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Refeição coletiva

No documento Igreja Forma e Essencia - Gene a. Getz (páginas 111-114)

É impossível ler cuidadosamente o Novo Testamento sem chegar à conclusão de que a “refeição coletiva” era uma experiência significativa para os cristãos do século I. É claro que era uma experiência corriqueira para os discípulos de Jesus, especialmente os

doze, que viajaram com ele durante seu ministério na terra. Mas a refeição que fizeram juntos, logo antes de Jesus ser preso, assumiu um novo significado. Foi durante essa refeição que Jesus tomou “um pão e, abençoando-o, o partiu e o deu aos discípulos, dizendo: Tomai, comei; isto é o meu corpo” (Mt 26.26).

Em seguida o Senhor “tomou o cálice e, tendo dado graças, o deu aos discípulos, dizendo: Bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados” (26.27, 28).

Não há dúvida que, nos primeiros dias da igreja, os novos cristãos de Jerusalém repetiam essa experiência que os doze haviam tido com Cristo. Lucas registra que eles "... perseveravam [...] no partir do pão e nas orações. [...] Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa, e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus, e contando com a simpatia de todo o povo” (At 2.42, 46, 47a).

Essas refeições não eram meras refeições comuns para esses novos cristãos. Sem dúvida, eles partiam o pão e bebiam do cálice freqüentemente e, ao fazê-lo, proclamavam a morte de Cristo. Alguns acreditavam que, no início, eles relembravam a morte do Senhor dessa forma, diariamente.

As refeições religiosas não eram prática rara naqueles dias, mesmo entre os pagãos e outras seitas religiosas. É claro que, historicamente, os judeus haviam guardado a Páscoa. De modo que, para esses judeus cristãos, não era uma experiência totalmente nova participar de uma refeição religiosa. O novo, entretanto, é que parte da refeição havia-se agora tornado um meio todo especial de lembrar a morte sacrificial de Jesus Cristo.

Quando Paulo escreveu aos cristãos de Corinto, teve de corrigir o desvirtuamento dessa refeição religiosa (1 Co 11.28-34). Alguns estavam vindo e comendo logo no início; alguns não estavam ganhando nenhuma comida e permaneciam com fome; alguns chega­ vam a comer e a beber além dos limites. No geral, estavam sendo egoístas, usando a refeição para benefício próprio, não para o propósito inicial.

Paulo teve de lembrá-los acerca do exemplo do Senhor, de como, durante a última ceia, ele havia partido o pão em lembrança de seu

corpo partido, e de como, após a ceia, havia partilhado com os discípulos o cálice como “a nova aliança” em seu sangue. Os coríntios estavam participando “indignamente” desses elementos (11.27). Não estavam dando o devido valor ao propósito e ao significado original dessa experiência sagrada.

O aspecto mais importante dessa refeição religiosa era partir o pão e participar do cálice. Assim, esses dois elementos vêm sendo compartilhados pelos cristãos através dos anos como uma refeição simbólica, e têm sido concebidos como uma santa comunhão.

No entanto, não há razões bíblicas para rejeitar o conceito da refei­ ção religiosa, considerando-o “impraticável” ou impróprio na igreja do século XX. Aliás, Zane Hodges, professor de Literatura e Exegese do Novo Testamento no Dallas Theological Seminary, crê que a refeição religiosa deveria ter um lugar bem definido na adoração e na experiência cristãs nos dias de hoje. Ele defende sua posição mencionando o exemplo do Senhor com os discípulos, além da óbvia prática dos coríntios e das instruções de Paulo em 1 Coríntios 11.20­ 24. Ele acha que rejeitar o conceito de “refeição religiosa” pelo fato de os coríntios a terem desvirtuado não fornece base suficiente para o abandono de toda essa experiência e a substituição dela por uma refeição simbólica.

O aspecto crucial, acredita ele, é partir o pão e beber do cálice. Ele acredita, todavia, que esses elementos são apenas parte da ceia do Senhor, e que a refeição propriamente dita provê uma oportunidade de comunhão cristã e edificação mútua à medida que se conversa informalmente sobre a Palavra de Deus. Além disso, ele acredita que essa experiência ajuda a criar um ambiente familiar para o corpo de Cristo e que, quando feito com respeito e reverência, é uma grande ajuda no processo de crescimento cristão mútuo.

Não se pode negar que a “refeição coletiva” seja um conceito do Novo Testamento. Em minha opinião, se deve ou não ser praticada da mesma maneira que nos primeiros dias da igreja, é uma questão de interpretação. Ninguém que leia objetivamente as Escrituras pode negar a necessidade de nos lembrarmos do Senhor mediante a ceia. Paulo disse: “Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha” (1 Co

refeição devia perdurar até a volta de Jesus.

Naturalmente, muitos fatores culturais do século x x são diferentes dos do primeiro século, especialmente em Jerusalém, onde a vida comunal da igreja fez da ceia do Senhor uma experiência freqüente e natural. Entretanto, mesmo que essa refeição religiosa não constitua padrão normativo para a igreja de hoje, será que não há um princípio implícito nesses exemplos bíblicos — o de utilizar a “refeição coletiva” como uma experiência vital para os cristãos? Em seu comentário sobre 1 Coríntios, Leon Morris nos faz recordar que “há um marcante destaque nessa passagem toda sobre a natureza coletiva do rito e sobre a responsabilidade de cada um por todos”.5

Já se disse muito acerca do cristianismo relacional. Não há ambiente melhor que possa ser usado para criar esse tipo de experiência do que quando um grupo de cristãos consagrados se reúne em torno de uma mesa para tomar uma refeição. Quer isso esteja relacionado, quer não com a ceia, sempre deve e pode ser uma experiência espiritual “com os outros” e “com Deus” . Pois, disse Paulo em outra passagem, “quer comais, quer bebais, ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1 Co 10.31).

Todas as famílias unidas hão de testemunhar que não há experiência que se compare à comunhão íntima de se reunir em torno de uma mesa e tomar uma refeição em conjunto. Todos os cristãos não são irmãos e irmãs em Cristo? Os cristãos não são membros da família de Deus? Não somos um corpo? Será que a igreja de hoje está utilizando a experiência da “refeição coletiva” como a forma mais vital de contribuir para a edificação do corpo de Cristo?

No documento Igreja Forma e Essencia - Gene a. Getz (páginas 111-114)