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O registro videográfi co com pessoas idosas: para uma metodologia O encerramento do trabalho de campo, nesta fase de complementos da pesquisa

Caderno de Arranjos Visuais SEO MANOEL

A RRANJO E MBLEMÁTICO ( OU DE ÍCONES ) DA M EMÓRIA

10. O registro videográfi co com pessoas idosas: para uma metodologia O encerramento do trabalho de campo, nesta fase de complementos da pesquisa

para o doutorado, culminou com a realização da fi lmagem em vídeo dos informantes e suas fotografi as. Decidimos potencializar, por meio do registro videográfi co, possíveis resultados em torno do trabalho operacional de escolha e montagem. Até então, havíamos trabalhado apenas com o registro em áudio, anotações em diário de campo, e eventuais registros fotográfi cos.

A decisão pela inserção do registro em vídeo levou em conta observações que vínhamos fazendo no campo relacionado à forma como o idoso se comportava diante das fotografi as, especialmente no momento da escolha e da montagem. A presença do silêncio, dos olhares, da postura, do gestual, em especial, a expressão das mãos ao segurarem as imagens, outras vezes a necessidade de se levantar para examinar as fotografi as mais de perto, nos fi zeram avaliar que somente as imagens em movimento possibilitariam o registro desses elementos. Afi nal, como fazer para registrar o silêncio, o gesto, ou seja, a ausência que precedia as palavras, e que muitas vezes foi mais reveladora da relação íntima, delicada, alegre, emocionante ou triste, de nosso informante com determinada fotografi a, do que aquilo que ele conseguia enunciar no momento seguinte para traduzir a história daquela imagem na sua vida. Na mesma direção em que defende Clarice Ehlers Peixoto – a partir de sua importante experiência de uso do audiovisual, como método de coleta e análise de dados, em pesquisa com pessoas idosas no Rio de Janeiro e em Paris – em estudo publicado,

Envelhecimento e Imagem, investimos na captação em vídeo como uma ferramenta capaz de

ampliar conhecimento sobre o objeto estudado:

“mesmo munida dos instrumentos próprios à antropologia clássica, somente uma leitura repetida e minuciosa dos fenômenos sociais, realizadas através do registro visual, poderia contribuir para a amplifi cação do campo de observação [...] A análise das imagens, indefi nidamente repetida, permite o refi namento do exame das atividades realizadas pelos personagens sociais [...]” (2000, p.71).

Desta maneira, julgamos ser importante para incorporar na análise dos dados a que se propunha a pesquisa, o registro desta memória gestual de nossos informantes e da montagem que faziam e puderam refazer diante das câmeras, para o trabalho de observação detalhada nas Fotobiografi as.

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Não deixamos de considerar igualmente que corríamos o risco de, ao introduzir uma câmera de vídeo, sermos interpretados por nossos informantes como “invasores” ou de intimidá-los diante das câmeras, infl uenciando a uma postura deles diferente daquela que conhecíamos na pesquisa, podendo assim até romper uma relação de confi ança construída. Esse risco parecia poder existir, pois havíamos consultado relatos de pesquisadores atuantes no campo da Antropologia ou da História Oral, que nos mostravam o cuidado necessário ao lidar com o uso de recursos tecnológicos de registro, tais como o vídeo, com pessoas idosas, especialmente, por pertencerem a uma geração pouco familiarizada com a parafernália tecnológica. Mas para Peixoto (2000), as reticências dos antropólogos se devem, principalmente, ao fato de associarem, em geral, o uso do vídeo “à perda da dimensão ‘discreta’ da investigação, à frieza desse instrumento de coleta de informações, entre outros aspectos”. A autora, por outro lado, pondera, e em defesa do uso do audiovisual, que “o impacto do uso da imagem é tão forte quanto aquele promovido, outrora, pelo gravador” (ibidem, p. 72). O projeto de fi lmagem

A decisão foi tomada avaliando essas variáveis descritas e diante dessas refl exões nos organizamos para a empreitada. Procuramos nos preparar para esta etapa fi nal do trabalho de campo, tendo defi nido, essencialmente, que o projeto de fi lmagem se utilizaria de duas câmeras.

Para estas novas etapas criamos um dispositivo técnico-visual [ver fi guras 3 e

4; p. 71-72], a saber: uma mesa articulada redonda, a qual foi utilizada como suporte de

base para a disposição das fotografi as e realização do registro em vídeo. Trabalhamos com a instalação de duas câmeras de vídeo para fi lmagem da operação dos informantes – uma focalizando as fotografi as postas sobre a mesa articulada e outra dirigida aos movimentos dos informantes, quando manuseavam as fotografi as.

