• Nenhum resultado encontrado

RELIGIÃO E SUAS RELAÇÕES COM A COMIDA

No documento Download/Open (páginas 82-110)

Segundo o Oxford English Dictionary, a Etimologia de religião (religion) é

duvidosa, embora autores modernos se inclinem pelo significado de ligação com o

divino, pela força sugestiva.

As religiões, pretendendo conduzir o homem para sua felicidade última em

Deus, orientam-no em diversos aspectos de sua vida terrena para atingir esse fim e,

frequentemente, regulam também o que deve/não deve comer, quando e como etc.

Na culinária, como em tantos outros aspectos da vida, é na religião que

vamos encontrar, frequentemente, as origens de hábitos (ou tabus) alimentares,

rituais etc.

Em Montanari (1998), encontramos um sugestivo texto sobre os primórdios de

banquetes com função religiosa:

Desde a época suméria (terceiro milênio), o ofício em homenagem aos deuses comporta uma oferenda alimentar. Assim, Gudéia (por volta de 2.100 a.C.), príncipe da cidade de Lagash, ao inaugurar o templo que mandara construir para o deus Ningirsu (e onde este passou sua primeira noite), manda lhe servir, ao despertar, carne de vaca e de carneiro, pão fresco, leite, cerveja e vinho.

Este ofício alimentar oferecido aos deuses é uma das características do culto da Mesopotâmia e dá origem à cosntituição de uma categoria especial de empregados ligada ao templo, a dos prebendados. Trata-se de artesãos especializados na preparação da comida: cervejeiros, padeiros e pasteleiros, açougueiros, queijeiros, etc., que recebem da administração do santuário os produtos alimentares brutos e são encarregados de preparar os pratos apresentados às estátuas dos deuses. Eles recebem uma retribuição – às vezes uma parte dos produtos, com que podem ficar – e têm direito a alguns pedaços da mesa divina quando se procede à redistribuição. O ofício que devem executar é definido segundo o calendário litúrgico, e um cervejeiro será então proprietário de uma ―prebenda‖ (isqu) de um mês de ofício junto a esta ou aquela divindade. [...]

Na realidade, podemos distinguir duas tradições de banquetes de que os deuses participam: aqueles em que eles festejam entre si, a exemplo do que é evocado nos textos mitológico-literários, e aqueles em que a refeição conta com comensais ―divinos‖ e ―humanos‖ ou, então, reúne o rei e uma parte de sua corte e do clero; este é o caso de alguns rituais do império hitia na Anatólia, da cerimônia do coroamento real e da takultu3 na Assíria...

Os dois aspectos essenciais do banquete na Mesopotâmia são mesmo a reunião de um grupo que celebra sua solidariedade e a realização e um cerimonial já muito elaborado. Reunindo os deuses, a corte real ou particularidade, os comensais, sentados no chão ou em cadeiras, são, geralmente, separados em grupos distintos, o que revela a hierarquia onipresente, e a comida e a bebida circulam entre eles, originando uma troca de cortesias. Quando o consumo de bebidas alcóolicas é um dos elementos essenciais do banquete, pede-se que os convidados bebam com moderação. Para quem o organiza, o banquete é uma maneira de manifestar riqueza e fausto. Este aspecto pomposo, assim como rígida etiueta que preside à refeição, culminam nos banquetes neo-assírios, pelo que se depreende dos textos ou das representações figuradas (p. 64 e 65).

E Lourdes Hernández, renomada cozinheira e autora mexicana, já há anos

radicada em São Paulo, onde promove recepções em sua casa, diz em sua

coluna:

Desde que Eva deu a primeira mordida transgressora, a comida ordinária virou uma extraordinária história. Mitologia, acasos e obsessão fizeram do ritual da alimentação uma espécie de tabu. História paralela à evolução desse primata predador que, obrigado a abandonar o bosque, desce à savana e bate de cara com a necessidade não só de procurar alimento, mas também de armazená-lo. (FSP, 26-05-11, http://www1.folha.uol.com.br/fsp/comida/co2605201106.htm).

Também Lima et al, 2009 chamam a atenção para a importância da

alimentação nas religiões; o cuidado que elas têm para evitar o descaminho de seus

seguidores

pela

inadequada

comida

(http://www.revistaespacios.com/a09v30n04/09300412.html, acesso em 22-03-12).

