• Nenhum resultado encontrado

3. APLICAÇÃO DO ART 139, INCISO IV, DO CPC/15 NAS OBRIGAÇÕES

3.5 REFLETINDO SOBRE POSSÍVEIS MEDIDAS ATÍPICAS A SEREM

A natureza extrema da prisão civil legitima a adoção de medidas coercitivas de feição semelhante, desde que menos onerosas ao devedor.

Medidas de ampla divulgação nas mídias sociais e na televisão como, por exemplo, os casos de apreensão de CNH e de passaporte passam a ter guarida sob o espeque do princípio da proporcionalidade e da menor onerosidade, a depender da casuística.

31 Esse entendimento é o sustentado pela Terceira Turma do STJ, conforme análise do REsp. 1.782.418 - RJ

(2018⁄0313595-7). (STJ - REsp: 1782418 RJ 2018/0313595-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 23/04/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/04/2019)

Novamente este trabalho irá se pautar nas premissas trazidas ao longo desta pesquisa. Tratando-se de medida atípica substitutiva da prisão civil é possível a adoção de meio executivo de mesma natureza (de coerção pessoal, limitador de direitos fundamentais) tão ou mais efetivo que a prisão, desde que menos oneroso ao devedor ou, sendo um pouco menos efetivo, seja expressivamente menos gravoso.

Descartada essa via pelo credor, as técnicas atípicas deverão ter as qualidades da técnica típica equivalente.

A suspensão da Carteira Nacional de Habilitação ou a restrição de passaporte, por refletirem o direito de liberdade, apenas devem ser empregadas em substituição à prisão civil. Devendo-se adotar todas as limitações determinadas para a alusiva medida executória, como, por exemplo, o prazo máximo de 3 (três) meses, capazes de averiguar se a medida surtirá os efeitos desejados ou não (CARREIRA; ABREU, 2018, p. 259-262).

A Quarta Turma do STJ, no RHC 97.876-SP, assentou o entendimento de que a suspensão da CNH não viola direito de ir e vir do titular, podendo ameaçar outros direitos fundamentais, como o direito ao trabalho, caso o devedor utilize o veículo automotor como objeto do ofício (BRASIL. 2018a)32.

Por seu turno, o Tribunal do Rio Grande do Sul, reconhecidamente precursor de diversas teses jurídicas, possui jurisprudência consolidada sobre a possibilidade de apreensão da CNH em obrigações alimentícias, tendo em vista que não afrontaria o direito de ir e vir do devedor. Nesse sentido, destaca-se os seguintes julgados: TJ-RS - AI: 70081118622 RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Data de Julgamento: 16/05/2019, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 17/05/2019; TJ-RS - AI: 70079401634 RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Data de Julgamento: 28/02/2019, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 11/03/2019; TJ-RS - AI: 70080373947 RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Data de Julgamento: 04/04/2019, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 09/04/2019; TJ-RS - AI: 70080442130 RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Data de Julgamento: 04/04/2019, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 09/04/2019.

32Nesse sentido, existem outras decisões do STJ, dentre elas: (HC 411.519/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/09/2017, DJe 03/10/2017); (AgInt no HC 402.129/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 26/09/2017); (HC 166.792/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, DJe 24/11/2011).

Embora não seja esse o entendimento consolidado na jurisprudência, sustenta-se que a suspensão da CNH somente poderia ser determinada nas obrigações alimentícias requeridas pelo rito da prisão civil, tendo em vista que apresenta feição coercitiva não patrimonial.33

No que se refere à suspensão do passaporte, a Quarta Turma do STJ, analisando o Recurso em Habeas Corpus nº 97.876-SP, entendeu que, na casuística (dívida civil fundada em título executivo extrajudicial), a medida deveria ser considerada ilegal e arbitrária, porquanto limitava o direito fundamental à locomoção, sem que os autos justificassem a absoluta necessidade e utilidade de sua aplicação, violando, assim, os direitos fundamentais encartados no art. 5º, incisos XV e LIV. No mais, afirmou que a “medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência” (BRASIL, 2018a, p. 15-21).

