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CAPÍTULO 2 – MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

2.1. Recorte histórico

Cebola (2010, p. 444) relembra que é historicamente recorrente a utilização da mediação como resolução de disputas nas diversas culturas como nas aldeias Hindu da Índia como também nas sociedades africana, islâmica e chinesa. De acordo com a autora, não é pretensioso afirmar que a história da mediação é tão antiga quanto a existência de conflitos na humanidade; estes por sua vez, são inerentes às relações humanas.

Na mesma direção Schneebalg (2002, p. 34) refere que a mediação é tão antiga como os conflitos entre duas pessoas ou grupos de indivíduos, e no sentido contemporâneo da expressão, aparece há séculos na China e Japão como meio principal de resolução de litígios e não como alternativa aos tribunais. Nesses países, somente

90 Portugal adotou o modelo da mediação facilitadora nos sistemas públicos de mediação e JPs, por isso

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com o esgotamento dessa fase mediadora as partes podem ser encaminhadas para instrução e julgamento.

Gisele Leite (2018, p. 4) completa ao dizer que no Japão o método é legalmente regulado desde 1947 prevendo a figura de um terceiro neutro ou comissão formada pelo magistrado e conciliadores para atuar nos conflitos de direito de família. Já no Ocidente a autora diz que a mediação ressurgiu no final do século XX com origem em dois movimentos simultâneos ocorridos no Reino Unido e nos EUA os quais foram disseminados posteriormente para o Canadá e França.

Sousa (2002, p. 30) afirma que a institucionalização da mediação como processo de resolução formal de conflitos teve início nos EUA por volta de 1970 e na Europa na década seguinte e tem sido uma das pedras da fundação do movimento de utilização de métodos de ADR. Para o autor além da institucionalização prematura, os EUA também inovaram com a mediação de conflitos ao estabelecer sua ligação ao próprio tribunal em muitos casos.

Para Sousa (2002, p. 15) a Conferência Pound de 1976 em Chicago91 assume papel destacado, uma vez que neste evento Frank Sander, professor da Universidade de Harvard, propôs a ideia de um tribunal com múltiplas portas que consistia na oferta de mais de um serviço de resolução de conflitos no edifício do tribunal. Tal proposta serviu de modelo para vários projetos-piloto de ADR e a partir disso quase todos os tribunais dos EUA adotaram a mediação dentre outros métodos92.

Nos países de expressão anglófona como os EUA existem centros de mediação comunitária local onde pessoas da própria comunidade atuam como voluntários após serem devidamente treinadas com técnicas de mediação. Segundo o autor, a National Association for Community Mediation (NAFCM), além de definir o que é mediação, lista as características das mediações nesses locais: uso de voluntários treinados e da própria comunidade; apoio financeiro de entidade pública ou organizações não governamentais (ONGs); utilização de mediadores que representem a diversidade da comunidade onde se inserem; acesso a todos os cidadãos; oferta independente da capacidade de pagamento do serviço; empenho na divulgação da importância e eficácia

91 O nome é atribuído em função de Roscoe Pound que em 1906 publicou um artigo sobre “As causas da

insatisfação popular com a administração da Justiça” e que serviu de inspiração ao encontro de juristas que estavam preocupados com o Sistema Judiciário americano (Frank Sander e Mariana Hernandez Crespo, 2008, p. 669).

92 Muitos outros países seguiram o exemplo. Em Portugal os primeiros passos foram dados com os JPs

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das relações colaborativas na comunidade; encorajamento à participação de todos; intervenção nos momentos iniciais dos conflitos; oferta de alternativa ao sistema judicial em qualquer momento da evolução do conflito.

Mas Huggins (2002, p. 38-39) relembra que nos EUA a mediação tem uma longa história de aplicação nas relações de trabalho que teve início com a promulgação da Arbitration Act de 188893. Posteriormente foram promulgadas outras leis que marcavam o avanço da mediação no país, sendo que após a Segunda Guerra Mundial a mediação nos contratos coletivos de trabalho tornou-se comum sendo utilizada até hoje por várias razões: manter uma boa comunicação interna, evitar litígios demorados e dispendiosos nos tribunais e melhorar a satisfação dos trabalhadores. Mas ressalta Huggins que apesar dessa tradição nos conflitos de trabalho a mediação somente foi integrada nos tribunais na década de 1970 como consequência do movimento reformista.