As regras alimentares servem como rituais instauradores de disciplinas, de técnicas de autocontrole que vigiam a mais insidiosa, diuturna e permanente tentação.

Domá-la é domar a si mesmo, daí a importância da técnica religiosa dos jejuns, cujo resultado também permite a obtenção de estados de consciência alterada propícios ao êxtase. As regras disciplinares sobre alimentação podem ser anti-hedonistas, evitando o prazer produzido pelo alimento tornando-o o mais insípido possível, ou podem ser pragmáticas, ao evitar alimentos que sejam demasiadamente ‗quentes‘ ou ‗passionais‘.

Os herbários medievais identificavam em diversos alimentos, tais como as cenouras ou alcachofras, fontes de excitação sexual. As regras budistas eliminam até mesmo a cebola, a cebolinha e o alho, por considerarem que essas inflamam as paixões. (1993, p.119).

Assim, uma prática comum a diversas religiões é o jejum, que, hoje em dia,

pouco se costuma praticar e a que NH dedica em ―Não é Sopa‖ o capítulo sobre

Jejuns e Festas:

Na quaresma, o jejum, e, para compensar, uma overdose de chocolate na Páscoa para ninguém botar defeito.

Sempre tive a nostalgia de festas sagradas mais ascéticas, sentimento religioso mais profundo, em que se desse mais importância ao que se tem.

Comprei para o meu neto Pedro, de três anos, um coelho vivo, de verdade, cercado de cenouras, arauto da fertilidade, do renascimento, pensei que era um bichinho frágil e que logo morreria de morte morrida. Mas, não. Mora num buraco no jardim, acaba com as plantas, como um desesperado, e vive em briga cerrada com o neto que queria imóvel e de pelúcia. O menino segura o bicho pelas orelhas, quando consegue, leva-o até a porta do forno e murmura entredentes: ―Vou fazer um bom churrasco e comer você inteirinho...‖. Nada menos pascoalino e cristão. Não deu certo, tive de voltar aos chocolates.

Lembro-me de uma vizinha portuguesa que me ensinava que o verdadeiro e único modo de se comer uma barra de chocolate era dentro do pão. Como variante, pão, chocolate e uvas. Parece estranho? Experimentem. Pode ser o pão francês, ou pão doce, tanto faz. E, se o pão for mais suave, o chocolate deve ser amargo.

Na Inglaterra comi chocolate com pimenta, poivre rose, que é mais fragrante do que picante. Temos o hábito de associar especiarias, como coentro, mostarda, pimenta, à comida salgada. Por quê? Muitas vezes um doce pede pimenta, na Tailândia comem as frutas polvilhadas de açúcar com pedacinhos de pimenta vermelha, fresca, o que dá uma enorme graça aos morangos, por exemplo.

Quem já experimentou melão com uma rodada de moedor de pimenta-do-reino, como entrada?

Mas, voltando ao chocolate, façam um sanduíche de pão de miga, chocolate derretido e pimenta-do-reino verde. É um casamento talhado no céu.

Se alguém quiser se exibir um pouco na Páscoa, sem precisar entrar num curso de bombons, com suas formas de coelhos de orelhas quebradiças, experimente esta trufa vergonhosamente fácil... (p. 199).

De um ponto de vista do fundamento antropológico, no cristianismo clássico

(em um S. Tomás de Aquino, por exemplo) o jejum é visto, antes de mais nada,

como uma forma de restabelecer o controle do espírito sobre as indevidas

pretensões do corpo; um modo de subjugar as forças instintivas e pô-las a serviço

da auto realização do homem. Nesse sentido, na tradição ocidental, a rigor, a

obrigação de jejuar até antecede o âmbito religioso, instalando-se mesmo no campo

da ética.