Considerando a necessidade de não alterar o cenário de familiaridade do informante com a situação de pesquisa, procuramos introduzir lentamente o uso da câmera, cuidando, inclusive, de não chegar descarregando todo o material de uma vez e de realizar a montagem dos tripés e das câmeras de maneira mais sutil possível. Para tanto, um auxiliar de pesquisa foi designado, pois desta forma a pesquisadora pôde se dedicar à relação direta com o informante e com a preparação do cenário para a atividade que seria realizada no encontro.

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Para nossa surpresa, ao contrário de qualquer expectativa negativa, os informantes receberam com muita naturalidade a proposta e praticamente não se incomodaram com presença da câmera, que a partir de certo momento parecia imperceptível no cenário. Atribuímos tal resultado principalmente ao fato de que havíamos, naquele momento, já conquistado uma salutar relação de confi ança dos informantes pela longa trajetória de realização e de contatos de pesquisa. Da mesma maneira, eles estavam muito habituados a rever suas fotografi as, manuseá-las e mergulhar na atmosfera de suas memórias. E ainda a não alteração de cenário, pois instalamos todos os equipamentos no mesmo espaço da casa de cada um, onde costumávamos trabalhar, mesmo que tal decisão interferisse pontualmente na qualidade das imagens capturadas. Julgamos também relevante observar que durante a

fi lmagem a pesquisadora manteve-se o tempo todo próxima ao informante, numa disposição

de conversa, sem confi gurar uma dinâmica diferente das ocasiões anteriores de encontro entre pesquisador e informante.

Imaginamos que estes cuidados podem ter contribuído para a minimização da condição “invasiva” do registro em vídeo, permitindo ampliar a sensação de distância das câmeras, e, fi nalmente, contribuindo para o sucesso do registro. Certamente, se essa proposta de fi lmagem tivesse sido desenvolvida nas primeiras etapas da pesquisa, o comportamento dos informantes, diante das câmeras, teria sido incômodo por demais e poderíamos ter comprometido parcialmente os resultados.

Diante de tal aceitabilidade, lançamos a cada um deles uma última e novamente dupla proposta de trabalho com as fotografi as: primeiro a de uma revisão de todo o processo de escolha e montagem das fotografi as, a partir do primeiro conjunto de 20 fotografi as e do segundo de 10 fotografi as; e depois a de eleição fi nal de apenas três fotografi as, também a partir das escolhas do conjunto maior. A realização da fi lmagem dessa dupla proposta resultou em outras etapas de trabalho de campo chegando ao que chamamos de Arranjo Visual Ícones

da Memória.

Infelizmente, esta última etapa de trabalho não pôde ser realizada com dois de nossos informantes: Dona Celeste, que naquele momento encontrava-se em fase terminal de vida; e Dona Olga, que pelo estágio avançado da doença de Alzheimer havia perdido parcialmente a memória. No caso dessas informantes, a escolha para a síntese de três fotografi as pôde ser realizada, respeitando-se outro tempo, e portanto, fi zemos apenas o registro de anotação escrita em diário de campo.

Com este cenário metodológico primeiro os informantes, nesta dupla proposta

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excluíram (ver Cadernos de Arranjos Visuais: dobras 1, 2, 3A e 3B). Tiveram total liberdade de tempo para rever o que havia sido elegido e retirado por eles mesmos. Tiveram também a possibilidade, ora de reinserir imagens (anteriormente excluídas) no conjunto de 10 fotografi as, ora de incluir na coleção das 10 excluídas aquelas que faziam parte do conjunto das escolhidas e não desejavam que permanecessem.

O objetivo de retomada dos conjuntos eleitos ou excluídos, novamente, parecia fazer sentido para a amplitude da pesquisa, uma vez que desde o início do trabalho (ainda no mestrado) até este momento, nossos informantes já haviam se distanciado minimamente, em termos de tempo, dos trabalhos de escolha e montagem por eles efetuados. E diante de tal situação nos perguntávamos quais seriam suas impressões sobre escolhas e re-escolhas realizadas. Para nossa surpresa inicial, (e diante das câmeras) apenas um de nossos cinco informantes, Seo Manoel, propôs alteração no conjunto de 10 fotografi as escolhidas. O informante não quis retirar nenhuma fotografi a de seu conjunto de 10 imagens, mas, ao ser perguntado se traria de volta fotografi as, por eles excluídas, respondeu positivamente, apontando para quatro fotos: MRS02, quando era prefeito e aparece ao lado de Maluf, governador do Estado de SP; a MRS05, do carro adquirido em 1961, que ajudava a transportar muita gente para os hospitais; MRS03, que representava a sua posse de prefeito; e a MRS21 de sua professora e colegas de classe. Eis as fotografi as as quais nos referimos:

