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1. A TEATRALIDADE CIRCENSE

1.4 Uma das vertentes da teatralidade circense: o circo-teatro

Até meados do século XIX não há registros de companhias e espetáculos circenses em terras brasileiras. Porém, sabe-se que entre o fim do século XVIII e início do

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XIX, diversos artistas saltimbancos europeus chegaram ao país, sendo que a maior parte “não tinha nenhum tipo de vínculo ou contrato de trabalho e nem exibições em locais definidos”, apresentando-se, então, “nas ruas, esquinas e praças, exibindo habilidades físicas e destrezas com animais” (Idem: 53).

Dentre estes artistas, destaca-se na historiografia, o português Manoel Antônio da Silva que, após ter sido proibido de se apresentar na Casa da Ópera de Porto Alegre, alugou, em 1828, uma residência particular no Rio de Janeiro para a exibição de um único número: a dança sobre o dorso de um cavalo a galope (RUIZ, 1987; SILVA, 2007; ANDRADE, 2010).

Regina Horta Duarte (1995) e Roberto Ruiz (1987) afirmam que o primeiro circo de que se tem notícia em terras brasileiras foi o Circo Bragassi, em 1830. Já Erminia Silva aponta o ano de 1834 como marco da “chegada ao Brasil de um circo formalmente organizado, o de Giuseppe Chiarini” (SILVA, 2007: 58). Alice Viveiros de Castro também faz menção à nobre família de saltimbancos de Chiarini, porém afirma que a companhia viajou o país a partir de 1831. Independente desta pequena imprecisão de datas a respeito da chegada dos Chiarini, o fato é que chegava ao Brasil uma das maiores dinastias italianas de circo:

(...) os registros encontrados dessa família datam de 1580, na França, apresentando-se na feira Saint-Laurent como dançadores de corda e mostradores de marionetes; em 1710, o autor localiza-os no Funambules du Boulevard du Temple, como mímicos coreográficos; e, em 1779, Francesco Chiarini apresentava paradas de ombro chinesas no Kneschke‟s Theater de Hamburgo. Os Chiarini – dominando assim diversos ramos das expressões artísticas nas feiras, ruas e tablados – tornaram-se, posteriormente, artistas de circo: em 1784 no circo de Astley e, depois da Revolução, foram para Paris trabalhar com Franconi (Idem: 58 e 59).

Apesar dos Chiarini serem excelentes cavaleiros, somente em 1842 encontra-se a primeira referência a um circo equestre no Brasil, de propriedade do ator Alexandre Luand (Lowande seria a grafia correta) (Idem).

Em meados do século XIX, mantendo a versatilidade sempre característica do ofício circense, as companhias se apresentavam no Brasil nos mais diversos espaços: ruas,

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feiras, tendas, praças públicas, tablados armados em terrenos vazios e também palcos teatrais convencionais adaptados para as exibições circenses.

A novidade dessas expressões artísticas reunidas em um só espetáculo já ia se mostrando como presença marcante no cotidiano das cidades brasileiras. Rapidamente, os estalos dos chicotes dos circos de cavalinhos estavam nas ruas dos pequenos lugarejos, nos teatros das cidades e, principalmente, faziam parte da maioria das festas locais. A introdução de todo um mundo gestual, dos desafios dos corpos, da habilidade com os cavalos, da representação cênica, da dança, da música e do riso vai, aos poucos, fazendo-se conhecer pelo público nos lugares nos quais não chegava nenhum outro grupo artístico. (...) Os circos de cavalinhos estariam presentes, a partir da segunda metade do século XIX, na maior parte das cidades brasileiras, tornando-se, em alguns casos, a única diversão da população local (Idem: 66).

Em pouco tempo, o circo caiu nas graças dos brasileiros, das classes populares à elite. Na verdade, “o circo nasceu com arquibancada, geral e camarote28”, ou seja, faz parte de sua estrutura básica a inserção do público independente de sua classe social. Sabe- se, por exemplo, que até governantes como o Imperador Dom Pedro II e, posteriormente na República, o presidente Floriano Peixoto, frequentavam os circos. Os circenses atuavam como

(...) produtores e divulgadores dos diversos processos culturais já presentes ou que emergiram neste período, contribuindo para a constituição da linguagem dos diversos meios de produção cultural do decorrer do século XX. O espaço circense consolidava-se como um local para onde convergiam diferentes setores sociais, com possibilidade para a criação e expressão das manifestações culturais presentes naqueles setores. Através de seus artistas, em particular os que se tornaram palhaços instrumentistas/cantores/atores, foi se ampliando o leque de apropriação e divulgação dos gêneros teatrais, dos ritmos musicais e de danças das várias regiões urbanas ou rurais, elementos importantes para se entender a construção do espetáculo denominado circo-teatro (Idem: 82 e 83).

