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1. A TEATRALIDADE CIRCENSE

1.5 Relação com o público e a arte de agradar

Este trabalho visa traçar algumas considerações acerca do desempenho dos intérpretes circenses nas encenações teatrais apresentadas em duas companhias de circo- teatro. Porém, não posso adentrar as questões relacionadas aos elementos técnicos presentes neste tipo de atuação sem dizer, primeiramente, que no circo e, no caso, no circo-teatro, a dimensão artística, na qual reside o trabalho do ator, é absolutamente indissociável das dimensões ética e social.

Isso porque o circo “tradicional” itinerante de lona é um empreendimento artístico alicerçado sob a relação direta estabelecida com a arrecadação por bilheteria e, portanto, com sua plateia.

Essa relação vital com o público pagante está no cerne do espetáculo circense desde sua consolidação com Philip Astley, na Inglaterra. Aliás, o empreendimento de Astley foi justamente uma alternativa de adequação às mudanças comerciais ocorridas na

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Europa no século XVIII. Segundo Burke (1989), o circo é o caso mais notável de comercialização da cultura popular (BOLOGNESI, 2003).

Portanto, desde Philip Astley o circo absorve e reorganiza, sob modos específicos de organização do trabalho, pautados pelas leis do comércio, as mais diversas formas de expressão artística:

A cultura popular adequou-se aos novos tempos, criando modelos novos de manifestação, comercias por excelência. As formas espontâneas de entretenimento foram se organizando comercialmente, visando aos novos espectadores, alçados agora à condição de compradores de espetáculos e de diversão. (...) O circo foi uma criação específica da sociedade comercial e produtiva que rondava o século XVIII, na Europa. Ele reaproveitou diversos elementos do passado. Contudo, remodelou-os de acordo com as exigências do espetáculo comercial, sob a égide do trabalho e da troca. (Idem: 38, 39 e 40).

Acredito, como já exposto no início deste capítulo, que qualquer artista deve sempre buscar a consolidação de sua técnica pessoal e que esta precisa estar necessariamente empregada num contexto social. E isso instaura, inevitavelmente, a relação vital com a plateia – que o circo tanto compreende e busca. E mais: como vivemos numa sociedade pautada pelas leis do comércio, o estabelecimento desta relação de vida ou morte do empreendimento artístico passará, inevitavelmente, pelo viés econômico.

Porém, o que vemos na atualidade brasileira – e que carece de estudos mais aprofundados – é que o circo é um dos raros empreendimentos das artes do espetáculo que continua a travar uma relação direta de continuidade com seu público pagante.

Viver de arte nesse país é uma tarefa difícil. De bilheteria, então, nem se fale! Como exemplo, cito o fato de que da minha turma de graduação, egressa da Unicamp em 2010, nenhum de meus colegas vive, economicamente, da arrecadação por bilheteria e nem mesmo apenas do ofício teatral. Em meio às adversidades, a maioria dos artistas busca sobreviver por meio de concursos de editais de órgãos públicos, que estão longe de atender a demanda existente, ou por meio de vendas para órgãos privados, como o Serviço Social do Comércio (Sesc).

Porém, por outro lado, acredito que a falta de relação vital com a bilheteria acabou por estabelecer uma cultura viciosa de dependência e é resultado, também, da falta

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de empreendedorismo por parte da maioria dos artistas, que não possuem o mesmo tino comercial de alguns artistas circenses, por exemplo

De todo modo, não depender diretamente do público pagante contribuiu para a instauração, entre os artistas cênicos, de uma tendência contemporânea de delegar ao Estado a promoção do acontecimento artístico, levando parte da classe a um descompromisso com o público. O que vemos é uma gama de artistas que querem fazer teatro sem pensar em para quem ele está sendo feito. Gritam apenas para ouvir o próprio eco. Como se aqueles a quem se destina a arte, o público, fosse uma preocupação exclusiva dos governos, aos quais cabe viabilizar o acesso da população aos espetáculos e demais obras. Preferencialmente, claro, as suas. E o resultado disso é a exibição desenfreada de “processos intermináveis de mergulho em si, de onde emergem estéticas intransponíveis, de pouca, ou nenhuma, penetração na sociedade, de modo geral” (ARY, 2011: 06 e 07).

