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3. As memórias de Padrinho Daniel sobre Mestre Irineu

3.2 As memórias de Padrinho Daniel

3.2.3 Analisando as entrevistas: memórias de Padrinho Daniel

3.2.3.1 Entrevista 29032008

3.2.3.1.2 REC002

Esta segunda “bateria” de gravação tem duração de 19:17. Nela, Padrinho Daniel fala que nasceu em Santa Teresa, município de São Vicente Férrer, “o mesmo lugar onde o Mestre nasceu”. Aqui, logo de início, há uma nova informação sobre a vida de Mestre Irineu, não verificada em nenhuma das fontes consultadas. Todas afirmam que ele teria nascido em São Vicente Férrer, porém, em nenhum momento se fala no povoado de Santa Teresa.

Daniel Serra morou com a avó, d. Joana Assunção Serra, a mãe de Raimundo Serra, até por volta de 10 anos de idade, quem muito dele lhe falou. Contou da noiva, Fernanda, que o Mestre deixou no local, a quem conheceu pessoalmente.

Em 1957, pela primeira vez após ter deixado o Maranhão, Mestre Irineu retornou para visitar seus parentes. Ficou hospedado na casa de um tio, irmão de sua mãe. Nesta oportunidade, Mestre Irineu queria levar alguns parentes para o Acre, pois ele não tinha ninguém perto de si. Foi aí que ele (Daniel) foi “sorteado” para ir com o tio.

Sobre a viagem, conta que embarcaram no porto, em São Luis, com destino a Belém, onde chegaram “no dia de São Sebastião”, e, depois, a Rio Branco. A viagem, “por água”, durou um mês: três dias de São Luis a Belém e 27 dias de Belém a Rio Branco. Durante a viagem, Mestre Irineu pouco falou de si. Padrinho Daniel “gostou muito dele, pois ele era muito educado e tratava a gente muito bem”, apesar dele não conhecer sobre “sua vida” e “comportamento”.

Chegando a Rio Branco, Padrinho Daniel “estranhou”, pois havia “muita gente” no porto, aguardando Mestre Irineu, inclusive “o pessoal do governador... e um bocado de soldado”. Havia, também, “um caminhão” para “levar as coisas dele

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O tempo de gravação dos arquivos de voz será indicado tal como aparecem na mídia, ou seja, mm:ss, onde mm corresponde aos minutos e ss corresponde aos segundos.

(do Mestre)” para o local de sua residência (ou seja, o Alto Santo), onde fica “a igreja, até hoje”, porém, que na época não chamavam de igreja, mas de “sede do trabalho”.

Chegando em casa, ao adentrarem a residência do Mestre, as muitas pessoas presentes cantaram o hino “Centenário”, para ele totalmente desconhecido. Foram dois dias de festa, alegria, fogos, animação. Eles chegaram numa sexta-feira. Teve festa de sexta para sábado e, de sábado para domingo. Neste dia teve trabalho de concentração. Foi esta a primeira vez que Padrinho Daniel participou de um trabalho do Daime, porém, não tomou a bebida, “pois ele (o Mestre) não me deu (o Daime)”. Ficou com vontade, mas não sabia o que era. Ele “ficou preocupado”, pois todos beberam, menos ele, pois o Mestre não lhe havia dado o Daime. De tão preocupado, quase não dormiu a noite. Cedo de manhã, ainda escuro, procurou o tio para lhe perguntar por que ele não havia recebido o Daime. Seu tio disse que ele não havia pedido!... e, com o tempo, ele experimentaria. Somente a partir daí é que Mestre Irineu começou a falar do Daime ao sobrinho (este era o ano de 1958). Então, na quarta-feira desta mesma semana, num trabalho, foi a primeira vez que o Mestre deu o Daime ao Padrinho Daniel.

Quando Mestre Irineu esteve no Maranhão, em 1957, ele “falou para algumas pessoas sobre o trabalho”, porém, não ao sobrinho, pois, ele teria sido considerado muito jovem para ter tal conhecimento.

Em Rio Branco, Padrinho Daniel logo começou a trabalhar. Ingressou na religião e, após aproximadamente um ano, auxiliava o tio no feitio da bebida (ou seja, lá pelo ano de 1959). Nesta época, haveria “pouca gente” que seguia a religião, “mais ou menos umas 30 pessoas”. Como não havia um lugar específico, os trabalhos eram feitos na própria casa do Mestre.

Depois de sua chegada o trabalho começou a crescer. Após um ano, construíram a primeira igreja. Pouco tempo depois, quando esta não comportava mais os adeptos, outra foi construída. Então, foi construída a “Tradição” (igreja atual), que tem “mais ou menos 25 metros por, parece, 12”, sem contar as demais dependências.

