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Técnicas moldadas pelo acumulo de experiências em

Um outro modelo bastante recorrente de negociação cultural pode ser representada pelas experiências de Mestre Martinho Fiuza, Paulo Siqueira e Mestre Saulo. Todos iniciam na Alemanha visando reproduzir ipsis literis as técnicas de preparação do corpo apreendidas no Brasil, mas que vão com o tempo se adaptando as necessidades, re- gras e demandas locais. Martinho fala que “As aulas eram rigorosamen- te iguais à que eu tinha experiência no Brasil, mas com o tempo eu fui vendo as necessidades das pessoas daqui e fui adaptando para melhor aprimorar a questão metodológica”. Utilizam-se logo o acumulo de experiências pessoais e coletivas de ensino e organização da capoeira compartilhadas entre suas redes de contatos para desenvolver novas metodologias de ensino.

Percebe-se claramente que ambos desenvolveram um modus operandi de maneira a adaptar as novas demandas e peculiaridades do lugar, principalmente voltadas a uma maior diversidade de tipos sociais que demandavam um cuidado maior com as individualidades. “Eram alunos de todo o tipo; estudantes universitários, pais e mães de família e até um pessoal mais alternativo, os hippies que se interessavam pela capoeira”. Foram sendo produzidos diferentes procedimentos pedagógi- cos voltados a um publico muito mais eclético de que no Brasil. De acordo com Martinho “todos tinham que aprender, os que tinham e os que não tinham tempo, como também os que tinham e os que não ti- nham talento”.

Percebe-se nas entrevistas e etnografias que ambos os mestres se utilizam de suas experiências de vida tanto no Brasil quanto na Ale- manha para estabelecer um método de tradução cultural. Algo que, en- quanto produto final, reproduz os movimentos, regras e códigos de con- duta dos praticados no Brasil, mas através de uma forma didática e sim- bolicamente mais maleável às expectativas particulares de seus alunos e aos equipamentos disponibilizados.

De acordo com Martinho “os movimentos corporais deles são diferentes, o tempo de aula é diferente. Aqui o aluno tem aula uma vez por semana. Diferente do Brasil que treinávamos todos os dias”. A ques- tão da frequência das aulas surge como um diferenciador que precisa ser levado em conta. A frequência de treinamentos requer um maior apro- veitamento do tempo a ser utilizado nas aulas, uma dinâmica das aulas que exige maior concentração e foco.

Nos treinos que pude presenciar de Martinho notei que ele de- senvolveu um ritmo de treino para os alunos avançados bastante intensi- vo como solução a menor frequência de treinos. Aproveitando da disci- plina e perfeccionismo creditadas pelo mestre aos alemães, ele desen- volveu varias sequências de exercícios repetidamente executadas duran- te os treinos. Não era mais necessário a interferência do mestre em ter que explicar quais movimentos deveriam fazer, cabendo à ele informar o número das sequências de movimentos a serem repetidas corrigindo posteriormente a sua execução.

As experimentações oportunizadas pelas novas gerações carre- gam um novo desafio de estabelecer ou resignificar canais de interlocu- ção da capoeiragem com contextos cada vez mais dinâmicos da contem- poraneidade. Muitos foram os exemplos tomados que vêm articulando novos contextos à prática da capoeira, alargando ainda mais o seu cam- po de oportunidades. Os casos de Vaqueiro, Couro Ceco, CM Arrupiado e Momitto, estabelecem um entrecruzamento através da prática da capo- eira vinculando suas experiências pessoais com a capoeiragem e os con- textos onde se inserem.

Os exemplos acima citados promovem a inserção da capoeira em redes já estabelecidas assim como a articulação de novas redes e circuitos. Naquela podemos citar a inserção da capoeiragem nos circui- tos latinos em Freiburg produzidos por Momitto e Lio, mas também os circuitos fitness e de Zumba que respectivamente os contramestres Ar- rupiado e Couro Ceco por toda a Europa. Neste, o caso de Vaqueiro apresenta uma proposta diferente ao estabelecer novas conexões com a prática da capoeira na Croácia, terra natal de sua mulher, e Áustria, resi- dência do padrinho de seu grupo.

No entanto, ao mesmo tempo em que ampliam os campos de possibilidade, há um esforço de mesma magnitude em manter as meto- dologias de treino aderindo condicionamentos corporais bastante seme- lhantes aos de seus mestres. há portanto uma clara preocupação que se mantenha um fio condutor que os conectem e legitimem em suas odis- seias rumo ao contemporâneo. As técnicas corporais e as metodologias de construção corporal se tornam um dos principais elos de ligação aos ancestrais o que lhes garantem o argumento de manutenção de tradições. As tradições corporais portanto se estabelecem como um dos principais elos que são convencionalizados, pelo menos neste momento da história, como algo que precisa ser mantido. As mudanças de meto- dologia, de vestimentas e até de atitudes de Couro Ceco ao tramitar entre uma aula de Capoeira de Rua e de Capoeira de Angola remetem sobremaneira esta preocupação. As aulas seguindo um mesmo procedi-

mento repetido na maioria das aulas são defendidas como um respeito à memória de seus mestres, fazendo das aulas de Vaqueiro e de Arrupiado réplicas quase que exatas das desenvolvidas pelos seus mestres.

Fotografia 21 - Dia de treino em Evento do professor Lio em Freiburg, 2012. Fonte: Pesquisa de campo (Fernandes, 2012)

Fotografia 22 - Dia de treino normal do Professor Vaqueiro em Munique, em 2012. Um grupo eclético com diferença de idades, gênero e estilo de

No entanto, o controle corporal exigido por esta nova geração não se fazem iguais às de seus antecessores. Há claramente um relaxa- mento da necessidade de mimese praticada pelos professores da nova geração para com seus alunos, principalmente durante os treinos preva- lecendo, ao meu ver, regras negociadas no cotidiano das aulas. Um diá- logo entre as expectativas e características de cada aluno com a predis- posição para flexibilização de regras e normas dos professores. Um contexto mais individualizado que dá pra ser percebido nas próprias vestimentas por não haver mais uma preocupação tão rígida com o uso do uniforme.

As metodologias de ensino são basicamente as mesma porém, as exigências nas execuções corporais são bem mais flexíveis. Pude conferir durante as aulas que não há mais aquela cobrança de imitação perfeita dos movimentos, herança das influências militares na capoeira, dos alunos. Talvez este seja um dos principais legados que a transnacio- nalização da prática trouxe para a capoeiragem.

No caso dos batizados, ainda há uma prevalência dos códigos negociados mais entre os grupos que deles participam, visitantes e anfi- triões, principalmente no que diz respeito a questões de tradição e ances- tralidade. há uma maior preocupação com as regras e técnicas corporais nestes eventos, da imagem que cada mestre ou grupo visitante teria para com as performances dos anfitriões. Neste sentido as regras e normas corporais ainda se sobressaem.

5.3. Grupos, ornamentos, língua e contextos na construção do sujeito