Simplesmente esquece-se de que uma obra de arte deve visar sempre, em última instância, a comunicação. Dessa forma,

Podemos assistir a uma peça banal, com um tema medíocre, que esteja fazendo um grande sucesso de público e de bilheteria num teatro absolutamente convencional, e às vezes encontrar aí uma centelha de vida muito superior ao que acontece quando pessoas embebidas de Brecht e Artaud, trabalhando com bons equipamentos, apresentam um espetáculo culturalmente respeitável mas carente de fascínio. Quando nos deparamos com este tipo de espetáculo, geralmente passamos uma noite insípida vendo uma coisa em que tudo está presente – exceto a vida (BROOK, 2000: 11).

Nas conversas que tive com Fernando Neves e seu tio Antônio Santoro Junior do Pavilhão Arethuzza e também com Zeca e os demais artistas do Circo de Teatro Tubinho pude compreender, de fato, o que lia nos livros acerca do respeito que o artista circense tem por seu público e da complexa relação que o circo estabelece com as localidades por onde passa.

Essa relação é iniciada, inclusive, antes da chegada do circo na cidade, pois, comumente, estes só se instalam após contatos prévios e estabelecimento de um acordo com a Prefeitura. Após esse primeiro momento, os circenses realizam uma ação que chamam de “fazer a praça”. Uma pessoa é enviada para a futura cidade na qual o circo irá

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erguer a lona para pesquisar aquela comunidade e descobrir seus gostos, costumes e preferências. Acerca de fazer a praça, Fernando Neves comentou:

Quando o circo tá numa praça, ele fica atrás de outra praça já, ou seja, em outra cidade. O que faz a frente não vai só alugar as casas... Vai cuidar da parte de produção mesmo, fechar algum patrocínio com alguma... Geralmente farmácia, mercearia, bar patrocinavam o ator que eles gostavam. E geralmente quem patrocinava os cômicos eram as cachaçarias e as lojas de moda, claro, patrocinavam as damas galãs, as ingênuas. Então não era só pra isso... Era pra entender também o que era aquela cidade. Se ali a gente era muito religiosa, se era uma gente muito conservadora, quem eram as figuras folclóricas da cidade, quem eram as pessoas que eram mais adoradas e as pessoas mais criticadas. E tudo isso ia pra cena. Quer dizer, já começa a olhar antes de chegar. Quando chega o terreno já tá pronto. Então esse olhar é um olhar de cumplicidade e um olhar de familiaridade que já tá pré-estabelecido com o ator, mas a plateia ainda não sabe. E o repertório vai ser escolhido... Se essa cidade é muito conservadora eu vou pegar uns dramas, falar mais da honra, da dignidade. Vou tirar as comédias de mais tiro, vou tirar as chanchadas, vou colocar mais os dramas bíblicos, religiosos. E daí eu já estou estabelecendo um diálogo como artista com esse público porque eu já sei exatamente o que ele quer35.

Então, finalmente é chegado o momento do circo se estabelecer na cidade e, durante toda a temporada, a pesquisa acerca dos hábitos daquela população continua e se aprofunda, pois o empreendimento circense não pode falhar: os circenses podem ter feito dez praças ótimas, mas uma única praça ruim é capaz de levar o circo à falência.

Dessa forma, o circo se insere nas cidades por onde passa, alterando todo o cotidiano daquela população. Inúmeras são as histórias de memorialistas, do tempo de circos como o Pavilhão Arethuzza, que narram as passagens de circos pelas pequenas cidades interioranas, o encantamento gerado pelas atrações, as recorrentes fugas com as companhias e as paixões despertadas pelos artistas:

As notícias sobre a proximidade da chegada de circos de cavalinhos ou de grupos de teatro ambulante enchiam as páginas dos jornais, publicados nas várias cidades, dias ou até semanas antes do acontecimento. (...) A chegada dos artistas transfigurava o ambiente e o cotidiano das pacatas cidades mineiras. Uma vez na cidade, faziam anunciar pelos jornais o elenco de peças a serem levadas à cena. Não deixavam de alardear o nome das pessoas importantes para as quais se haviam apresentado e os elogios que delas teriam recebido. As mulheres bonitas tornavam-se o comentário das rodas masculinas. As peças e os desempenhos dos artistas ocupavam parcela significativa dos pequenos jornais locais (...). A