De outra banda, a Terceira Turma do STJ, apreciando o Recurso em Habeas Corpus nº 99.606, cujo objeto analisava a possibilidade de suspender a CNH e de condicionar a saída do país mediante garantia da execução - em virtude de dívida oriunda de obrigação de pagar -, determinou como legítima a impetração do habeas corpus fundado em risco ao direito de ir e vir em razão da limitação a viagens estrangeiras. Ademais, restou firmado que rege no ordenamento o princípio da prevalência do cumprimento voluntário, de modo que os meios coercitivos indiretos podem preferir a técnica da expropriação. Além disso, mesmo reconhecendo que o Juízo a quo não teria respeitado o contraditório e o dever de motivação das decisões, negou provimento ao recurso por entender que a ausência da indicação de meios menos gravosos pelo executado configuraria violação ao princípio da boa-fé objetiva e ao princípio da cooperação, de modo que não teria sido demonstrado a ilegalidade ou o abuso de poder (BRASIL, 2018b).

Outro caso que se observou a suspensão do passaporte como medida atípica em obrigação de pagar foi nos autos do HC 478.963. Neste caso foi proferida decisão pela 3ª Vara Cível do Foro Central, Comarca de Porto Alegre, condenando os réus a obrigações de fazer, não fazer e de pagar quantia, em virtude do acometimento de danos ambientais. Após a tentativa frustrada de bloquear o valor da dívida e face à negativa do Juízo de piso em aplicar a suspensão dos passaportes requerida pelo exequente, a Primeira Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, analisando agravo de instrumento, determinou a concessão do pedido. Diante disso, as partes rés impetram habeas corpus afirmando que além da medida ferir direito de

33 Acredita-se que, embora o foco deste trabalho não seja este, a suspensão da CNH poderia ser idealizada nas

obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa, tendo em vista que essas obrigações admitem medidas executivas típicas de coerção pessoal, conforme previsão do art. 536, §1º, do CPC.

locomoção, também atinge direito ao trabalho, posto que exercem atividade laborais fora do país. Com fundamento no modelo de execução de medidas atípicas, no contraditório e no desrespeito à boa-fé objetiva e ao princípio da cooperação, a 2ª Turma do STJ denegou a ordem de habeas corpus postulada (BRASIL, 2019b).

Cumpre realçar trecho do voto do relator Francisco Falcão tratando da aplicação das medidas frente à violação da boa-fé objetiva.

A boa-fé objetiva é princípio cuja inobservância deve implicar não apenas sanções processuais, como a prevista no caso de conduta atentatória à dignidade da justiça (CPC, art. 774). O descumprimento do princípio, para além da sanção punitiva, deve irradiar efeitos jurídicos para repelir as consequências da atuação maliciosa. Se o devedor se furta à execução, é pouco a imposição de multa, que fatalmente seguirá o mesmo destino do débito principal: o inadimplemento. Diagnosticando o atuar processualmente desleal, deve-se permitir ao juiz que se utilize de meios capazes de imediatamente fazer cessar ou [ao menos] remediar a nocividade da conduta. Logo, diante de um comportamento infringente à boa-fé objetiva, passa o juiz a desfrutar da possibilidade de utilizar-se de meios executivos atípicos antes mesmo de exaurida a via típica. Dizendo de outro modo, se a postura do devedor prenunciar que o emprego de meios sub-rogatórios ou indutivos típicos importará inócuo dispêndio de tempo e de recursos públicos (para a movimentação da máquina judiciária), é perfeitamente possível que a execução seja inaugurada a partir do manejo de mecanismos indutivos ou sub-rogatórios atípicos (BRASIL, 2019b, p. 11).

Não se afasta a possibilidade de aplicação da apreensão do passaporte nas obrigações alimentícias, contudo, diante dos fundamentos já delineados, esta possibilidade está restrita aos casos de obrigações executadas pelo rito da coerção pessoal.

No mais, percebe-se, sobretudo a partir do trecho acima destacado, que o uso das medidas atípicas deve se apegar aos limites impostos pela legislação, posto que, caso contrário, sua natureza passará a deixar de ter viés coercitivo para figurar-se como sancionatória. O que não é admissível.

Ainda acerca da análise sobre as referidas decisões, mostra-se temerária a interpretação abrangente dada ao termo cooperação, não podendo destinar o sentido de que a parte tem o dever de colaborar ativamente para efetivar a tutela do adversário, mas um dever de não prejudicar a atividade jurisdicional. Pensamento diverso pode ensejar drásticas perdas ao processo democrático, a partir de uma relativização da sistemática normativa processual, sob o fundamento moral da busca pela justiça e efetividade (WAMBIER; RAMOS, 2019).