Josef Pieper, o mais autorizado intérprete da antropologia da tradição cristã,

estabelece o sentido fundamental da virtude cardeal da temperança: não se trata de

modo algum que o prazer seja ruim ou em si pecaminoso; o prazer (e a matéria, o

corpo e a comida) são bons, foram criados por Deus; o pecado é a desordem:

desviar o prazer da ordo estabelecida pelo Criador. E assim resume o princípio

fundamental do cristianismo nesse campo: As forças da auto realização são as

mesmas da autodestruição (tudo se trata de um problema de boa orientação):

E o sentido da quarta virtude cardeal, da Temperança, é precisamente a realização da ordem interna da pessoa. Mas tudo isto ainda está formulado de maneira excessivamente inofensiva: ainda nem se manifestou o caráter extraordinário, ou melhor, até mesmo misterioso da virtude da Temperança. Trata-se, na verdade, de que justamente as forças do ser do homem orientadas por natureza para a autoconservação, aperfeiçoamento e realização, são aquelas mesmas forças que podem também desnaturar-se para a autodestruição. Todas elas e, talvez, somente elas. A sexualidade é apenas uma dessas forças e é dela que menos se precisa falar especificamente, na medida em que o cristão entenda que a castidade não visa à repressão da força sexual mas a defender-se da autodestruidora perversão dessa força. Como também, naturalmente, nem o prazer nem a reta afirmação de si parecem condenáveis ao cristão (As virtudes cardeais revisitadas, acesso http://www.hottopos.com/isle11/95-101Pieper.pdf, 20-04-2012).

NH começa por agudamente indicar esse aspecto antropológico, ―natural‖ do

jejum:

NADA COMO um bom jejum para nos fazer levitar. Subir aos céus. Nestes tempos laicos, só fechamos a boca para emagrecer.

Quem tem saudade do jejum? Ninguém se lembra, com certeza. Pois as donas-de-casa da Idade Média (já tinha dona-de-casa?), acabadas as farras e as bebedeiras dos festivais de inverno, como o nosso bom Carnaval, mal espalhavam as cinzas na cabeça, começavam o jejum de 40 dias. Nada de bolos, biscoitos, doces e bebidas alcoólicas.

No máximo um peixe com legumes, e o organismo ia se limpando dos excessos do ano. E os pescadores se rejubilavam, pois era época de mares calmos e peixes gordos.

07, http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1503200726.htm ).

Assim, a Igreja ao proclamar os jejuns e a abstinência de carne na Quaresma,

une esse aspecto natural do jejum à penitência que acompanha os 40 dias que

Jesus jejuou no deserto e aos sofrimentos de sua paixão. NH comenta a abstinência

de carne e outros interessantes aspectos dessa prática, hoje tão esquecida e quase

incompreensível para as novas gerações. E nem todos no catolicismo têm a visão

de que os prazeres em si são bons; há muito maniqueísmo no cristianismo, o que

leva a considerar o prazer pecaminoso ou ao menos suspeito (―Experimente esta

torta, que está um pecado!!‖)

São Tomás de Aquino definia como carne tudo o que vinha de animais de sangue quente que viviam e respiravam na terra. Os peixes, da água, tinham sangue frio e não eram carne. Roma, gulosa, custou a aceitar o jejum. Foi o papa Gregório 1º que decretou jejum total durante 40 dias. Nada de carne nem de laticínios, nem de ovos, o que balanceava e equilibrava a comilança do ano.

Os jejuns variavam através das épocas e dos lugares. O que não variava era a eterna safadeza dos homens para burlar as regras. A série de truques não tinha fim. Os fiéis vacilavam, como era difícil!!! Alguém conta que na cozinha do mosteiro de Alcobaça, em Portugal, passava um braço de rio. Alguns frades espertos, valendo-se da ignorância ou conivência dos outros, jogavam ao rio porcos e vitelos que eram pescados na cozinha, todos se espantando com os tipos estranhos de peixes da época. E papavam todos.

Os lagartos foram estudados e repensados. E as espécies que subiam em árvores de vez em quando caíam do galho dentro d" água e eram imediatamente taxadas de peixe. Não só a carne era motivo de discussões infindáveis. A bebida também. Primeiro foi o chocolate. Os espanhóis, ao chegarem ao México, se encantaram com a bebida energizante e reconfortante. Afinal, chocolate era bebida ou comida? Vários papas deram seu parecer, mas quem ganhou a parada foram os jesuítas, que monopolizavam o mercado de cacau do Novo Mundo e lucravam com isso. Resolveram que chocolate podia.

Muito recentemente, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias teve outra dessas discussões, pois recebeu uma revelação que proibía o uso de bebidas quentes, logo, do café e do chocolate. Mas e se os bebessem frios? Os muito rígidos, dentro da mesma seita, acharam de proibir também a Coca-Cola por causa da cafeína. O que ficou na mente de muito europeu católico foi a implicância contra o bacalhau que cheirava mal. Elizabeth David, a grande escritora e cozinheira inglesa que acordou ainda menina para a comida na França, conta que fugia do almoço das sextas na casa burguesa onde se hospedava para escapar do jejum de peixe. Para ela, era um mistério que pessoas tão ligadas à boa comida conseguissem comer aquela gororoba que era o bacalhau seco e cozido de sexta-feira.