Mantendo a constante de se tratar de um espetáculo eclético, variado e sempre contemporâneo, no Brasil, o circo itinerante de lona manteve “alguns padrões próprios de sua tradição”, ao mesmo tempo em que os circenses “também renovaram, criaram, adaptaram, incorporaram e copiaram experiências de outros campos da arte” (Idem: 22).

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Declaração de Erminia Silva durante o curso “História do Circo” no Galpão do Circo, São Paulo. Agosto de 2013.

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Uma das adaptações e renovações empreendidas pelos circenses em terras brasileiras de maior sucesso foi o chamado circo-teatro. Porém, a maior parte dos estudos realizados sobre esta manifestação teatral apresenta uma argumentação extremamente esquemática, baseada em equívocos e informações desencontradas a respeito de datas, causas e desdobramentos. É só a partir do final da década de 1990 e início dos anos 2000 que surgem novas perspectivas acerca da teatralidade no circo, com pesquisadores como Mario Bolognesi e Erminia Silva.

O primeiro grande equívoco reside no fato do circo-teatro ser considerado por alguns pesquisadores como uma descaracterização do espetáculo circense “puro” e, por isso, a principal causa da decadência do circo no Brasil. Os pesquisadores que defendem esse ponto de vista tiveram como principal objeto de estudo os relatos de alguns artistas circenses que, por estarem inseridos no processo histórico em questão, não possuíam o distanciamento necessário para analisar a questão sem nenhuma identificação ou emotividade. Dessa forma, construiu-se uma memória baseada apenas nos relatos orais destes circenses, sem haver o cruzamento destas com outras fontes.

O debate a respeito do circo “puro” não é recente, tendo se iniciado ainda no século XIX; nem um pouco recente também é a afirmação de que o circo está em decadência: a cada mudança ou transformação vivida, fala-se em “morte do circo”.

O grande palhaço Arrelia, por exemplo, costumava dizer que ao inserir o palco sobre o picadeiro o circo-teatro descaracterizou o espetáculo “puro” (SOUSA JR., 2009). Já o mestre Piolin afirmava que o circo-teatro era uma desvirtuação porque os cômicos trabalhavam de cara limpa, não havendo espaço para a atuação de palhaços caracterizados (PIMENTA, 2005). Em seu livro O circo, o prestigiado Antolin Garcia afirma que o circo- teatro descaracterizou também a formação do artista circense, que deixa de ser “completo”, pois os circenses abandonaram progressivamente os números de destreza física para realizarem um teatro, a seu ver, de má qualidade:

(...) os circos passaram a apresentar um teatro precário, debaixo de suas lonas; as famílias tradicionais circenses pararam a prática de seus atos, comprimidas pelas exigências do teatro, que havia dominado o gosto e a opinião pública. Assim, foram-se extinguindo os magníficos números acrobáticos, para dar lugar a uma avalancha de maus atores, incompetentes e iletrados, que faziam do drama uma

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comédia e da comédia um drama. (...) Os artistas brasileiros de outros tempos eram completos desde o porte em cena à apresentação perfeita de suas habilidades. Embora se especializassem em determinados atos, conheciam ainda todos os demais exercícios praticados sob o toldo. (...) Parte dos atuais componentes, ao contrário de seus antepassados, corrompem a arte circense, apresentando-se ao público destituídos de valor, sem nenhum requisito que os recomende como dignitários [de uma arte] (GARCIA, 1968: 165 e 166).

Primeiramente, me atento ao fato de que só a ideia de “circo puro” já instaura uma contradição em termos, pois, como já ressaltado diversas vezes nesta pesquisa, o espetáculo circense é essencialmente plural, diverso e múltiplo, não podendo ser classificado como cultura popular, erudito ou de massa e, muito menos, como puro ou impuro.

Em segundo lugar, afirmar que não havia teatro anteriormente no espetáculo circense e que a sua incorporação rompeu com a tradição é desconhecer a própria história do circo “moderno”. A manifestação teatral era uma das matrizes de formação dos artistas das feiras que passaram a se apresentar nos circos e era também, portanto, parte constituinte da produção artística circense desde o seu nascedouro.