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armação do circo despertava a curiosidade dos habitantes. (...) Talvez tão excitante quanto a primeira apresentação fosse o “cartaz”, nome que se dava ao anúncio da noite de estreia, feito ruidosa e alegremente, pelas casas e ruas. Os artistas iam de casa em casa, de venda em venda, descrevendo o elenco, os números de cavalinhos e cães, o cabrito equilibrista. Ao mesmo tempo, uma pequena banda precedia o palhaço, montado num cavalo ou num burro, assentado de costas para a cabeça do animal. (...) Sentado ao avesso – contrariando a ordem natural das coisas – ladrão de mulheres, maliciosamente esperto, portanto, e prestigiador dos meninos de canela suja, o palhaço liderava um evento que transfigurava as ruas da cidade (DUARTE, 1995: 32 a 35).

Acerca especificamente do Pavilhão Arethuzza, Santoro Junior descreve como se dava a relação do circo com a plateia, no final do século XIX, baseado nas informações retiradas das lembranças de Antônio das Neves, patriarca da família, em entrevista ao Jornal Folha da Noite em 1943:

Conta-se também que os atores que se destacavam na época mereciam o favor feminino de maneira bem viva e acalorada, as moças e senhoras, ao fim do espetáculo, estendiam seus casacos, mantilhas e chalés pelo chão, para que os atores preferidos passassem sobre eles. Era um verdadeiro delírio. Os homens ao contrário, atiravam ao picadeiro seus chapéus, para que as artistas apanhassem e os devolvessem. Era uma honra, e uma glória para o dono do chapéu. Em geral o picadeiro ficava cheio de ramos de flores que o público atirava (SANTORO JR., 1997: 18).

Na reportagem abaixo, do Jornal Gazeta de Campinas, de 27 de fevereiro de 1935 temos ainda outro exemplo da estreita relação que os circos estabeleciam com as cidades por onde passavam. A reportagem relata a homenagem que Arethusa Neves (chamada, no caso, de atriz genérica) recebeu de amigos e admiradores da cidade. O Pavilhão Arethuzza estava em Campinas há dez meses e nessa ocasião, ao final do primeiro ato da peça Sacrifício de Mãe, Arethusa foi presenteada com uma medalha de ouro. Em agradecimento, a atriz proferiu um discurso que, segundo a reportagem, arrancou lágrimas dos presentes.

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Figura 5: Jornal Gazeta de Campinas, que relata homenagem realizada à Arethusa Neves. 27/02/1935. Fonte: Arquivo pessoal de Antônio Santoro Junior.

Tantos anos depois, o circo continua despertando os mais diversos sentimentos no público e algumas companhias, como a do Circo de Teatro Tubinho, ainda são capazes de tirar centenas de espectadores, todas as noites, da frente das televisões e computadores de suas casas.

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E, na atual era tecnológica na qual vivemos, essa mesma manifestação de carinho pode ser encontrada diariamente, por exemplo, na página de relacionamento do Circo de Teatro Tubinho e dos seus artistas na internet. Através desse veículo, os fãs podem manter contato com os artistas, o que cria mais vínculos de proximidade entre eles. Uma das espectadoras, por exemplo, Rúbia Edinaldo, da cidade de Sorocaba escreveu a seguinte mensagem na página da companhia, seguida da resposta da atriz Ana Dolores:

Rúbia Edinaldo: Nunca pensei que fosse chorar no Circo do Tubinho, (bom,

penso que vou chorar no último espetáculo, porém, por ora, nem ouso pensar nisso ), mas hoje chorei, me emocionei... Que linda a encenação do espetáculo "Marcelino pão e vinho". Já havia assistido o filme e hoje, me senti dentro da história, vendo e vivendo cada personagem... Me encantando profundamente por aquele pequeno Marcelino, um menino lindo, um menino que "conversa" com Jesus... E os monges???!!! Que encanto!!! A sensação que tinha é que estava dentro de um sonho, um lindo sonho... (...) vocês fizeram meus olhos se encherem de lágrimas porque a emoção já não cabia mais dentro do coração e ela teve que sair em forma de lágrimas mesmo...