Outra medida que não pode ser deixada de lado é sobre a (in)aplicabilidade da multa nas obrigações de pagar quantia certa.

Para Carreira e Abreu, a aplicação de multa tem viés coercitivo nos casos de obrigações de fazer, não fazer e dar coisa distinta de dinheiro. Contudo, quando se trata de obrigação de pagar quantia (advinda de título judicial ou extrajudicial), tendo em vista que já há previsão de

multa de 10% (dez por cento) nos casos de não cumprimento de sentença, observar-se-ia medida estritamente punitiva (CARREIRA; ABREU, 2018, p. 266-267).

A multa não deve ser aplicada nas obrigações de pagar quantia certa como medida atípica no afã de estimular o devedor a adimplir sua dívida, pois seria vista como meio punitivo e não coercitivo, o que violaria o princípio da proibição do excesso. Por outro lado, é possível a adoção desse meio, nas aludidas obrigações, quando servir de pressão ao cumprimento de deveres processuais (DIDIER; CUNHA; OLIVEIRA; BRAGA, 2018, p. 331).

De outro norte, Câmara utiliza como limite de aplicação das medidas atípicas a observância do caráter patrimonial, de modo que caberia perfeitamente a incidência de instrumento atípico cumulado com um típico, mesmo ambos se tratando de multa. A única ressalva que o autor traz é quanto as obrigações de prestar alimentos, eis que nestes casos caberia o emprego de medidas atípicas de natureza não patrimonial (CÂMARA, 2018, p. 238). Em verdade, a hipótese da incidência de astreintes deve ser enxergada com bons olhos como elemento psicológico tanto para evitar o descumprimento da obrigação, quanto para afastar o seu uso como artifício para, se valendo do descumprimento parcial da obrigação, o devedor pleitear a atribuição de efeito retroativo à demanda revisional (MADALENO, 2018, p. 1.234).

Advoga-se que a multa, como medida atípica, tem caráter coercitivo patrimonial e não sancionatório, de sorte que sua incidência pode caminhar em todas as obrigações alimentícias.

Outrossim, o IBDFAM, mediante o PL 470/2013, sugeriu que fosse criado um Cadastro de Proteção ao Credor de Alimentos, no afã de induzir os devedores ao adimplemento da dívida, em razão do constrangimento acarretado (BRASIL, 2013).

No âmbito internacional, destaca-se a postura do governo da Província de Mendoza (com base em lei municipal), na Argentina, que passou, dentre outras medidas, a divulgar nos jornais locais uma lista com os nomes dos pais devedores. Por sua vez, o governo de Buenos Aires criou um registro público para armazenar os nomes dos inadimplentes de obrigações alimentícias, dentre as consequências suportadas pelos inscritos consta diversas restrições, dentre elas a impossibilidade de abrir conta corrente ou obter cartão de crédito, assumir cargo público e concorrer a cargo de funcionário judicial (MADALENO, 2018, p. 1.228-1.229).

Outro interessante projeto de lei argentino é o que propõe que os empregadores confiram se os novos empregados estão inseridos em lista de inadimplentes de dívida alimentícia e, caso positivo, informem ao Juízo responsável pelo feito acerca do novo vínculo de trabalho (MADALENO, 2018, p. 1.229).

Acredita-se que seria pertinente a criação do cadastro sugerido pelo IBDFAM, assim como a vinculação da supracitada proposta, exigindo a indicação do novo emprego pelo empregador. Esta pesquisa é favorável a esse sistema para qualquer devedor de alimentos, porquanto acredita-se que esta medida facilitaria o desconto em folha de pagamento, técnica de natureza patrimonial, extremamente efetiva.

Embora o Diploma Processual limite, em seu art. 529, o desconto para situações empregatícias específicas, nota-se que, mesmo diante de relações empregatícias diferentes das definidas, caso demonstrado a probabilidade na efetividade da demanda, pode o magistrado determinar a presente via executória.

