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5.3.   Grupos, ornamentos, língua e contextos na construção do

5.3.2.   Tatuagens, apelidos e vestimentas 177

Além das logo marcas dos grupos, outras formas de composição de alteridade se fazem presentes na capoeiragem percebido na Alema- nha. A corporificação de símbolos mais ou menos estáveis apresentam um interessante marcador tanto de pertencimento como estipulador de diferenças. No caso da tatuagens com os codinomes de capoeira, estas simbolizam um forte indicador de integração e pertencimento já que esses apelidos não foram escolhidos e sim negociados com seus profes- sores, alunos mais graduados e mestres. Elas são usadas como um ele- mento de agregação, da afirmação de lugar, de um compromisso social perante o grupo, assim como um delimitador de diferenças quando fora do meio da capoeira. Marca-se no corpo um delimitador de alteridades, uma lembrança duradoura de laços que tanto socializa quando indivi- dualiza.

No caso de Vaqueiro a tatuagem pode ser interpretada como um delimitador de diferenças e de rompimento de laços tidos como estáveis entre mestre e discípulo. Aqui, a tatuagem no corpo de Vaqueiro foi entendida como a corporificação de um tipo social não adequado às expectativas de corpo-sujeito que seu mestre tinha como modelo de capoeirista. Tal atitude corporal foi utilizada como argumento para o desligamento de Vaqueiro do grupo e mestre de origem constituindo com isso um elemento de ruptura com um modo de subjetivação espera- do. As tatuagens portanto, adquirem significantes de pertencimento ou rompimento que tem como elemento diferenciador as diferentes expec- tativas de corpo-sujeito geradas por modos de subjetivação que variam de grupo para grupo.

Retornando aos casos dos apelidos ou nomes de capoeira, exis- tem algumas diferenciações que delimitam os variados momentos e experiências atravessados pela capoeiragem de maneira geral, não sendo a Alemanha uma exceção. Podemos então perceber que os primeiros mestres utilizam seus nomes oficiais de registro civil para serem reco-

nhecidos no mundo da capoeira. Situação que pode ser justificada pelo fato de que a capoeira vinha em paralelo com as subjetivações enquanto artistas o que exigia um nome mais atrativo em termos de autoimagem.

Somente a partir da década de 1990 ocorre a institucionalização da capoeira como um campo de forças autônomo distinto do meio artís- tico, instituindo outro padrão de denominações dos sujeitos capoeiristas. O discurso de tradição dos apelidos ganha força enquanto representativa de uma inscrição subversiva criada durante a escravidão para que os praticantes não fossem facilmente identificados.

Muitas das vezes, fora do Brasil, o apelido aparece como uma maneira mais fácil e particular, por parte dos brasileiros, de chamar pelos seus alunos, alguns com “nomes complicados para brasileiro men- cionar”. Acabou-se com isso, juntando-se o útil ao agradável no proces- so de negociação onde uma ação vista como mantenedora das tradições serve para facilitar a convivência e autoridade do brasileiro com seus alunos.

No entanto, os apelidos dados seguem os mesmos “modelos” aplicados no Brasil, ou seja, apelidos que fazem referencia aos estilos de corpo, na observação de algum característica peculiar pessoal. Uma maneira também de marcar uma individualidade, com no caso de Va- queiro, que tem este apelido por gingar, nas primeiras aulas que teve com mestre Martinho Fiuza, rodando as mãos para o alto como se fosse um peão. Um apelido que faz referencia a uma experiência inicial pas- sada como também marca a posição de seu mestre sempre que tem que falar sobre seu apelido de capoeira.

As vestimentas foram tidas como um dos principais diferencia- dores dos estilos vigentes no Brasil de 1990. De um lado os capoeiristas que se autodenominavam “capoeira Regional” ou “Capoeira Contempo- ranea” ou até mesmo somente “Capoeiristas”, de outro lado os que se denominam “Angoleiros”.

Os primeiros desenvolveram uniformes constituídos de uma calça de lycra branca, chamada por alguns de “Abadá”, uma camisa de treino com a logo do grupo e um cordel ou corda na cintura, diferenci- ando assim hierarquicamente as graduações de cada capoeirista. Os Angoleiros, por sua vez, adotaram um estilo que foi do modelo Hippie Rasta do final da década de 1980 até um revival do estereótipo do ma- landro carioca com roupa de seda, sapatos e chapéu.

No entanto, em ambos os casos a grande maioria implementou uma logica de uniformes, diferenciando-se assim tanto entre estilos, quanto entre grupos dentro de um mesmo estilo. “É só olhar a roupa do cara e o jeito que ele ginga que já dava pra dizer de que mestre, estilo ou

grupo ele faz parte” me falou um professor de capoeira de Angola em uma palestra dada em Munique.

O mesmo modelo de discernimento foi adotado inicialmente na Alemanha, diferenciando principalmente os estilos de capoeira pratica- dos. No entanto, o que percebi em minhas pesquisas de campo é que essas diferenciações pelas vestimentas e pela forma de se movimentar vem sendo embaralhada. Atitude que por vezes confunde de maneira consciente objetificações que visam um enquadramento mais reducio- nista do sujeito. Uma estratégia que visa desestabilizar qualquer tentati- va, inclusive durante as rodas de capoeira, de dominação ou imposição de uma situação relacional.

Um exemplo que posso dar da estratégia de embaralhamento simbólico é o de mestre Xuxo, padrinho do grupo Ligando Mundos, do professor Vaqueiro. Ele veio do Grupo Cordão de Ouro, onde iniciou desde os 07 anos de idade, fundado pelo mestre Suassuna, aluno de Mestre Bimba, fundador da Capoeira Regional. Ele por vezes usa roupas entendidas como de “angoleiro50” e por vezes assume as vestimentas de abadá e cordel herdado do estilo Regional de Mestre Sampaio, seu mes- tre e pai.

Outro exemplo bastante contundente é o de Marcus Couro Seco que dá aulas de Capoeira de Rua e Capoeira Angola, trocando devida- mente de roupa para condizer com cada estilo em que dá as aulas. Um processo cotidiano de ressignificação de si que faz dele um transeunte entre diferentes modos de subjetivação e corporificação. Com efeito, nas rodas abertas e eventos de outros grupos, Couro Seco se apresenta vesti- do de “Angoleiro51” mas jogando outros estilos quando preciso.