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Redes e circuitos como delimitadores de alteridades

4.3.   A Capoeira Brasileira Fora do Brasil? Paradoxo na

4.3.2.   Redes e circuitos como delimitadores de alteridades

Se a questão de nacionalidade esta sendo superada como forma de diferenciação e negociação dos espaços de subjetivação possibilita- dos pela capoeiragem na Alemanha, o que então esta sendo utilizado como delimitadores entre “nós” e “eles”? As tensões nas relações obser- vadas, como no caso do “alemão” acima, no contexto da capoeiragem podem apresentar algumas pistas. As novas conexões feitas pelo fluxo da capoeiragem na Alemanha criam circuitos que oportunizam relações de diferentes experiências socioculturais que frequentemente entram em conflito.

As redes ou circuitos que a prática capoeira articula, vem ga- nhando cada vez mais importância como os grandes delimitadores das alteridades nas ultimas décadas. As diferenciações pelas redes aos quais estão conectadas determinam as condições de possibilidade e expectati- vas compartilhadas por cada circuito. No entanto, por representarem arranjos bastante dinâmicos, com a maior parte de suas relações instá- veis, proporcionam formas de pertencimento mais fluidas e temporárias. A desnaturalização de símbolos de identificação e diferenciação, como a ideia da nação ou nacionalidade, geram novas e transitórias possibilida- des de arranjos no processo de subjetivação.

Os circuitos de capoeira trazem a ideia de nacionalidade como algo construído na e por uma necessidade de alteridade, navegando a principio entre discursos “latino americanos” e “africanos”, e utilizando- se destes discursos para ir ganhando espaço. Os corpos negros, exotiza- dos e consumidos por um viés artístico serviam como ponte de acesso à capoeiragem na globalização cultural implementada nas décadas de 1960 e 1970. Com a conquista de um mercado a parte, a capoeiragem passa a desenhar circuitos próprios, modelo iniciado pelos festivais e eventos durante o verão, época em que as pessoas procuram viajar em férias procurando por atividades culturais e esportivas em espaços aber- tos.

O modelo de um circuito de eventos criado na década de 1970 que conectavam os poucos mestres de capoeira e seus alunos, na década de 1990 se replica de maneira substancial. Formam-se e estabelecem-se então vários circuitos de festivais e eventos que estipulam diferencia- ções e coalizões entre os professores, mestres e seus alunos. Estes criam suas redes de contato, afinidade e reciprocidade com outros professores e mestres, organizando circuitos de eventos que cada vez mais tendem a competir entre si. Todavia, como dito anteriormente, estes circuitos não

são estáticos, muito pelo contrario, estão sujeitos à todo tipo de rearran- jo.

A diversidade de densidades, formatos e alcance das conexões estabelecidas pelas redes sociais que a capoeiragem proporciona entrela- çam redes familiares, de trabalho e afetivas onde cada agente estabelece suas conexões de maneira peculiar. Não obstante, a tramitação de tama- nha gama de elementos dos mais diversos aliado a sobreposição de redes de trabalho, familiares e afetivas geram conflitos frequentes. São tensões causadas por expectativas de conduta contraditórias, no contraste de valores como honestidade, lealdade, afeição, confiança e ciúmes.

Eu acredito ser este um importante desafio. Um verdadeiro ritu- al de iniciação que põe em evidência a habilidade de coexistência peran- te as diferenças. Isto definirá a permanência ou não assim como a posi- ção inicial que cada sujeito assumirá no grupo em suas relações internas e externas assim como o seu posicionamentos nas redes de relaciona- mento do seu grupo com outros grupos. A predisposição de estabeleci- mento de umas relação mais profunda para além dos treinos de capoeira é um ponto delimitador crucial na minha pesquisa. Aqueles que prati- cam capoeira mas não estão interessados em estabelecer uma rede social ou fazer da prática da capoeira alguma coisa transformadora nas suas vidas, não criam, no meu ponto de vista, sentimentos de pertencimento, que são importantes para a base de minha pesquisa.

