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RELAÇÃO FORMAÇÃO INICIAL E A PRÁTICA VIVENCIADA

5 INGRESSANTES NA DOCÊNCIA E SUAS IMPRESSÕES SOBRE O

5.2 RELAÇÃO FORMAÇÃO INICIAL E A PRÁTICA VIVENCIADA

Após caracterizarmos o perfil dos professores recém-formados que participaram da pesquisa, partimos para questões referentes ao desenvolvimento da atividade docente, assim como o processo de inserção profissional; para isso, construímos 11 questões que tratam dessa temática.

Inicialmente, questionamos os professores acerca da transição ocorrida da passagem de aluno a professor, isto é, quando o professor deixa de ser aluno, conclui a graduação, e passa a exercer o papel de docente. Para os professores participantes, essa transição foi vista como um desafio, pois 21 de 34 professores, que compreende cerca de 62%, afirmaram ser esse processo desafiador e revelaram ter os sentimentos de insegurança e medo, como exemplificam as falas a seguir:

Um período de muita insegurança e descoberta da nova experiência (P 23). Desafiador, romper com a barreira de estudante e se tornar de fato um profissional. Sempre é difícil fechar ciclos e ainda mais o ciclo de estudos e rotina escolar que temos desde a infância. Fechar essa etapa e tornar-se de fato um profissional é uma sensação de finalmente torna-se um adulto/profissional (P 03).

A fala da participante 23 revela os sentimentos de insegurança e descoberta, que por sua vez evidenciam dois aspectos referentes à esta fase de entrada na

carreira: a “sobrevivência” e a “descoberta”, de acordo com os estudos de Huberman (2000).

A primeira é um estádio denominado “sobrevivência”, em que é caracterizada pelo confronto inicial com a realidade encontrada nas salas de aulas, no sentido de ver uma certa distância do que se considerava ideal e o cotidiano da prática. Já o outro refere-se ao aspecto da “descoberta”, o qual reflete a empolgação inicial, a vivência do novo, “por estar, finalmente, em situação de responsabilidade (ter a sua sala de aula, os seus alunos, o seu programa)” (HUBERMAN, 2000, p. 39).

Já para os demais professores, 12 do total, correspondente a 35%, ao serem questionados sobre sua transição de aluno a professor, responderam ter sido ocorrida de forma natural, visto que haviam passado por experiências que os aproximavam da realidade de sala de aula, como os programas de iniciação à docência18. Mas também,

os estágios obrigatórios e não obrigatórios, como demonstra a fala da participante P 10: “Ocorreu de maneira tranquila. As experiências na universidade (bolsa de iniciação

à docência, extensão etc.) contribuíram para que eu chegasse em sala de aula com confiança.”

Em relação a como esses professores foram recebidos pelas instituições escolares, à pergunta “no seu primeiro ano de docência, como você foi recebido(a)

pela instituição de ensino?” obtiveram-se respostas, que em sua maioria (27

participantes), revelaram terem sido recepcionados pelas escolas de forma positiva, como afirma participante P 16: “Fui bem acolhida e orientada sobre meus deveres de

educador”.

No entanto, apesar de serem bem recebidos na instituição, o professor iniciante vivencia situações que envolvem a desmotivação dos professores mais experientes, em que podemos verificar nos depoimentos a seguir:

Fui bem recebida, mas alguns docentes em final de carreira dificultam, porque estão desmotivados, desvalorizados e discorrem: "Vá devagar a escola é pública". Com isso, o docente iniciante não pode desanimar, nem tão pouco deixar a sua formação continuada” (P 13).

Bem, apesar dos professores com anos de experiência a mais acharem que são os donos de todo o saber e acabam sendo receosos em novas práticas (P12).

18 Como por exemplo, o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), que tem por

objetivo aproximar os discentes das licenciaturas com o cotidiano prático das escolas públicas de educação básica.

A falta de acolhimento por parte dos professores mais experientes acarreta angústias e o sentimento de isolamento nos professores iniciantes, assim como influencia na sua motivação e falta de interesse pelo trabalho. A fim de solucionar essa problemática, Cunha (2012, p. 145) defende que “as instituições de ensino devem demandar um professor que estabeleça diálogo com seus pares, que busque planejar coletivamente, que consiga expor e debater as suas condições de ensino”, isto é, que haja uma troca entre os professores com mais experiências e os professores iniciantes.