O circo-teatro deve ser visto, portanto, não como uma deturpação, mas sim como uma continuidade, acrescida de transformações, de parte do espetáculo circense. As já existentes representações teatrais foram aperfeiçoadas, com a inclusão e mescla de materiais e gêneros, e caíram no gosto do público. E, no circo, tudo o que agrada, permanece.

O segundo equívoco cometido comumente é a afirmação de que o circo-teatro é um fenômeno exclusivamente brasileiro. José Carlos de Andrade chega a afirmar que “a relação entre o circo e o teatro, como se deu entre nós, é uma característica genuinamente brasileira e não se tem noticia de que tenha havido algo semelhante em outras partes” (ANDRADE, 2010: 43). Devo destacar que movimentos similares ocorreram na Argentina (drama criollo) e México (BOLOGNESI, 2010), porém, apesar de apresentarem semelhanças e terem se originado da mesma fonte – as pantomimas – encontramos especificidades nas representações de cada um desses países.

O terceiro equívoco cometido comumente ao se contar a história do circo-teatro brasileiro diz respeito à data e ao modo como se deu a sua consolidação. Roberto Ruiz

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(1987) é categórico ao afirmar que o circo-teatro foi “inventado”, em 1918, no circo de Spinelli, por Benjamim de Oliveira e que Spinelli havia aderido a esta ideia de Benjamim como uma tentativa de vencer a crise financeira que o circo vivia, devido à Primeira Guerra Mundial e ao surto de Gripe Espanhola. Porém, veremos mais adiante que Benjamim foi o principal responsável pela consolidação da tendência já existente e que passou a se chamar circo-teatro, mas que não podemos creditar a ele a “invenção” deste (SILVA, 2007).

Regina Horta Duarte (2005) também enxerga o circo-teatro como uma alternativa à crise vivida pelos circos. Porém a autora afirma que isto teria acontecido no ano de 1910 devido ao surgimento de fortes concorrentes no mundo do entretenimento, como o cinema e o fonógrafo. Duarte também menciona a crise posterior causada pela Primeira Grande Guerra e a dificuldade dos circos em adquirir e manter os animais exóticos em terras brasileiras; e a autora também remete a consolidação do circo-teatro diretamente à figura de Benjamim de Oliveira.

Alice Viveiros de Castro (2005), que desenvolve um brilhante estudo situando os palhaços ao longo da história da humanidade, ao dissertar sobre o surgimento do circo- teatro nos apresenta apenas uma descrição simplista e esquemática dos acontecimentos, caindo também no lugar comum de creditar a sua invenção a uma vontade pessoal de Benjamim de Oliveira de encenar peças teatrais.

Daniele Pimenta (2005) e José Carlos Andrade (2010), assim como Roberto Ruiz, também nos apresentam a data de 1918 como o ano de surgimento do circo-teatro. E assim como Regina Horta Duarte, ambos os pesquisadores consideram a invenção como uma alternativa de incremento dos espetáculos das companhias que, no Brasil, não conseguiam manter os números com feras amestradas, grandes atrativos dos circos da época. Ambos os autores afirmam que muitas eram as despesas e as dificuldades em se trazer animais exóticos e mantê-los vivos nas precárias condições de manutenção e de transporte dos circos. As feras, mal alimentadas “(...) nas longas viagens em que dificilmente se encontrava carne fresca, não resistiam e, por fim, pouquíssimos circos mantinham a estrutura de circo zoológico, como eram chamados na época” (PIMENTA, 2005: 19). Por último, Pimenta também descreve a complexa formação e consolidação do

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circo-teatro apenas como uma “transformação estrutural”, com a inserção do palco teatral junto ao picadeiro.

Ao afirmar que Benjamim de Oliveira inventou o circo-teatro e foi o responsável por incorporar o palco ao espaço cênico do picadeiro, os autores mostram desconhecer diversos acontecimentos anteriores a este momento histórico – resgatados, principalmente, com a pesquisa de Erminia Silva, publicada em 2007 – como, por exemplo, o fato de que, muito antes de Spinelli, em 1875, Albano Pereira já utilizava o termo circo- teatro para definir e divulgar seu espetáculo. Além disso, nesse mesmo ano, Albano construiu um pavilhão29 na cidade de Porto Alegre, que contava com palco e picadeiro (SILVA, 2007).