Sugestão de medida atípica, trazida por Carreira e Abreu, seria, em síntese, a inclusão, nas redes sociais e no site do devedor (caso tenha), de um aviso acerca de tramitação de ação judicial, especificando: a) nome do devedor, b) número do processo, c) local de tramitação, d) nome do credor, e e) valor da dívida. Tal medida se aproxima da negativação no cadastro de inadimplentes (SPC/SERASA) e deve ter seus parâmetros de incidência norteados pelos aplicados nesses casos, como, por exemplo, o prazo máximo de 5 (cinco) anos. Para os autores, tal prática não seria contrária a dignidade da pessoa humana, como também não seria vista como cobrança vexatória, tendo em vista que seria albergada pelos artigos 4234 e 7135 do Código de Defesa do Consumidor (CARREIRA; ABREU, 2018, p. 270-271).

O exemplo trazido pelos doutrinadores versa sobre obrigações de qualquer espécie. Todavia, tratando-se de medida atípica de coerção pessoal com potencial lesão a direito fundamental, entende-se que seu uso somente seria admissível como meio coercitivo substitutivo a prisão civil. Devendo seguir as regras apontadas pela técnica do encarceramento, ou seja, limite máximo de três meses.

Importa dizer que, considerando que a aplicação de medidas atípicas apenas é cabível nos casos da demonstração de indícios da existência de patrimônio acobertado pelo executado, tal técnica não teria natureza punitiva, mas eminentemente coercitiva, sobretudo quando incididas sobre aqueles que vivem de aparência e veem nesta medida a possibilidade de ter corroído o mundo por ele criado e externalizado em ferramentas midiáticas.

Questiona-se se não haveria violação da dignidade do devedor, contudo, considerando que a medida substituída seria mais gravosa ao devedor, a tese possui esteio nos arts. 8º e 805

34 CDC. Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será

submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

35 CDC. Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações

falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer:

do CPC/15. Ademais, não parece razoável abster o credor de ter sua tutela satisfeita, sobretudo quando se trata de alimentos (cujo bem protegido é a subsistência do alimentando), no afã de preservar o padrão social criado e externado pelo devedor.

Um efeito colateral seria a sinalização para a sociedade da atitude do executado frente às obrigações avençadas. Por óbvio, esta finalidade genérica não pode ser posta como fundamento primário, pois estaria limitando direito do executado como medida preventiva geral, o que seria demasiadamente desproporcional.

Com base nas normas tratadas e com esteio no princípio da dignidade da pessoa humana, não é aceitável que medidas mais onerosas do que a prisão civil sejam aplicadas a fim de ver a satisfação do direito do exequente.

Em que pese referida conclusão seja evidente, há casos na prática forense que exigem uma postura acadêmica precavida.

Em situação extrema, embora não se trate de obrigações alimentícias, o Judiciário determinou a aplicação, pela Polícia Militar, de técnica coercitiva com o fito de convencer estudantes a desocuparem um colégio em Taguatinga, Brasília/DF. Aludida medida consistia no uso de instrumentos sonoros contínuos a fim de privar o sono dos alunos ali presentes. Compreendida tal medida como tortura, conforme o Protocolo de Istambul, supracitada técnica deve ser rechaçada do ordenamento jurídico pátrio (CARREIRA; ABREU, 2018, p. 265).

Considerando a capacidade criativa de parte dos magistrados, aliado a busca pela efetivação de direito basilar ao alimento, insta frisar que o esforço pela efetivação da pretensão do credor não pode extrapolar os muros da legalidade e ferir garantias alcançadas ao longo dos anos. O Direito não nasce e morre no Judiciário, existe uma estrutura prévia e essencial que deve ser respeitada por este importante Poder, caso contrário, sua própria imponência passa a ser questionada e enfraquecida.

Nesse contexto, seria interessante que os tribunais criassem um sistema de dados estatísticos analisando a efetividade das medidas atípicas utilizadas, tais informações possibilitaria um maior embasamento acerca de quais medidas efetivamente funcionam. A intenção não é que as estatísticas condicionem a atuação dos magistrados ao ponto de obriga- los a aplicar determinadas medidas, mas para servirem como um norte para a aludida atuação.

Compreender a sociedade e entender quais são as motivações pessoais e sociais que induzem um indivíduo a ser um bom pagador, talvez, seja um bom passo para tornar as execuções mais efetivas.

Documentos relacionados