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Reflexão das Ideologias do Sistema Educativo Português na Era da Globalização – As Últimas duas Décadas

A palavra globalização associa-se a manifestações de ordem ideológica, movimentos sociais, a interesses políticos ou a forças exteriores, segundo Murteira (2003) é no âmbito global, mundial que se desdobram os caminhos de prosperidade para os indivíduos. Monteiro (2003) define-a como um fenómeno irreversível e portador de

41 promessas de libertação, se for humanizada é através da globalização dos direitos do ser humano que a educação se torna um direito prioritário, um bem público global, e esta é, certamente, uma responsabilidade do Estado.

O direito a uma educação de qualidade inclui o direito à educação para os direitos do ser humano e para a cidadania universal. Este direito à educação é universal e de responsabilidade - na escola e em casa. Salientamos a importância do papel estruturante dos discursos educativos quer na naturalização de subjectividades educativas, na definição e resolução de problemas, quer na determinação de quem os soluciona.

Segundo Correia (2000) são quatro as ideologias educativas, desenvolvidas em Portugal, que definem a educação pós 25 de Abril de 1974, período histórico de nosso interesse neste estudo pois de algum modo permite-nos acompanhar a evolução da importância da educação para a cidadania no currículo português – ideologia democratizante e crítica, democrática, da modernização e a da inclusão. Este autor diz-nos que a união destas ideologias tem o seu foco na educação ao nível político, jurídico, economicista e organizacional, respectivamente. O mesmo autor ao referir-se ao “binómio educação e democracia” (op cit, p.6) esclarece-nos que o período pós-Segunda Guerra Mundial legitimou os discursos dos sistemas educativos que defendiam a igualdade de oportunidades e a formação para a cidadania – promotora de uma cultura com base em direitos. Estes discursos queriam assegurar, equitativamente, a formação de cidadãos em democracia.

A escola assume-se como uma referência reguladora de uma acção educativa de transformação, contribuindo para a promoção de uma cultura de direitos. Associa-se aqui o princípio da igualdade de oportunidades de acesso ao espaço escolar. A ideologia da modernização alicerça-se na ideologia da cultura, tem como referência o modelo de empresa, ou seja define-se como uma problemática economicista como regulação da educação, insurge-se na década de 80, afirmando-se como uma alternativa aos discursos educativos e políticos. Esta década ficou “assinalada pela elaboração, aprovação e entrada em vigor da lei de bases do Sistema Educativo” (Lemos, 1992, p.9). Teodoro (1992) diz- nos, ao referir-se à aprovação da lei de bases, que foi possível devido à conjugação de vários factores: sociais e políticos, na negociação de soluções que reflectissem os problemas educativos. Começa-se a utilizar uma terminologia nova, onde se empregam

42 termos característicos do mundo do trabalho, a exemplificar: flexibilidade, qualidade e autonomia, existe uma preocupação em preparar os alunos para o mundo do trabalho; de tornar uma educação significativa, cujo objecto passa por satisfazer os interesses e necessidades, mantendo sempre o grau de motivação elevada do seu público-alvo. Nesta ideologia o princípio regulador passa pela existência da necessidade de se gerar um equilíbrio de eficácia ao nível económico e social, entre a problemática da governabilidade da educação e a governabilidade das escolas, sendo a flexibilidade organizacional imprescindível neste processo.

Desenvolveu-se na década de 90, a ideologia de inclusão que tenta responder a uma problemática crescente, que é a exclusão social. Nesta ideologia é a questão social que adquire uma maior importância em anuência à questão da economia. A governabilidade das escolas evidencia-se na resolução da problemática da governabilidade do sistema, o princípio regulador desta ideologia assume-se de índole organizacional, sendo a flexibilização curricular possibilitadora de promover uma cidadania de integração social, dirigida aos que se encontram em exclusão social e àqueles que fogem da flexibilidade curricular.

Para melhor esclarecer esta perspectiva, apoiamo-nos nas vertentes prioritárias de intervenção da educação que constam do programa do XI Governo Constitucional, caracterizadas por Carneiro (1992) num texto sobre os desafios da escola no anos 90, que assentam na universalização do acesso à escolarização, no combate ao abandono escolar precoce e o alargamento das oportunidades educativas para adultos; promoção da qualidade do ensino, valorização da classe docente; relançamento do ensino técnico, politécnico e profissional como respostas atractivas à conclusão da escolaridade obrigatória; defesa da língua e cultura portuguesa (identidade nacional); reorganização da administração educativa, por conseguinte o reforço da autonomia da escola, e ainda a construção de uma escola solidária, promotora de cidadania (pp: 66-67).

A regulação da organização educativa não pode interferir com as lógicas de funcionamento do mercado de trabalho imposto pela globalização. Esta ideologia atribui um papel importante aos técnicos de reinserção social e aos gestores escolares na gestão da questão social que corroboram na definição da questão educativa. Segundo Lemos (op cit.) “é necessária a mobilização e participação empenhada de todos os agentes educativos –

43 professores, estudantes, técnicos, famílias – (…) de processos de regionalização avançados, de articulação entre o poder central, o poder regional e o poder local” (p. 12) para que se possa responder adequadamente às mudanças que se vão assistindo na sociedade, que permitam o progresso social do país e uma melhoria da qualidade de vida de todos os cidadãos, promovendo-lhes uma aprendizagem para a vida.

Na introdução da Conferência Mundial de Educação para Todos pode ler-se que “o estatuto da educação está a mudar, anteriormente vista como um factor de unidade e integração dentro das sociedades, capaz de vencer diferenças e desigualdades sociais e económicas, está hoje a tornar-se cada vez mais uma fonte dessas mesmas diferenças e desigualdades, numa economia global que privilegia os que possuem maiores aptidões e limita as oportunidades dos que as não têm” (Delors, 1998, p.13). Assiste-se nesta era, a da globalização, ao fomento de uma aprendizagem baseada em competências de vida, em conhecimentos que se adquirem ao longo da vida. Os alunos são, hoje, preparados para e num sentido de oportunidade, com base no desenvolvimento da responsabilidade e do sentido de justiça. Delors (op cit.) atribui ao professor o papel de agente de mudança, o que promove e implementa a compreensão e a tolerância para a miscigenação linguística e para o pluralismo étnico-cultural a que se assiste, nesta sociedade que se afirma democrática.