Ao analisar mais profundamente a questão chego ao fato de que mesmo antes de Albano Pereira construir seu pavilhão com palco e picadeiro, era comum a representação dos espetáculos circenses em diversos espaços, inclusive em palcos teatrais. Desse modo, “não há como e nem se pretende definir origens. Albano Pereira fazia, sim, parte de um processo daquela produção, aproveitando-se dos saberes e práticas históricos e culturalmente disponíveis” (SILVA, 2007: 80).

E mais: se retornarmos ainda mais no tempo, veremos que já em 1780, na Europa, Hughes e, posteriormente, em 1794, Astley, já possuíam picadeiro e palco em seus anfiteatros (Idem).

Não devo, portanto, querer definir a origem do circo-teatro; devo entendê-lo como um dos variados desdobramentos que a teatralidade circense assumiu. Como expus anteriormente, as pantomimas eram encenadas nos circos modernos desde os seus primórdios. Eram representações pautadas, principalmente, nas habilidades e destrezas físicas dos artistas, utilizando-se de recursos como saltos, acrobacias, tapas e quedas (DUARTE, 1995). Ressalto, porém, que a incorporação destas habilidades era apenas um dos elementos constituintes das encenações que, com o passar do tempo, foram se

29O pavilhão era recorrentemente associado entre os circenses como “construções geralmente em madeira,

tábuas leves cobertas por lona transportáveis (diferente dos tipos de pau-fincado que ficavam nos terrenos), que possuíam um palco cênico junto com picadeiro ou arena” (SILVA, 2007: 141 e 142).

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transformando e se tornando cada vez mais sofisticadas, tanto em relação à estrutura dramatúrgica quanto aos recursos cênicos utilizados.

Desse modo, desde o final do século XIX, apesar de serem ainda denominadas genericamente como pantomimas pelos circenses, as representações mesclavam diversos textos, músicas e gêneros teatrais que estavam em voga no Brasil. Erminia Silva destaca:

O que se observa é que os circenses davam o nome genérico de pantomima às suas inúmeras montagens e representações teatrais. Na realidade, elas comportavam os vários gêneros musicais, dançantes, satíricos e cômicos que se produziam no final do século XIX. Por isso, ao incorporarem uma peça anunciada como pantomima, mas também “revista de costumes”, ao mesmo tempo em que davam continuidade a um modo de organização dos seus espetáculos, marcado pelas suas “heranças” (como suas origens de saltimbancos, os tablados e o teatro de feira), acrescentavam novas formas de interpretação e leitura (SILVA, 2007: 216 e 217).

Seguindo a linha de raciocínio desenvolvida por Erminia Silva, afirmo que não se pode definir precisamente a origem do circo-teatro e nem atribuí-la somente a Benjamim de Oliveira. Entretanto é inegável que este artista contribuiu significativamente para o estabelecimento e o desenvolvimento do gênero, o que torna incontestável sua importância na consolidação do processo histórico em questão (Idem).

A memória criada em torno da ideia de que Benjamim inventou o circo-teatro tem relação direta com o fato da crítica teatral da época ter passado a reconhecer, em suas encenações no circo de Spinelli, o surgimento de um novo momento da teatralidade do circo.

Benjamim atuava no circo como “ginasta, acrobata, palhaço, músico, cantor, dançarino, ator e autor de músicas e peças teatrais, assim como vários outros artistas daquela época” (Idem: 20). Ao incorporar e adaptar para o espaço circense elementos das produções musicais, literárias e teatrais do momento, Benjamim foi responsável, portanto, pela consolidação de uma tendência que já existia.

Em 1902 estreava no Spinelli a pantomima D. Antônio e Os guaranis (Episódio

da História do Brasil), que parodiava O Guarani, escrito por José de Alencar e considerado

um dos principais romances da nossa literatura. Através da divulgação da época tem-se a ideia da grandiosidade das pantomimas já nessa época: a encenação era composta por 22

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quadros, 70 pessoas em cena e 22 números de música. O Maestro João dos Santos compôs o arranjo, adaptado da ópera de Carlos Gomes para a banda da companhia circense, e a

mise en scène ficou aos cuidados de Benjamim de Oliveira, que também atuava como o

índio Peri (Idem).