Antes de conhecer pessoalmente o Mestre Irineu, Padrinho Daniel pouco dele sabia. Os parentes pouco falavam a seu respeito; sequer se sabia onde ele estava. Porém, a mãe do Mestre Irineu “tinha muita coisa guardada dele (...). Ela gostava muito de rezar. (...) Só ela que falava dele”.

Mestre Irineu teria mandado “notícia” para seus parentes, porém, como ele teria sido registrado com o nome de “Raimundo Irineu de Matos” e suas correspondências eram remetidas como “Raimundo Irineu Serra”, o Correio as devolvia, nunca chegando as cartas enviadas.

Quando o Mestre esteve em São Vicente Férrer, ele não teria realizado nenhum “trabalho”. Na casa de seu tio, Paulo Serra, ele teria reunido algumas pessoas, oportunidade em que falou (sobre o Daime) e cantou hinos. Apenas ele e o sr. Paulo Serra teriam bebido, pois a quantidade trazida teria sido pouca.

Perguntado sobre a infância, adolescência e juventude do Mestre Irineu, Padrinho Daniel informou que as primeiras pessoas que lhe fizeram semelhante questionamento foram “uns estrangeiros”, ao saber que ele havia residido aproximadamente 15 anos na casa do Mestre e era tido como alguém de confiança por ele. Neste momento, no entanto, Padrinho Daniel preferiu não falar sobre este assunto.

Acerca do motivo da saída do Mestre Irineu do Maranhão, Padrinho Daniel também afirma a história vista em todas as fontes consultadas, de que ele estava noivo e queria se casar. Seu tio Paulo teria dito que era muito bom se casar, mas, antes, que ele andasse pelo mundo para conhecê-lo. Segundo testemunho único de Padrinho Daniel, teria ele feito a seguinte recomendação: “vai ganhar dinheiro”. Ou seja, a saída do Mestre Irineu do Maranhão deveu-se ao fato dele estar em busca de dinheiro – neste momento, com o objetivo de se casar. Esta é outra informação única e de grande importância, pois, considerando tal fato, pode-se compreender porque o Mestre aceitou tão facilmente o convite dos irmãos Costa para experimentar a bebida desconhecida – que, segundo acreditava-se, tinha poder para enriquecer seus consumidores.

Saindo de sua terra natal, Mestre Irineu foi para São Luis. Lá chegando, havia “um pessoal” alistado pessoas para trabalhar na Amazônia, “no tempo daquele negócio da borracha”. Pouco relatou, neste momento, sobre a viagem e os primeiros anos no Acre, em Sena Madureira e, depois, Brasiléia, onde se iniciou no daime. Esta iniciação teria acontecido a convite dos maranhenses Antonio e André Costa:

- Rapaz... tem um lugar que a gente vai lá e faz uns pedidos e toma uma bebida e depressinha enrica, ganha dinheiro.

Então, ao experimentar, teria descoberto o Santo Daime. Sua iniciação foi assistida por um mestre peruano, que “fez um teste” para ver quem podia “seguir naquela história. E só o Mestre passou”. Então, seguiu “no trabalho” com os irmãos Costa, que seriam seus parentes, que teriam morado “na Praia do Coqueiro, lá no Centro” [de São Luis], “lá pro lado da Ponta da Areia”. Depois de certo tempo, “recebeu uma comunicação que tinha uma senhora, uma santa de dentro do trabalho que queria falar com ele. Ele tinha prova de que é Nossa Senhora...”. Tudo ele aprendeu com ela, que teria ditado para ele. Foi ela quem ordenou uma dieta de oito dias, só se alimentando de macaxeira sem sal e sem ver ninguém. Se quebrasse a dieta “ele morreria”. Após três dias, “começou a adivinhar”. Nesses dias, seu alimento era preparado por “um rapaz”, Zé Gomes, que, em determinado dia, teria pego sal para colocar na macaxeira, mas se arrependeu. Mestre Irineu teria visto tudo, “lá da mata”, onde ele estava. Terminada a dieta, seguiu “com o trabalho”, sempre recebendo instruções da senhora que lhe aparecia. Tempos depois, em solo peruano, recebeu o primeiro hino, chamado “Lua branca” (tanto a letra, quanto a música).

Padrinho Daniel também narra um diálogo entre a Rainha, que apareceu em uma noite de lua, e Mestre Irineu. Depois de lhe dar instruções, teria dito:

- Olha, você vai ser muito feliz se você aceitar. Você aceita? - Aceito.

- Mas você nunca vai ser rico. Mas, também, nunca vai te faltar nada. Você quer assim?

- Quero!

Por este testemunho, vê-se que o desejo de ficar rico do Mestre Irineu não seria concretizado. Foi opção sua o caminho do ensino e da sabedoria. A partir daí, o trabalho foi se desenvolvendo.

No documento UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO (páginas 62-65)

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