E quando questionados a respeito de sua inserção na escola, no sentido de a instituição ter desenvolvido alguma ação ou programa, 70% dos professores (24 dos 34 respondentes) apontaram a não realização de ações ou programas para sua inserção à docência.

Para Marcelo Garcia (2008, p. 55), “a maneira como o período de inserção é abordado tem uma importância transcendental no processo de se tornar um professor, seja em um iniciante frustrado ou, pelo contrário, em um professor adaptável”19, sendo

assim percebe-se a importância de se terem ações/programas que insiram o professor no ambiente escolar, e que aos poucos possibilite, de forma menos impactante, o seu adentrar na cultura escolar.

Ainda, os demais dos participantes, 7 deles, informaram ter havido ações do tipo formações pedagógicas, apresentação da equipe escolar e da estrutura física da escola, bem como a metodologia de ensino concebida pela instituição; o restante dos professores, 2 do total, afirmaram ter sido realizado as formações e reuniões que já ocorrem tradicionalmente nas escolas, como a semana pedagógica no início de cada ano letivo, por exemplo.

Um dos grandes desafios da iniciação à docência, encontra-se na relação dos conhecimentos teóricos visualizados durante a formação inicial e a prática a vir ser vivenciada, pois

a relação entre teoria e prática rompe com o princípio da causalidade linear, tendo em vista que no processo de construção de conhecimentos a teoria

19 Tradução livre de: “La forma en que se aborde el periodo de inserción tiene una importancia

transcedental en el proceso de convertise en un profesor, ya sea en un principiante frustrado o por el contrario en un profesor adaptativo” (MARCELO GARCIA, 2008, p. 55).

reflete a prática da qual se origina e à qual retorna, em um movimento dialético de ação/reflexão/ação. É um diálogo complexo, no qual são mobilizados de forma mesclada os conhecimentos, as concepções de educação, as experiências, crenças e vivências de cada um. (UFRN, 2017, p. 29).

Desse modo, realizamos a seguinte questão aos professores: “para a

realização do seu trabalho cotidiano, você recorre aos conhecimentos teóricos vistos na formação inicial?”, apenas 3 professores dos 34 participantes responderam “não”

recorrer aos conhecimentos teóricos, por sua vez a maior parte (cerca de 91% dos participantes) respondeu “sim”. É dizer que os professores recorrem em seu cotidiano aos conhecimentos teóricos que foram estudados ao longo do curso de Pedagogia, e que esses servem de base para a sua prática pedagógica.

Já que grande parte dos professores afirmaram recorrer as teorias estudadas na formação inicial para a realização do seu trabalho, com o intuito de saber como os recém-professores articulam os esses conhecimentos teóricos com a prática vivenciada, os interrogamos: “como se deu a relação dos conhecimentos teóricos

vistos no curso de Pedagogia e a prática vivenciada?”.

Esse questionamento nos possibilitou respostas que se dividem em duas categorias: os professores que compreendem existir uma disparidade entre a teoria e a prática vivenciada; e, os professores que entendem a teoria vista na graduação como relevante para a sua prática. O Participante 01, nos chama atenção quando afirma que em seu primeiro ano de docência, recorrer aos documentos e teóricos estudados foi um exercício constante, e que atualmente já consegue ver teoria e prática imbricadas.

Como professora da Educação Infantil, buscar os documentos e os teóricos estudados foi um dos exercícios constantes no primeiro ano docente. Hoje, já consigo ver a teoria permeando a prática, no começo me senti bem perdida (P 01).

Há ainda, depoimentos de professores que não conseguiram integrar a prática e a teoria estudada na formação inicial, seja pelo fato de trabalharem em instituições que se fecham em sua própria metodologia de ensino, seja devido aos livros didáticos que tolhem a prática do professor. Uma vez que se é exigido que ele “bata de capa a capa” o livro, não oportunizando, assim, a autonomia do professor de abordar os conhecimentos abarcados na graduação.