Ana Dolores: E eu me emociono quando sinto que nosso humilde trabalho

alcança o coração dos nossos amigos, que muitos insistem em chamar simplesmente de plateia! Com pureza no coração o meu mais singelo agradecimento!

Figura 6: Rúbia Edinaldo (ao fundo) e outras fãs prestando homenagem ao palhaço Tubinho no último espetáculo, Obrigado Sorocaba, da temporada de oito meses na cidade, em 2014.

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Os artistas circenses – assim como seus antepassados saltimbancos das feiras europeias – são, portanto, mestres na arte de se relacionar com o público, levando em conta os seus gostos e particularidades. Os artistas circenses são mestres na arte de agradar.

Este termo, que faz parte do vocabulário de qualquer circense e já mencionado anteriormente nessa dissertação, é comumente relacionado de forma mais direta à dimensão artística do circo; ou seja, a premissa básica que rege o espetáculo no circo é o fato de ele tem que, necessariamente, agradar:

Sim, porque o espetáculo do Circo-Teatro tem uma finalidade imediata: ele não é feito para ser avaliado pelos entendidos ou pelos críticos em colunas especializadas, nem para ser comentado nas mesas dos bares da moda, nem para ir figurar nos anais da história do espetáculo. Não: Ele é feito para agradar o público, para que este volte no dia seguinte e compre seu ingresso na bilheteria para possibilitar ao artista a compra de comida no dia seguinte... e assim por diante (SOFFREDINI, 1980 in BRITO, 2004: 36).

Ao entrevistar os atores do Circo de Teatro Tubinho, perguntei-lhes o que era

agradar. Destaco, a seguir, algumas das respostas obtidas, através das próprias palavras

desses artistas, que são os detentores desse saber e que podem, então, melhor do que ninguém, explicar o que o termo significa para eles:

Cristian Bryan (Tito):

Agradar é agradar o público mesmo. A gargalhada tem que ser espontânea e uma em cima da outra. Tem que ser muito rápido e agradar sempre, a toda hora, do começo ao fim36.

Morgana Lunardi:

Agradar é quando tem bastante aplauso na plateia. Quando aplaudem de pé então37...

Débora Ignácio:

É fazer as pessoas rirem muito. Quando dão muita risada, aplaudem muito, é porque agradou. Principalmente em cena aberta. Você faz a cena e para a cena por causa dos aplausos38.

Angelita Vaz:

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Cristian Bryan em entrevista concedida à autora em 18/11/2014.

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Morgana Lunardi em entrevista concedida à autora em 18/11/2014.

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O agradar... Assim, o nosso termômetro é o riso né. A referência do circo-teatro pro teatro é diferente. Por exemplo, se você vê no teatro o público assistir uma comedia, você vê o público rir, mas ele riem, dá um tempinho, riem de novo, dá um tempinho... entende? Tem uns pontos chaves. Aqui no circo não, pra gente o

agradar, a pessoa tem que sair com dor de barriga de tanto dar risada. Esse é o agradar pra gente, então a gente se preocupa muito com isso (...) Igual ontem,

aquela história que tava comentando com você. A comédia tava vindo bem, tava agradando, aí no meio do espetáculo veio uma piada que não agradou... Aí pareceu que deu uma esfriada. Mas se você for ver, não foi “Ah, derrubou o espetáculo”... Não, nada disso. É que a gente se cobra demais, mas foram alguns minutos em que as pessoas pararam de rir, o que é normal. Então o agradar nosso é esse termômetro. (...) E no drama o termômetro é o silêncio. Olha que engraçado, é o silêncio. Porque o circo é diferente do teatro. As pessoas que vem aqui não estão acostumadas a ir ao teatro. As pessoas que vem aqui são inquietas, elas saem pra comprar pipoca, no meio de um espetáculo dramático você escuta alguém abrindo uma latinha, alguém levantando, andando no meio nas pedrinhas do chão. E isso tira a atenção. Então quanto menos você ouve isso e chega no final você olha pra cara das pessoas e as pessoas tão chorando, aí a gente

agradou. Então a gente muda de extremo. Na comédia você tem que rir o tempo

inteiro e no drama quanto mais quieto ficarem, é o sinal que tá agradando. É muito engraçado isso39...

