bauhaus” aparece, por razões de tradução, como “casa de construção” (de bau, do verbo

bauen = construir, e haus = casa), uma opção de Aldo Della Nina, tradutor da versão de “O teatro

político” para o português (edição de 1968 da Civilização Brasileira). Talvez fosse mais interessante ter mantido o original bauhaus, evitando certas confusões de compreensão em relação à passagem em questão.

constitui-se num recurso bastante interessante para a criação de novos espaços de representação. Seu projeto busca colorir o espaço da plateia com projeções de filmes, eliminando dali a neutralidade que sempre o caracterizou. Como sentencia

Gropius ao apresentar a obra “O Teatro da Bauhaus”72:

In my Total Theater... I have tried to create an instrument so flexible that a director can employ any one of the three stage forms by the use of simple, ingenious mechanisms. The expenditure for such an interchangeable stage mechanism would be fully compensated for by the diversity of purposes to which such a building would lend itself: for presentation of drama, opera, film, and dance; for choral, or instrumental music; for sports events or assemblies. Conventional plays could be just as easily accommodated as the most fantastic experimental creations of a stage director of the future73

(GROPIUS in MOHOLY-NAGY, MOLNÁR, SCHLEMMER, 1987, p. 12). O “teatro total” de Gropius constitui uma completa reelaboração do espaço convencional de cena a partir do uso de luz e projeções de filmes, combinando-se a uma coralidade de outros professores da Bauhaus: daí emergiriam László Moholy- Nagy, Farkas Molnár e Oskar Schlemmer.

A incursão do artista e professor húngaro Moholy-Nagy no mundo das artes ocorreu por meio da pintura abstrata, tendência que posteriormente se converteria num esforço de fusão das mais variadas áreas do design e das artes visuais: o professor da Bauhaus empreenderia uma série de experimentos aproximando arte e indústria e, para isso, reunindo fotografia, criação publicitária, cinema e teatro.

Segundo o próprio Moholy-Nagy, o teatro diferenciar-se-ia do relato, da simples storytelling, da moralização didática ou da linguagem propagandística a

72 A obra The Theater of the Bauhaus, editada por Gropius e Arthur Wensinger, apresenta uma

abordagem bastante completa sobre o trabalho dos principais artistas e professores desenvolvido durante os tempos áureos da escola. Nesse livro, é possível ter acesso a artigos escritos por alguns de seus ícones como Oskar Schlemmer, László Moholy-Nagy, Farkas Molnár, além do próprio texto introdutório de Gropius, um quase manifesto do totalbühne (“teatro total”) da Bauhaus.

73 “No meu Teatro Total... tentei criar um instrumento tão flexível que um diretor pudesse empregar

qualquer uma das três formas de palco por meio do uso de mecanismos simples e engenhosos. O ônus de tal mecanismo de palco intercambiável seria totalmente compensado pela diversidade de propósitos para os quais tal edifício se prestaria: para a apresentação de teatro, ópera, filmes, dança; para coral, ou música instrumental; para eventos esportivos ou assembleias. Peças convencionais poderiam facilmente ser acomodadas com as mais fantásticas criações experimentais de um diretor de palco do futuro.” (Tradução nossa).

partir de uma particular síntese de seus elementos de apresentação: “som, cor (luz), movimento, espaço, forma (objetos e pessoas)” (MOHOLY-NAGY, MOLNÁR, SCHLEMMER, 1987, p. 49). Por meio das inter-relações acentuadas – mas nem sempre controladas –, o teatro buscaria transmitir uma experiência de articulação

desses elementos74.

As experiências de Moholy-Nagy procurariam fugir à obrigação de uma narrativa verbal ou de um tom narrativo que o teatro alemão empreenderia com vigor, como vimos, principalmente a partir dos trabalhos de Erwin Piscator. O artista húngaro privilegiaria uma cena em que seus signos pareciam transbordar a seus próprios significados. Citando os futuristas e dadaístas, Moholy-Nagy alude à palavra como dimensão fonética, suplantando qualquer tentativa de hegemonia de seus significados literários, ou mesmo de suas concepções lógicas e intelectuais.

Como já citamos nos capítulos anteriores, em referência direta à condição que a obra de arte começa a assumir a partir da Modernidade (HARVEY, 2010), é possível observar a transfiguração de uma obra autoritária, unidimensional, calcada num significado unívoco, para um cenário em que suas raízes parecem menos importantes do que sua própria superfície: os signos ameaçam, pois, assumir a importância dos significados. A palavra é fragmentada ao nível de suas vogais e consoantes, reduzida e ampliada simultaneamentre aos seus próprios efeitos de sonoridade. Nessas circunstâncias, perderia espaço a literatura convencional, de significado lógico e predeterminado.