"Cinzento, pegajoso, em grandes postas horrendas." Era praticamente jogado na travessa. Sem molho ou acompanhamento. Naquele tempo, ela desconhecia as infinitas e deliciosas maneiras de preparar o bacalhau na Provença. E a cozinheira deles, ainda por cima, era normanda. E a gente do sul ria só com a idéia de que um normando soubesse preparar bem um bacalhau. Podia executar os melhores mexilhões, "moules à la crème", mas esse peixe seco não poderia fazer parte do repertório.

E assim vão os jejuns e as lendas sobre os jejuns. A nossa época, com certeza, será lembrada como aquela em que se fazia jejum o

ano inteiro e todos se locupletavam com uma boa bacalhoada na Sexta-Feira Santa e não se preocupavam a mínima se podiam ou não comer chocolate, que, ao contrário, é parte integrante da dieta da Quaresma (FSP, 15-03-07, http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1503200726.htm ).

Falávamos da dificuldade de as novas gerações compreenderem o significado

do jejum religioso (dificuldade que vai acompanhada da dificuldade de alcançar o

sentido profundo das festas religiosas: a Páscoa se reduz a um festival de

chocolate...).

Vimos NH, ao falar do jejum e das festas, falar de ―dar importância ao que se

tem‖, de resgate de sentido. E aí encontramos uma poderosa razão para o ―jejum‖, e

que pode muito bem ser proposta aos estudantes de hoje. Em um país no qual

milhões de crianças passam fome, podemos, muito bem, alguma vez, por ocasião,

digamos da Páscoa, propor a nossos alunos uma visita a um abrigo ou orfanato e

sugerir que cada criança visitante leve um ovo de Páscoa de presente: a experiência

de privar-se desse bem não só fomenta a solidariedade e a generosidade, mas

também desperta a consciência para que cada um saiba valorizar o que tem, no

sentido do antigo provérbio árabe: ―Dou uma tâmara ao pobre para sentir seu

verdadeiro sabor‖

20

.

Outra atividade interessante ligada à Páscoa é transdisciplinar: fazer notar

que a festa cristã da Páscoa em inglês é Easter (em alemão: Oster) e que não tem

nada que ver com Cristo e sua ressurreição; mas trata-se simplesmente de uma

deusa pagã nórdica, cujo festival se celebrava no equinócio próximo da data da

Páscoa cristã, início da primavera. Primavera, estação da fecundidade, convoca

símbolos como coelhos, ovos etc. Na verdade, essa e tantas outras misturas do

cristianismo com o paganismo deve-se à pastoral do papa Gregório Magno (morto

em 604), que reevangelizou a Europa, instruindo seus missionários a converterem

os reinos bárbaros

– que ocuparam o espaço do antigo Império Romano no

Ocidente –, cedendo em tudo o que fosse acidental, mas não no essencial. Assim os

20

dias da semana também ficaram, em diversas línguas, com nomes pagãos (quinta-

feira é o dia de Thor, Thursday; 6ª. f., o dia da deusa Freya; etc.)

21

Entre as obrigações dos fiéis católicos, tenho a observância da quaresma,

que se inicia na quarta-feira de cinzas e vai até o sábado de aleluia. Nesse período

deve-se abster de prazeres gastronômicos e de exageros na refeição e refletir e

rezar muito, tentando se aproximar de Deus e melhorar como pessoa. Para tanto NH

nos coloca que este hábito está em desuso e nos diz:

A menina de Capelinha dizia que na Coresma era hábito do pai contar histórias de arrepiar os cabelos em volta da fogueira. Acho, em livro português, Coresma em vez de Quaresma, Quadragésima. Como queria a moça, assim mesmo, Coresma. Pois, pois.

Por que não temos mais jejum? Porque o brasileiro vive em jejum permanente deve ser um dos motivos. Por que saiu de moda? Como foi que o costume, a regra, foram perdendo o sentido? Foi pena? Alguém tem saudade do jejum? Jejum de verdade, entendido, ritualizado, coisa de imitar o Cristo, Moisés, Elijah?