MRS02 MRS03 MRS05 MRS21

Observando o conjunto das 10 fotografi as, Seo Manoel, inclusive, indica preferencialmente, a posição em que deveriam ocupar pelo menos duas das fotografi as: MRS02 e MRS03, não tendo prioridade para as outras duas imagens, MRS 05 e MRS 21, em termos de disposição/ordem em seu conjunto vertical escolhido anteriormente.

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O conjunto de 10 imagens revisitado por Seo Manoel retoma duas fotografi as, MRS 02 e MRS 03, anteriormente excluídas, na posição indicada na prancha.

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Dona Maria Teresa, Seo Moacir (que participaram do registro videográfi co) e Dona Olga e Dona Celeste (que participaram apenas com registro de caderno de campo) foram precisos em reafi rmar suas escolhas – de 20 para 10 fotografi as – sem nenhuma alteração. Dona Celeste, por outro lado, foi a única informante a indicar uma retirada de seu conjunto escolhido da segunda vez, composto de 11 fotografi as: a CF09.

Dona Celeste alegou que a fotografi a não fi cava bem no conjunto, por questões estéticas, especialmente por possuir uma luz estourada na lona. Desta maneira, ela retiraria a imagem do conjunto.

PARTE I - ETAPAS METODOLÓGICASDEUMAPESQUISA

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Depois desta revisão das escolhas realizadas por eles, solicitamos a cada um, a seleção fi nal de apenas três fotografi as, retiradas do primeiro conjunto e o reordenamento desta síntese - 3 de 20 imagens - sobre uma mesa articulada. Procuramos observar, igualmente, como trabalharam nossos informantes nesta procura visual “síntese” de três fotografi as.

De todos eles, Seo Moacir, foi o que nitidamente se apresentou mais indeciso. O informante revelou logo que teria quatro fotografi as fi nais e, diante de tal situação exitou, várias vezes, em nos entregar as três: MM14, MM16 e MM18; a casa que o pai ajudou a construir, a esposa grávida da primeira fi lha e a formatura da fi lha, respectivamente. A quarta imagem seria a MM07, de seu sobrinho, Alvair, já falecido, para a qual sempre revelou um grande afeto. Seo Moacir procura neste processo de decisão, dizer os nomes dos personagens para evidenciar quais deles estariam contemplando na sua escolha. No caso, a escolha fi nal, revelou: o pai, a esposa e uma das fi lhas (a família nuclear).

Analisando, ainda, a escolha síntese de nossos outros informantes, percebemos que apesar da ordem do afeto – que sempre acompanhou o caráter das escolhas realizadas por eles – estar presente neste momento fi nal, cada informante procurou, claramente, contemplar uma representação de si.

Um exemplo, dessa suposição, podemos encontrar na escolha de Dona Maria Teresa, que nos revelou, durante a pesquisa, que a fotografi a MTM01, era uma das que mais a emocionava, pelo fato de seu pai estar beijando-a. Esta imagem, no entanto, não é incluída na escolha fi nal. A informante prefere outra fotografi a de seu pai, a MTM18, que se encontra ao lado de seus dois irmãos (do segundo casamento do pai). Da mesma forma, Dona Celeste, procurou valorizar na síntese: sua juventude (CF03), o casamento (CF18) e viuvez (CF25), não elegendo fotografi as do pai, sobre o qual, inúmeras vezes, se referiu, como uma fi gura que ocupava o papel central na vida dela. Retomaremos estas refl exões com mais propriedade, mais adiante, em Primeira Conclusão.

Procuramos resumir a seguir os principais momentos da fi lmagem, em especial da escolha síntese das três fotografi as, realizadas com Seo Moacir Malachias, Dona Maria Teresa de Arruda Botelho Moraes e Seo Manoel Rodrigues Seixas em DVD, que se encontra anexado na próxima página. Cada um dos registros videográfi cos editados possui aproximadamente 5 minutos – além de uma faixa extra com as fi lmagens na íntegra - e procura mostrar especialmente os dados relevantes incorporados à pesquisa, no tocante à relação de afetividade dos informantes com as fotografi as, revelada durante o processo de escolha e montagem.

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CENÁRIO METODOLÓGICO DA ENTREVISTA COM USO DE VÍDEO