O ímpeto à sugestão e ao imprevisto, uma vez que agora os significados já não mais são previsíveis, esboçaria uma das formas teatrais que Moholy-Nagy atribui aos futuristas e dadaístas, o “Teatro de Surpresas”, inspirada na eliminação da “dimensão lógico-intelectual” dos aspectos literários de um espetáculo. No esforço de busca de novas formas teatrais, o artista ainda apontaria para a noção do

74 Moholy-Nagy afirma que, enquanto tais elementos apareciam no teatro épico como ilustração, sob

a égide da narração ou mesmo da propaganda – e, portanto, subordinadas a um texto –, as formas dramáticas contemporâneas tendem a se libertar de um tema central imbuído por uma dimensão lógica e moralizante, configurando trabalhos que se concentram sobre a própria ação. Parece ser evidente aqui a contraposição que Moholy-Nagy assinala entre texto e “ação”, a qual será identificada a uma interlocução entre os vários elementos de cena por ele descritos (som, cor, luz, movimento, espaço, forma).

que chama de “excêntrico mecanizado”, uma tradução de Die mechanische Exzentrik, que concentra a ação cênica em sua mais pura forma, denotando, pois, esse privilégio do significante como acabamos de pontuar.

Man, who no longer should be permitted to represent himself as a phenomenon of spirit and mind through his intellectual and spiritual capacities, no longer has any place in this concentration of action. For, no matter how cultured he may be, his organism permits him at best only a certain range of action, dependent entirely on his natural body mechanism75 (MOHOLY-NAGY, MOLNÁR, SCHLEMMER, 1987, p. 52-54).

A orquestração dos movimentos do corpo e a organização de sua forma em articulação aos demais elementos da cena (som, luz, cor), configuraria efeitos marcantes sobre o público espectador, o qual reconheceria, nos movimentos dos artistas em apresentação, as potencialidades de seu próprio corpo.

Os reflexos da revolução tecnológica nas primeiras décadas do século XX, bem como a explosão do uso da máquina nas mais variadas dimensões da vida social, parecem ecoar de maneira profunda sobre o trabalho da Bauhaus e, não diferentemente, do próprio Moholy-Nagy. Sem pretender assumir qualquer postura determinista, parece haver, pois, uma conexão muito estreita entre as estéticas florescidas na escola e os modus operandi industriais, suas formas de organização e impactos sobre o indivíduo da época.

75 “O homem, a quem não mais deve ser permitido representar a si mesmo como um fenômeno do

espírito e da mente por meio de suas capacidades intelectuais e espirituais, não tem mais qualquer lugar nessa concentração de ação. Pois, não importa o quão culto ele possa ser, seu organismo permite a ele, na melhor das hipóteses, apenas uma certa gama de ação, dependente inteiramente de seu mecanismo natural do corpo.” (Tradução nossa).

Figuras 24 e 25: Técnica da photoplastik, por meio da qual Moholy-Nagy procurava dar fluidez, plasticidade, à fotografia a partir de efeitos de colagem e recombinação de formas auxiliados por elementos da pintura. À esquerda, Sport Macht Appetit (1927), e à direita, Structure of the World (1927). Fonte: moholy-nagy.org

Isso se denotaria na obra de Moholy-Nagy como a busca por uma forma objetiva na apresentação da obra de arte. A forma humana, limitada no esforço de se reduzir a simples forma, não daria conta por completo dessa tarefa, comprometendo a organização precisa de movimento e forma e a própria síntese dos elementos da cena: nesse sentido, Moholy-Nagy sinaliza, então, para a necessidade de um “excêntrico mecanizado”, em superação às restrições de um “excêntrico humano”.

Tal ideia será um dos grandes alicerces de sua obra, que, nem por isso, deixará de ser vasta e constituída pelas mais diversas formas artísticas. Como artista multimídia, Moholy-Nagy alcançaria notoriedade não por algum trabalho ou técnica específica, mas por uma obra plural, tanto em sua forma, como nos significados que poderia suscitar. A condição de frequentador de várias linguagens artísticas faz de Moholy-Nagy mais um dos grandes ícones dos movimentos de

vanguarda76 e de participante da onda renovadora da Bauhaus.

