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Técnicas e Disciplina: características nativas de

5.1.   Corporalidade, técnica e códigos 158

5.1.2.   Técnicas e Disciplina: características nativas de

Um desdobramento importante para a pluralização da corpora- lidade acima descrita diz respeito às técnicas corporais que são adapta- das ou desenvolvidas e o processo de educação corporal utilizados. Sem dúvida as técnicas e seus modus operandi são um diferenciador que refletem a negociação tensa que se estabelece e vem se desenvolvendo com o deslocamento da prática da capoeira para Alemanha. Um paralelo pode ser então estabelecido entre as diferentes expectativas geradas pelos não brasileiros e as adaptações e traduções das metodologias de ensino por lá praticadas.

A vontade de estabelecer conexões mais amplas com o mundo, de ampliar seus horizontes e com isso se diferenciar ou simplesmente de encontrar um lugar onde possam se expressar e perder a timidez são algumas das expectativas criadas para a capoeira na Alemanha. São demandas a serem resolvidas através das estratégias de adaptação de cada mestre ou professor que na Alemanha se estabelecem. Este se constitui mais um ponto de fricção ou tensão que se estabelece.

No material de campo apresentado pudemos identificar vários tipos de conflitos que vão surgindo. O conflito entre gerações estabele- cido entre Mestre Martinho Fiuza e seu discípulo Vaqueiro que entram em choque por possuírem diferentes demandas de modelação e compo-

sição corporal. As constantes divergências de expectativas de atitudes emocionais e de comportamento travada entre relacionamentos afetivos constituídos através das redes sociais estabelecidas pela prática da capo- eira podem ser outro bom exemplo dos conflitos que tem o corpo como centro destas tensões. São expectativas lançadas aos corpos que, em constante movimento, vai se esquivando de tais conformidades se cons- tituindo nos espaços de fronteira.

Além das demandas e expectativas trazidas pelos alunos e seus conflitos gerados com a educação corporal apreendida pelos mestres e professores brasileiros, a questão do local, frequência e contexto em que ocorrem as práticas acabam também por serem determinantes no desen- volver das técnicas corporais e suas metodologias de ensino. Tomarei aqui três exemplos de técnicas corporais desenvolvidas na Alemanha e como elas se estabelecem em situações de treino e durante as rodas e eventos e capoeira.

Contextos escolhidos por apresentarem diferenças significativas de frequência, alcance e densidades, sendo portanto atravessados por necessidades bastante distintas. As aulas possuem uma frequência bas- tante maior de pessoas que trabalham, residem ou estudam nas proximi- dades do lugar de ensino ao passo que os eventos possuem uma periodi- cidade normalmente estipuladas uma vez sazonalmente contando com uma quantidade bem maior de pessoas vindas de outros grupos e de lugares mais distantes.

A estratégia de estipular técnicas de preparação do corpo com o argumento de se estar modelando corpos aptos a executar os mesmos gestos praticados por aqueles que consideram como seus ancestrais podem ser percebidos nos exemplos dos mestres Rogério, Maria do Pandeiro e Pé de Chumbo. Um discurso que produz uma eficácia simbó- lica através da sensação de fazer de si um corpo ancestral, criando uma gratificação pela mimetização de um outro corpo possuidor de um status quo de prestígio. A educação do corpo se dá nestes casos através do compartilhamentos de códigos rituais rígidos tendo a figura do mestre como a fonte do conhecimento e do poder.

Para que possam executar os mesmos gestos corporais de um outro corpo, é necessário que se faça um sacrifício contra a individuali- dade dos corpos/sujeitos para que se corporifiquem o máximo semelhan- te possível à um outro corpo. Uma estratégia de negociação que garan- tem aos seus seguidores a possibilidade de suspensão temporal e espaci- al que só se torna legitima pela figura centralizada do Mestre. Uma rela- ção com o local bastante tensa que requer estratégias menos frequentes de convivência e relacionamento.

Mestre Rogério estabeleceu um circuito de aulas e workshops sendo elas feitas uma vez por mês em cada lugar onde seu grupo desen- volve um trabalho. Ficando o encargo da manutenção das práticas, coe- são e integração cotidiana mais frequente para seus alunos mais avança- dos. Por sua vez ao mestre é estabelecida a função de fiscalizar e auten- ticar através de suas rondas periódicas o melhoramento ou manutenção das boas práticas ancestrais.

Mestre Pé de Chumbo estabeleceu residência em Munique por onde passou por volta de um ano (entre 2012 e 2013) retornando ao Brasil em 2014, mas mantendo seu grupo de alunos em Munique onde deverá fazer visitas semestrais ou anuais. Interessante aqui de se ponde- rar como a questão da ancestralidade e autenticidade assumidas pelo Mestre Pé de Chumbo geram um estado de gratificação suficiente para manter seus contatos na Alemanha, realizando temporadas sazonais de cursos e workshops em Munique.

No que se refere a preparação dos corpos através dos treinos e rodas na Alemanha, a questão da mimese dos corpos. São esculturas esculpidas em um modelo de corpo maleável e leve, que no palco da roda de capoeira encenam gestos e situações de jogo provavelmente por muitas vezes treinadas. Em um momento da roda que presenciei, dois dos alunos mais experientes travaram um jogo bastante acirrado, em uma clara disputa de camaradas visando a apreciação do Mestre Rogério que se manteve durante todo o tempo no centro da roda tocando o be- rimbau Gunga. Um jogo bonito de se ver, com uma fluidez e plasticida- de que transparecia a intimidade que ambos tinham com os movimentos possíveis de serem executados uns dos outros, fazendo do jogo um bai- lado cativante.

Naquele momento eram dois atores em disputa pela melhor in- terpretação do mesmo papel a ser julgado posteriormente por todos, mas principalmente pelo seu mestre, era pra ele o ato. O mestre se apresenta- va como um diretor de cena, detentor do saber que observa seus alunos na execução das técnicas por ele ensinadas e legitimadas como ances- trais. Eram ágeis movimentos que meticulosamente alternavam-se no chão e em pé, de cabeça para baixo e para cima, disputando o melhor encaixe do corpo que se entrelaçavam em movimentos tão plásticos e interconectados que ao certo demonstravam estarem a utilizar o mesmo modelo corporal, compartilhando o mesmos códigos. A disputa portanto se dava mais por quem conseguiria um maior controle corporal de si em prol de uma combinação mimética mais pragmática de dois corpos se tornando em um.

5.2. Técnicas moldadas pelo acumulo de experiências em novos contex-