No direito de família, Huggins (2002, p. 39-40) conta que a mediação primeiramente foi adotada por entidades privadas sendo logo incluída pelo Sistema Judiciário por meio de leis e estatutos estaduais que muitas vezes exigiam a obrigatoriedade da mediação antes da submissão a julgamento. Leite (2018, p. 9) revela que a expressão mediação familiar é atribuída a D. J. Coogler, advogado de Atlanta que inaugurou escritório para a prática privada deste método e publicou a teoria da experiência em 1978 sob o título Structure Mediation in Divorce Settlement. O projeto obteve grande êxito e já no ano de 1982 contava com a presença de mediadores em 44 estados do país.

Quanto às causas cíveis e comerciais Huggins (2002, p. 40-41) assegura a existência nos EUA de longa tradição na utilização dos meios extrajudiciais na resolução de litígios pelas empresas. O autor cita inclusive que a Câmara do Comércio de Nova Iorque já no ano de 1768 estabeleceu a arbitragem comercial como regra a ser utilizada, tendo sido prontamente aceita pelas empresas em razão das vantagens apresentadas dentre as quais destaca os baixos custos e a celeridade frente às demandas judiciais.

Huggins (2002, p. 42-43) revela ainda que o surgimento de direitos ligados à responsabilidade civil, proteção do consumidor, danos ambientais, discriminação de

93 Esta lei consignava a arbitragem e a mediação das disputas de trabalho dos trabalhadores dos caminhos

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funcionários bem como a publicidade negativa, representaram um aumento de custos processuais para empresas que viram nos meios de ADR uma boa solução para os litígios, principalmente pela característica da confidencialidade que revestem.

Nos tribunais, Leite (2018, p. 7) afirma que foi no final dos anos 1960 e 1970 que se firmaram os movimentos para direitos dos cidadãos e dos consumidores que culminaram num aumento de demanda processual. Frente à complexidade, altos custos94 e demora na solução dos processos as pessoas demonstravam insatisfação com o modelo tradicional proposto, o que levou à realização da Conferência Roscoe E. Pound de 1976 e o já referido projeto de multi-door courthouse do professor Frank Sander. A partir de então, gradualmente os tribunais foram incorporando regras de processos judiciais que incluíam a mediação prévia e dessa forma expandiram a utilização dos meios de ADR. Posteriormente, o uso generalizado do método pelos tribunais federais levou à inclusão das regras no processo federal.

Como incentivo à utilização da mediação, Huggins (2002, p. 42-43) destaca a Regra Federal 408 que tornou inadmissível como prova em processo judicial o uso de quaisquer comunicações feitas durante a mediação, inclusive a oferta de indenização, as promessas, as afirmações ou mesmo confirmações dadas por qualquer das partes durante o procedimento.

Leite (2018, p. 9) afirma que o modelo norte-americano de mediação disseminou-se para Austrália e Nova Zelândia e chegou ao Canadá em 1980 onde desenvolveu características próprias pela influência da cultura francesa do local95. Huggins (2002, p. 42-43) acrescenta ao dizer que no Canadá a mediação foi inicialmente ofertada de forma gratuita e voluntária pelo setor público onde era praticada de forma global e fechada, isto é, não havia acesso dos magistrados e advogados ao conteúdo das sessões. Em 1984 com a criação do primeiro serviço de mediação familiar de Montreal, a prática privada passa a ser exercida como função especializada por profissionais liberais dentre advogados, terapeutas e assistentes

94 Leite (2018, p. 7) afirma que a adesão das pessoas deu-se rapidamente pelo baixo custo em comparação

ao Judiciário, mas que era ainda vista como justiça de segunda classe pela maioria o que só começou a mudar a partir da década de 70 com o aperfeiçoamento desse tipo de acesso e desenvolvimento em outros campos além do consumo, nomeadamente no divórcio, onde encontrou campo fértil.

95 Tartuce (2017, p. 38) revela que em Quebec foi instituído um serviço obrigatório de pré-mediação na

apreciação de conflitos familiares onde os interessados assistem a uma palestra informativa sobre o procedimento e a técnica processual, podendo a partir disso optar em adotá-lo com total liberdade de escolha.

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sociais. Em 1997 a promulgação de uma lei específica aprimorou a mediação prevendo sessões gratuitas aos envolvidos no conflito familiar.