76 Lászlo Moholy-Nagy foi fortemente influenciado pelo construtivismo russo e pelo movimento da

Essa fusão de várias formas artísticas ressoa a própria influência do conceito da gesamtkunstwerk wagneriana, que no século XX encontraria ainda mais amplitude graças aos avanços das tecnologias empregadas nas artes. O espírito de inovação de Moholy-Nagy lançava-o ao mundo da experimentação, visitado a partir do uso de diferentes materiais e técnicas em obras cinéticas, nas quais protagonizavam – em vez de atores – cores, formas e movimentos. Em seus experimentos teatrais, muitos deles realizados em parceria com Erwin Piscator, o artista húngaro abusava das formas retangulares e assimétricas, materializadas em madeira, metal e vidro – elementos de uma “estética industrial” –, e que procuravam atender aos anseios de um “teatro da totalidade” no qual a ideia de reformulação do espaço de cena imperava como égide fundamental.

Serão dessa época experimentos cinético-luminosos como seu Modulador Espaço-Luz, que pretendia analisar os conceitos de refração, reflexão e

transparência dos materiais a partir das ondas luminosas77. Além da escultura em si,

Moholy-Nagy realizou uma série de filmes a partir dos quais procurava reunir os efeitos produzidos pelas experiências a novos meios de transmiti-las a seus alunos.

Figura 26: Réplica do Modulador Espaço-Luz co struída pelo MIT. O aparelho participaria de experiências de Moholy-Nagy entre 1922 e 1930. Foto de VG Bild-Kunst. Fonte: stylepark.com

obra de Piscator, representou uma forma de resistência ao expressionismo e seu subjetivismo, tão presente na arte europeia da transição do século XIX para o século XX.

77 Com seu “Modulador Espaço-Luz”, Moholy-Nagy obtinha um jogo de luzes a partir de solarizações,

inversões e fotogramas que geravam sensações de novos espaços, embora esses não pudessem ser fisicamente ocupados.

O “teatro da totalidade” de Moholy-Nagy pretendia, assim, com sua variada complexidade na qual se inter-relacionavam espaço, luz, forma, movimento, som e a própria figura humana, configurar-se como um verdadeiro organismo. Da mesma maneira que o homem, dentro dessa pluritonal orquestração, somente seria ativo a partir da descoberta de suas funcionalidades capazes de se integrarem organicamente a esse todo. Daí o estudo rigoroso da Bauhaus sobre as potencialidades da forma humana e de sua relação com a mecânica dos movimentos, experiências atestadas pelo volumoso acervo fotográfico do Arquivo da

Bauhaus em Berlim78.

Os esforços da Bauhaus devem ser reconhecidos, muito mais do que em reconstruir as formas artísticas e suas técnicas e didáticas, mas no âmibito de um modo singular de perceber e conceber a relação entre arte e tecnologia. Talvez seja por essa dimensão que a percorremos, mesmo que modestamente, neste nosso estudo. A Bauhaus representou, após o deslumbramento com a máquina e com as

possibilidades de reprodutibilidade técnica da arte79 que os primeiros anos do século

XX exibiriam com efervescência, um dos primeiros esforços de conciliação entre essas duas dimensões, tão contrastantes até então.

Seria, pois, um esforço necessário, como Gropius bem afirma, não para mecanizar o mundo da vida ou torná-lo submisso ao universo da indústria, mas para

78 Fotos e trechos de filmes dos principais artistas da Bauhaus fazem parte do acervo do Bauhaus-

Archiv Museum für Gestaltung, um dos maiores conjuntos de obras da escola, abrigado hoje em

Berlim. Aos que desejarem consultá-lo, pode acessar <http://www.bauhaus.de>. Vale citar que parte do acervo esteve presente em São Paulo, em 2013, na mostra realizada pela parceria entre o SESC São Paulo e o Goethe Institut com curadoria de Anja Guttenberger, do próprio Bauhaus-Archiv de Berlim, e Christian Hiller, Philip Oswalt e Thomas Tode, do Stiftung Bauhaus, de Dessau (segunda cidade alemã e abrigar a escola). Vale conferir o catálogo da exposição: GUTTENBERGER, Anja.

Bauhaus. Foto. Filme. São Paulo: SESC SP: Goethe Institut, 2013.

79 Walter Benjamin, em seu célebre ensaio de 1936 “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade

técnica”, oferece-nos umas das mais originais análises sobre as condições da obra de arte e das