Em contrapartida, alguns deles revelaram a distância que há entre o que se aprende na formação inicial e o que se vive na prática de sala de aula, além da ausência de conteúdos fundamentais para a prática pedagógica, no sentido de ensinar assuntos que perpassem a gestão da sala de aula, a indisciplina dos estudantes, a relacionamento com os demais atores que compõem a escola. Como colocam os participantes 27 e 26:

A realidade é que no chão da escola a prática é, muitas vezes, distante do que vemos na sala de aula da faculdade (P 27).

O saber fazer da sala de aula é pouco contemplado pela formação, uma vez que nossos próprios formadores erram a mão ao nos instrumentalizar para a docência. Ensinar componentes curriculares, estabelecendo relação currículo-didática é tarefa complicada quando a formação para o ensino não parte de um referencial comum. [...] A gestão da sala de aula também é pouco discutida: como organizar os tempos e espaços de ensinar? A didática está dando conta de tudo? Na prática percebemos esse refinamento e ficamos refém das orientações institucionais quando existem (P 26).

A fala do participante 26 evidencia a carência de se abordar questões/conteúdos que sejam voltados à realidade da sala da aula durante a formação inicial. De acordo com o estudo realizado por Gatti (2010, p. 1372), acerca dos currículos das licenciaturas em Pedagogia de todo o país, observou-se nas ementas

um evidente desequilíbrio na relação teoria-prática, em favor dos tratamentos mais teóricos, de fundamentos, política e contextualização e que a escola, como instituição social e de ensino, é elemento quase ausente nas ementas, o que leva a pensar numa formação de caráter mais abstrato e pouco integrado ao contexto concreto onde o profissional-professor vai atuar. Compreendendo a existência dessa lacuna e por entender que a monografia é um trabalho inacabado, essa fase de transição entre ser aluno e ser professor merece estudos mais aprofundados.

Nessa perspectiva, perguntamos aos professores iniciantes como eles percebem a importância/contribuição da formação inicial para o seu ingresso na docência. Como respostas, cerca de 88% dos professores participantes da pesquisa expressaram a relevância que se tem a formação inicial, essa por sua vez é compreendida por eles como base para o exercício da profissão. Podemos destacar as seguintes expressões:

De fundamental importância, principalmente os estágios supervisionados e os remunerados. Que juntos unindo teoria e prática, desde a graduação, fazem grande diferença quando entramos no mercado de trabalho (P 03). Não seria metade da profissional que sou hoje sem a formação inicial. Muitos dizem que nascem com o dom de ser professor. Eu não nasci, tornei-me professora com os aprendizados no curso, dediquei-me na intenção de contribuir para uma educação de qualidade (P 07).

É imprescindível a formação inicial para ministrar aula, pois contribuiu de maneira significativa, os conhecimentos teóricos adquiridos ao longo do curso de Pedagogia são essenciais para a prática docente (P 14).

Porém, de encontro ao que a maioria afirma, a fala do participante 01 denota ser a formação inicial insuficiente, no que lhe diz respeito a preparação para as situações cotidianas de sala de aula. Para ele, “na graduação não somos preparados para a realidade e/ou situações cotidianas que vamos encontrar. Para lidar com pais, crianças e o conhecimento nunca estamos cem porcento preparados. Por isso, precisei da formação continuada.” Verificamos, com base na questão anterior, que a temática que diz respeito a teoria vista na formação inicial com a realidade da prática encontrada é retomada mais uma vez.

Nesse viés, podemos inferir de acordo com Pimenta e Lima (2006, p.6) que o curso “não fundamenta teoricamente a atuação do futuro profissional nem toma a prática como referência para a fundamentação teórica. Ou seja, carece de teoria e de prática”.

Na fala do participante P 03, encontramos um elemento importante para a iniciação docente: os estágios. As experiências de estágio, seja ele obrigatório ou não – dependendo da sua forma de abordagem – são ricas em aprendizados para os educadores em formação. É nesse momento, que na maioria das vezes, acontece o primeiro contato dos alunos graduandos com a realidade da sala de aula, ou o primeiro momento com a observação das práticas pedagógicas de um profissional atuando em seu local de trabalho.

Ademais, os estágios curriculares nas licenciaturas ocorrem ao mesmo tempo em que as teorias vêm sendo estudadas, o que por sua vez possibilita os estudantes a fazerem articulações ou referências com a aproximação da realidade encontrada, dado que “para aprender, os professores precisam usar exemplos práticos, materiais

como casos escritos, casos multimídia, observações de ensino, diários de professores e exemplos de tarefas dos alunos”20 (MARCELO GARCIA, 2008, p. 23).