A pantomima fez enorme sucesso junto ao público e permaneceu durante anos no repertório de peças do circo. Benjamim então se aventurou em novos empreendimentos e passou a escrever textos para serem encenados.

O primeiro deles, O diabo e o Chico, em 1906, pressupunha um investimento financeiro muito maior do que era destinado até então para as produções das pantomimas que, como mostrei anteriormente com a paródia de O Guarani, já se encontravam num alto grau de elaboração. Relatos apontam também certa resistência por parte dos circenses em montar este texto, pois alegavam ser difícil lembrar todas as falas sem o auxílio do ponto. Acerca desta questão, Erminia Silva destaca:

O fato de os circenses resistirem a representar a peça de Benjamim de Oliveira sem a ajuda do ponto reforça algumas análises (...); em primeiro lugar, a ideia de que mesmo que os cronistas teatrais da época não descrevessem no detalhe as representações das pantomimas, os circenses já representavam peças faladas em seus palcos/picadeiros e, por isso, havia necessidade de uma pessoa que cumprisse aquela função. Em segundo, a resistência no mínimo relativiza uma imagem presente nos estudos dos pesquisadores e historiadores do teatro brasileiro: a de que a partir da década de 1940 é que teria sido abolido o ponto, particularmente, com o trabalho realizado, no Brasil, por Zbigniew Marian Ziembinski. E, em terceiro, mesmo que o texto de O diabo e o Chico não tenha sido localizado, pode-se crer que já era uma estrutura dramática “de porte”, que dificultava que os atores memorizassem suas falas. Tudo parece indicar que foi Benjamim quem de fato assumiu todas aquelas funções, a de ensaiador, ponto e autor, o que não era raro acontecer nos teatros (Idem: 226).

Figura 3: Benjamim de Oliveira como Peri na pantomima Os guaranis.

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Com o sucesso de O diabo e o Chico, Benjamin escreveu e encenou, em 1907,

O negro do frade, que tratava da união de uma mulher branca e um homem negro, tema

polêmico já amplamente explorado e cantado nos lundus e modinhas da época.

O sucesso e a qualidade artística dos espetáculos de Benjamim no circo de Spinelli foram tamanhos que estes passaram a ser reconhecidos, não só pelo público, como também pela crítica teatral. No mesmo ano de 1907, Arthur Azevedo, que havia escrito anteriormente duras críticas aos espetáculos circenses, publicou uma crônica30 em que reconhece

(...) um “novo” momento da produção do entretenimento na capital federal, e que o circo-teatro de Benjamim e Spinelli era um elemento singular nesse processo, além de “autorizar” por meio do seu texto (de um intelectual, membro da elite cultural, com lugar na Academia Brasileira de Letras, e dramaturgo revisteiro de sucesso), os outros letrados a “verem” uma nova teatralidade no circo. (...) A construção da memória do papel que Benjamim de Oliveira teria na consolidação de um novo modo de organizar o espetáculo e, principalmente, na construção do circo-teatro, entrava num outro patamar de visibilidade. Os jornalistas e letrados da capital federal tinham “descoberto” a teatralidade circense através da figura de Benjamim em especial. Foi com ele que puderam entrar em contato com uma dada representação teatral, no palco/picadeiro circense, que passaram a identificar como uma produção cultural de importância por seu apelo ao público, pelos tipos de peças constituídas e, mesmo, pela boa qualidade em relação ao desempenho artístico (Idem: 230 e 236).

A crítica de Arthur Azevedo abriu caminhos para o teatro realizado no circo e parte da bibliografia reconhece a montagem da opereta A viúva Alegre, de Franz Léhar, adaptada para o palco/picadeiro do Spinelli por Benjamim de Oliveira, em 1910, como um marco importante na consolidação do circo-teatro.

A montagem, considerada ousada para a época, foi concebida com cenários e figurinos extremamente sofisticados e um apurado trabalho de atuação e musicalidade. Com relação aos figurinos, por exemplo, Benjamim chegou a escrever uma carta para o autor Franz Léhar para discutir todos os detalhes das indumentárias concebidas para seu espetáculo, que se diferenciavam consideravelmente das outras montagens já realizadas no Brasil (CASTRO, 2005).

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Em “Circo-Teatro: Benjamin de Oliveira e a Teatralidade Circense no Brasil”, de Erminia Silva (2007), encontramos a crônica na íntegra.

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O empreendimento de risco – pois tratava-se da representação, no circo, de uma

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