Nas Escrituras as várias alusões a comidas, jejuns e festas preparavam o terreno para debates sobre o que era melhor para o corpo e para a alma. Jejuar -foi a resposta-, abster-se, na época em que a cristandade queria separar alma e mundo, alma e prazeres da carne, como a boa comida.

Brigou-se muito sobre o que comer ou não comer. Os debates se resolveram em regras específicas e estritas que preparavam o rebanho para a Páscoa. Proibia-se carne, manteiga, ovos, às vezes queijo e leite. Não era fácil privar-se de tudo isso durante 40 dias. Até as boas almas vacilavam (FSP, 26-02-99, http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq26029915.htm).

Mas há os que tentam burlar a quaresma ou mesmo não resistir à sua

rigorosa exigência e NH nos fala:

21

Devo este parágrafo ao Prof. Lauand, que complementa: Os dias da semana. Quando um falante da língua portuguesa, seja protestante, ateu ou agnóstico, fala: segunda-feira, terça-feira etc. está pagando um tributo ao catolicismo, como faz notar o papa João Paulo II (Dies Domini, Nota 22). Os nomes dos dias da semana nas outras línguas remetem a divindades pagãs/planetárias: do dia de Thor (Donnerstag, Thursday, Thor’s day) aos

martes, lundi, saturday etc. Ora, feria em latim é a palavra para festa e como faz notar Josef Pascher: para a

liturgia católica todo dia é dia de festa e é por isto que a liturgia chama o dia comum (que não é comum: é sempre de festa) de feria... Festa, porque o sacrifício de Cristo, a Santa Missa, se realiza em meio à criação: toda a criação é – por Cristo, com Cristo e em Cristo – oferecida ao Pai. Assim, a liturgia fala em feria, celebrando a Cristo. Comentando o Salmo 93 (En. in Ps. 93, 3), S. Agostinho reafirma que a única forma cristã de nomear os dias da semana é pela feria: "O primeiro dia depois do sábado é o domingo, dia do Senhor; o segundo é a secunda feria, à que os profanos chamam diem Lunae; a tertia feria, diem illi Martis; a quarta feria é o que os pagãos chamam de dia de Mercúrio e o pior é que muitos cristãos também... Não admitamos isto! Oxalá se corrijam e abandonem este modo de falar e usem a linguagem que é nossa (...) pois Cristo aboliu as superstições". (Cf http://www.hottopos.com/isle5/6Jean.pdf).

É provável que os ricos pouco piedosos jamais tenham sentido na pele um jejum violento. A Quaresma, em fevereiro, março, era época de belos peixes gordos. Para os pobres sobrava a sardinha magra, fora de estação, e o santo bacalhau feito e refeito em milhares de receitas para espantar a mesmice. Já não se faziam santos como antigamente, é verdade. São Simeão (389-459) passou os primeiros anos de sua vida, dos 16 aos 26, comendo só uma vez por semana, enquanto outros frades jejuavam dia sim, dia não. No período da Quaresma passava os 40 dias numa cela resistindo à tentação do pão e da água lá colocados. Dizem as más línguas, e é José Quitério que conta, no "Livro de Bem Comer", editora Assírio e Alvim, que havia fraude nos mosteiros de Alcobaça, em Portugal. Um braço de rio cortava a cozinha do mosteiro e frades espertos, aproveitando-se do desconhecimento zoológico de outros frades (ou, o que é mais provável, de sua cumplicidade), jogavam ao rio gordos leitões e vitelas que eram

pescados logo adiante.

"Vede, irmãos, que estranhos peixes tem o rio!" (FSP, 26-02-99, http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq26029915.htm)

E há fraudes no jejum mesmo por parte daqueles que deveriam segui-lo como

nos mostra NH:

Santo Tomás de Aquino definia a carne como o que vinha de animais de sangue quente que viviam e respiravam na terra, enquanto os peixes que moravam na água e tinham sangue frio não eram carne. Nessa classificação eliminavam-se os répteis e os anfíbios, porque apesar de viverem na terra têm sangue frio e tudo que não fosse carne era peixe, com certeza. O que deu problema com a iguana, do Novo Mundo (FSP, 26-02-99, http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq26029915.htm).

Os alimentos podem ser proibidos em algumas religiões:

No documento Download/Open (páginas 82-110)

Documentos relacionados