Pereira França Neto (Zeca/Tubinho):

Pra gente, a função do espetáculo tá em cima desse termo, agradar. O espectador, seja drama, seja comédia, seja infantil, o espectador tem que sair daqui e convidar mais vinte ou trinta pessoas porque ele adorou. Essa é a nossa busca. E esse termo agradar acho que resume bem. (...) E nosso espetáculo é popular, é feito com público e pro público, pensando no que o público quer ver. E é essa a assinatura do nosso trabalho. (...) Porque a gente precisa daquele público amanhã. Se o público vem ao circo vinte vezes e adora o espetáculo, ele vai falar pra cinco pessoas. Se ele vem uma vez e não gosta, ele vai falar pra duzentas pessoas, você pode ter certeza. Então, quer dizer, essa é a grande preocupação. Então, quer dizer, o espetáculo tem que funcionar. A cidade é pequena, trezentas pessoas falando é uma propaganda na Globo!(...) O agradar, então, é você sair de cena com a certeza de que aquele povo vai voltar. Entendeu? Acho que basicamente é isso. Sair de cena com a certeza que o cara falou assim “O ingresso que eu paguei valeu a pena”. Pra mim esse é o agradar40

.

Agradar pode ser pensado, de maneira superficial, como algo a ver com uma

relação de servidão do artista para com seu público, na medida em que este é responsável pela manutenção financeira do empreendimento. Porém, a arte de agradar é algo mais profundo e consistente, no sentido de estabelecer não uma relação de servidão, mas sim dizer respeito à dimensão de sacrifício e generosidade presente na concretização de uma obra de arte.

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Angelita Vaz em entrevista concedida à autora em 17/11/2014.

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Além de determinar os elementos empreendidos na dimensão artística do circo, a arte de agradar está por trás, também, de todas as ações pertencentes às dimensões ética e social do circo com a cidade onde arma sua lona. Enquanto empreendimento comercial, o circo necessita estabelecer boas relações com os moradores, os comerciantes e as autoridades da cidade onde se instala, pois

As informações que vêm de fora e a perspicácia para captar as preferências do público são fatores fundamentais para as companhias circenses. A sobrevivência dos circenses depende exclusivamente do espetáculo e de sua aceitação na cidade ou vila. Por uma questão de sobrevivência, o repertório está sempre se adequando aos indicativos captados com o publico (BOLOGNESI, 2013: 171).

Ou seja, todas as relações estabelecidas com a cidade são pautadas pela arte de

agradar e preparam as condições ideais para que o espetáculo também agrade. Assim

sendo, o espetáculo é apenas um dos diversos elementos que constituem a relação ritual que o circo constrói com a cidade onde se estabelece.

A arte de agradar pode ser compreendida, então, como o nomeador de um imenso conjunto de elementos estruturais do ofício circense. Dessa forma, num nível mais fundamental, o “espetáculo agradar” significa que algo, baseado numa relação de

consideração, de fato, se passou entre artistas e público. Consideração por parte dos

artistas que previamente investigam a praça na qual irão se apresentar, conhecendo-a detalhadamente de antemão e aprofundando a relação com a cidade ao longo da temporada; e consideração por parte do público, em função do reconhecimento de si mesmo no repertório escolhido e do entrosamento que os artistas e as obras estabelecem com a comunidade. Agradar é, então, um fenômeno de integração de desejos e necessidades de ambas as partes.

Lembrando Grotowski, se pensarmos que teatro é exatamente isso, é o que acontece entre ator e espectador, desejar agradar é desejar a real concretização do fenômeno teatral. E, nesse sentido, independente de escolas, gêneros ou linguagens, todo e

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qualquer ator deseja, em última instância, que o teatro realmente aconteça e, portanto, deseja agradar. Em entrevista, Tiche Vianna41 comentou:

Então eu acho que o agradar tem a ver com algo que acontece entre nós. Todo teatro quer agradar, não me venha com esse papo! Entendeu? Não me venha com essa conversa! (...) Claro que todo teatro quer agradar. Porque eu faço uma coisa pra que isso chegue em você, cause, atravesse, provoque... Como é que isso é não

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