• Nenhum resultado encontrado

A RECEPÇÃO CRÍTICA INICIAL

Já nas primeiras notas críticas sobre sua poesia, publicadas em jornal, em 1922, escreveram:

[...] Os seus versos, alguns cheios de encantadora simplicidade, iluminam-se de um suave panteísmo, que é como um prolongamento dessa divina surpresa , que nos fere, e impele o artista a enamorar-se, no primeiro instante de vida emocional, da natureza, do firmamento, do espaço, da luz, que o abençoa. [...] 70

É importante destacar que a referida divina surpresa , realçada pelo autor supracitado, diz respeito à temática escolhida pela poeta mineira, que, segundo ele, é uma exceção entre os cultores do sexo frágil , porque [...] a maioria se destaca, por sua negação completa para o verso 71. E complementa:

Por isso se justifica o prazer que nos domina quando lemos versos bons de poetisas estreantes. [...] É essa divina surpresa que, a todo o momento, transparece na arte de Henriqueta Lisboa e protege o seu espírito da vulgaridade dos temas, em que naufraga a mediocridade. 72 É muito provável que o desconhecido autor esteja se referindo a alguns sonetos que integrariam mais tarde o livro Fogo fátuo, aparentemente renegado pela escritora, de 1925, a rigor sua primeira obra publicada. Sobre seu teor, Henriqueta Lisboa costumava dizer repetidamente em entrevistas que ele não passara de um momento de concentrado exercício técnico, de uma boa ginástica de alexandrinos e decassílabos , que lhe aprimoraram, no entanto, o manejo do verso livre 73.

Porém, em vista de ser a sua obra de estreia, a jovem poeta mineira recebe as palavras de Augusto de Lima (1859-1934) como uma verdadeira consagração. Com bastante entusiasmo, o respeitado poeta e magistrado mineiro, membro da Academia

70 O autor da nota identifica-se somente pela inicial M. Não há referência da fonte, apenas a data: julho de . O recorte está na pasta designada como Recortes de jornais e revistas , Série Produção Intelectual de Terceiros, no AEM/UFMG. Optamos por atualizar a ortografia do artigo, e assim o faremos nas próximas citações.

71 Id., ibid. 72 Id., ibid.

73 Cf. Pasta Entrevistas, no AEM/UFMG. Entrevista concedida a Milton Pedrosa, publicada em Vamos ler! Rio de Janeiro, 11 set. 1941, p. 18-19 (AU/BHL).

Brasileira de Letras, é quem assina o prefácio de Fogo fátuo, apresentando em livro a poeta que até então publicara esparsamente em jornais locais.

Prestigiada, Henriqueta reconhece o peso que tais palavras suportam e, mesmo que venha a renegar mais tarde tal composição, não esquecerá que foi a partir dessa apreciação que se sentiu despertada para o que chamou de responsabilidade artística 74.

Augusto de Lima, ainda que inicie o seu discurso dizendo que nunca o preocupou, quanto à apreciação de determinada obra de arte, a temática ou o seu pertencimento a uma determinada escola, julgando-as como meros nomes de guerra , faz uma defesa explícita daquilo que chama de verso certo , burilado, submetido às regras da metrificação, e aplaude a iniciante pela escolha dos temas:

[...] está legitimamente justificada a forma esculturalmente parnasiana destes versos cuja musa se inspira nos grandes problemas da alma e do destino humano. Muito jovem embora, a poetisa Henriqueta Lisboa prefere, o que é raro no seu sexo e na sua idade, aos assuntos ligeiros, aos bibelots literários, os grandes assuntos do pensamento e as altas regiões do sentimento. 75

O crítico realça ainda a escolha temática, chamando Henriqueta Lisboa de artista e pensadora 76, tendo em vista os aspectos majestosos 77, as concepções

profundas 78 que seus versos encerram. Segundo o autor, que argumenta em favor da

rima,

a hostilidade movida contra as rimas só pode partir dos que são incapazes ou não se querem dar o trabalho de produzir uma obra engenhosa de arte bem acabada. Se a palavra que rima é elemento substancial e anatômico do organismo da estrofe, porque combater a rima, que é um remate musical do verso? 79

Lendo, no entanto, hoje, o texto de Augusto de Lima, percebemos que ele é um discurso datado e que, talvez, e também por isso, a Autora tenha preterido Fogo fátuo

74 Cf. Pasta Entrevistas, no AEM/UFMG. Entrevista concedida a Milton Pedrosa, publicada em Vamos ler! Rio de Janeiro, 11 set. 1941, p. 18-19 (AU/BHL).

75 LIMA, Augusto de. Prefácio. In: LISBOA, Henriqueta. Fogo fátuo. Rio de Janeiro: [S.ed.], 1925, p. 7. 76 Id., ibid.

77 Id., ibid. 78 Id., ibid. 79 Id., ibid., p. 8.

como sua obra inaugural, solicitando, inclusive, que o livro fosse excluído de referências bibliográficas 80.

A defesa ferrenha do verso metrificado e da rima, dos ideais do Parnaso, como uma característica da sua poesia, não lhe satisfaria quanto aos critérios que ela própria viria a estabelecer para sua arte, especialmente depois de conhecer pessoalmente Mário de Andrade, no final dos anos 30.

Entre os critérios adotados pela poeta mineira está um dos postulados modernistas; ela se diz partidária do direito permanente à pesquisa estética 81.

Sustenta tal premissa reiteradamente nas muitas entrevistas que concede durante sua trajetória. Fiel aos postulados que preconizam a liberdade na concepção artística, dificilmente ela aceitaria o título de sucessora de Francisca Júlia no principado do Parnaso feminino , ainda que em contraste.

Diz Augusto de Lima no referido prefácio:

Há talvez uma razão psicológica para que a poetisa tenha escolhido a forma austera dos sonetos em alexandrinos, na maior parte do seu livro, provavelmente o seu sentimento religioso, aliado a uma robusta cultura de disciplina católica. Estilo e forma de catedrais... em contraste com os mármores pagãos de Francisca Júlia, a quem sucede no principado do Parnaso feminino. 82

Perguntada sobre a tese dos chamados concretistas , que defendia uma reforma de base da estrutura poética moderna, em entrevista datada de 1960, Henriqueta responde, recorrendo aos versos de outro poeta: [...] reconheço a todo o artista o direito à pesquisa estética. E respondo mais adequadamente à pergunta com a evocação destes versos de Ferreira Gullar: Caminhos não há./Mas os pés na grama/os inventarão 83.

80 Um exemplo que ilustra tal imposição está na cópia da carta enviada ao estudioso da sua obra, e amigo, Pe. Lauro Palú, 11 nov. : [...] É melhor não fazer referência a Fogo fátuo, de há muito excluído da lista bibliográfica . Na mesma carta Henriqueta ainda solicita: É favor corrigir a data de nascimento que já é bastante antiga: . Na obra usada como fonte, por Palú, está 1903. Cf. Pasta Correspondência Pessoal. (LISBOA, Henriqueta. L.6.1), no AEM/UFMG. Esta série corresponde a cópias de diversas cartas enviadas pela escritora.

81Cf. Diálogo com Celina Ferreira , [S.d.], na pasta Entrevistas, no AEM/UFMG.

82 LIMA, Augusto de. Prefácio. In: LISBOA, Henriqueta. Fogo fátuo. Rio de Janeiro: [S.ed.], 1925, p. 8. 83Cf. Artigo de Laís Corrêa de Araújo, em de julho de , Conversa com o escritor , na pasta Produção Intelectual de Terceiros/ Recortes de jornais e revistas sobre a autora, no AEM/UFMG.