À vista disso, entendemos o estágio como uma “atividade teórica de conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção na realidade” (PIMENTA; LIMA, 2006, p.14), em que não há a separação da teoria e prática, essas são pensadas de forma imbricadas no processo que perpasse a experiência dos estágios. Pois, ainda de acordo com as autoras, os estágios não devem ser reduzidos a uma mera observação de professores em sala de aula e, por conseguinte, passar a reproduzir suas práticas.

Já quando indagados a respeito “em quem você se espelha para a realização

do seu trabalho docente?”, os professores respondentes disseram se espelharem nos

antigos professores da graduação, ou dos professores do ensino básico. Assim como, em colegas de profissão com mais experiência, visto que “[...] o compartilhamento de

ideias e ações positivas, reforça o bom fazer docente, desse modo me espelho em minha própria equipe, buscando o aprimoramento das práticas” (P 15). Podemos

destacar, ainda, o depoimento a seguir:

Não tenho alguém em específico. Minha equipe de trabalho me inspira todos os dias, desde o meu segundo período da graduação. Alguns professores da Universidade também me inspiraram. Outros me deram o modelo do que não queria ser. Acho que nesse caminho a gente vai retendo o que é bom de cada um que cruza nosso caminho e assim segue crescendo e amadurecendo no fazer docente (P 08).

Evidentemente, ao longo da formação acadêmica inicial nos deparamos com diversos profissionais, principalmente nos estágios como remeteu os depoimentos da questão anterior. Como escreveu o participante 08, aprende-se com os professores pelos quais tivemos contato e colegas de profissão; e esse aprender também é no sentido de como não vir a ser. O fazer docente está relacionado com as experiências de outros “fazeres docentes”, pois “ao longo da carreira, os professores vão se

20 Tradução livre de: “[...] para aprender, los profesores necesitan utilizar ejemplo prácticos, materiales

como casos escritos, casos multimedia, observaciones de enseñanza, diarios de profesores y ejemplos de tareas de los alumnos” (MARCELO GARCIA, 2008, p. 23).

formando e se (trans)formando, tendo presentes as demandas da vida e da profissão” (GABARDO; HOBOLD, 2011, p. 94).

De acordo com Tardif e Raymond (2000), o início da prática docente é permeado por desafios, em que os professores se sentem mal preparados para atuar profissionalmente, sobretudo ao enfrentar condições de trabalho difíceis. E como solução à essa problemática recorrem a outra fonte de aprendizagem do trabalho que é “a experiência dos outros, dos pares, dos colegas que dão conselhos” (TARDIF; RAYMOND, 2000, p. 230).

É dizer que sua práxis pedagógica, incialmente, estará impregnada de outros fazeres docente. Portanto, diante desse contexto, “o saber profissional está, de um certo modo, na confluência entre várias fontes de saberes provenientes da história de vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores educativos, dos lugares de formação etc” (TARDIF; RAYMOND, 2000, p. 215).

Vimos, então, a contribuição que a formação inicial tem para o exercício da docência, sendo, dessa forma, colocada como a base para o desenvolvimento profissional. Acreditamos também que a formação continuada tem papel fundamental na construção desse desenvolver profissional, como coloca a participante P 13: “a

formação inicial não abarca tudo, daí a importância da formação continuada”.

A autora Anaide Trevizan (2008, p. 60) corrobora no sentido de que “a formação inicial não basta para garantir ao professor todos os conhecimentos necessários para enfrentar os desafios de seu trabalho”, é necessária uma aprendizagem continuada, que possa ser entendida como uma formação ao longo da vida.

Ao serem questionados sobre a participação em alguma formação continuada durante os primeiros três anos de inserção à docência, 25 professores (correspondente a 73%) afirmaram ter realizado, ou estar realizando, alguma formação continuada, seja ela ofertada pelas instituições de ensino, seja por conta própria, o que na maioria dos casos são especializações.

5.3 SITUAÇÕES REVELADAS PELOS RECÉM-PROFESSORES NO PRIMEIRO

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