Nos próximos capítulos faremos um maior aprofundamento das análises do material etnográfico posto percorrendo os caminhos que a capoeiragem vem trilhando, suas redes e fluxos transnacionais e os luga- res de subjetivação e corporificação negociados.

5. CAPITULO IV - CAPOEIRA RODA O MUNDO - CORPO E SU- JEITO ENTRE FLUXOS TRANSNACIONAIS

Pretendo neste capitulo abordar, de maneira mais sistemática e analítica, os pontos e temas levantados na pesquisa de campo apresenta- da nos capítulos anteriores. Para nortear esse início, fazem-se as seguin- tes perguntas:

1) Como se estabelecem as diferenciações e construções de al- teridades com o deslocamento da prática da capoeira para a Alemanha?

2) Existem transformações que vão sendo feitas?

3) Como os sujeitos capoeiristas vêm percebendo tais movi- mentos?

4) Que elementos vêm sendo manipulados para tais constru- ções?

Entre os aspectos coletados nas etnografias, podemos citar as reconstruções de alteridades como central nessa pesquisa sobre capoei- ragem na Alemanha. O estabelecimento e deslocamento das fronteiras entre um nós e os outros negocia como e o que está dentro e fora de cada processo.

Para analisar essas reconstruções, usemos algumas ferramentas conceituais: 1) o modelos hegemônicos de corporalidade e suas técnicas; 2) Elementos (códigos e símbolos articulados, as redes e circuitos) e 3) as fases da capoeiragem na Alemanha e 4) modos de subjetivação he- gemônicos e suas linhas de fuga. Cada uma dessas ferramentas será utilizada na divisão dos subtítulos abaixo para melhor fulcro da pesqui- sa.

O corpo, entendido como locus de percepção da cultura e das estruturas sociais, é determinante quando se analisa o universo que en- volve as práticas socioculturais. Logo, do corpo negro africano ao corpo branco europeu, muitas narrativas os percorrem. A capoeiragem teria a abordagem do corpo e corporalidade como fundamentais. No entanto, o corpo-sujeito precisaria vir acompanhado de “uma reflexão sobre a no- ção de Pessoa e suas formas culturais específicas” (MALUF, 2002, p. 98). O desafio assumido neste capitulo será o de tomar o corpo como o centro das observações, um agente que produz e ao mesmo tempo é interpelado por sentidos de onde surgem novas experiências sociais.

Já os elementos em jogo e a maneira como vão sendo articula- dos, manipulados e corporificados em busca de espaços melhores de diferenciação e subjetivação mostram os conflitos e tensões na absorção,

manutenção, invenção ou ressignificação de si, de suas práticas e de mundo. Entre algum selecionados para análise nesse sentido estão as tatuagens, vestimenta, apelidos, idiomas, cidade, temporadas e o cibe- respaço.

As fases da capoeira e as experiências pessoais e coletivas dos pioneiros na prática da capoeira na Alemanha, em seus processos de negociação cultural com os lugares onde se inserem, vão delineando novos caminhos de subjetivação possíveis. Criando processos de rein- venção de si que se transformam em modelos que vão sendo repetidos ou copiados, ganhando espessura, alargando seus limites e se transfor- mando em modelos hegemônicos em um dado momento histórico. Chamaremos tais processos de modos de subjetivação, ou seja, modelos mais ou menos estáveis de construção de um discurso sobre si. Ao mesmo tempo, com a prática da capoeira em novos contextos, o univer- so da capoeira vai sendo alargado para além do território brasileiro, tencionando assim suas estruturas, transformando-o em um campo transnacional de fluxos tanto de pessoas, quanto de códigos e símbolos. Neste sentido simbólico é que defendemos o caráter transnacional da capoeiragem, pois, mesmo o trabalho se tratando de sua migração ape- nas para a Alemanha, o mesmo refletem consequências de transnaciona- lidade simbólica para este universo.

Já traçados os caminhos que aqui analisaremos visamos agora apontar algumas análises possíveis através de um movimento de apro- ximação e afastamento mostrando as articulações dos fenômenos obser- vados com aspectos mais amplos.