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(1)UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO - UMESP FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO MESTRADO EM EDUCAÇÃO. PRISCILA NOGUEIRA CARDOSO CHASSERAUX. NINA HORTA: OS SABERES PELOS SABORES – COZINHA E EDUCAÇÃO. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2012.

(2) PRISCILA NOGUEIRA CARDOSO CHASSERAUX. NINA HORTA: OS SABERES PELOS SABORES – COZINHA E EDUCAÇÃO. Dissertação apresentada como exigência parcial ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em Educação sob a orientação do Prof. Dr. Luiz Jean Lauand.. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2012.

(3) A dissertação de mestrado sob o título “Nina Horta: os saberes pelos sabores – cozinha e educação”, elaborada por Priscila Nogueira Cardoso Chasseraux foi apresentada em 13 de setembro de 2012, perante banca examinadora composta pelo Prof. Dr. Luiz Jean Lauand (Presidente/ UMESP), Prof a. Dra. Adriana Barroso de Azevedo (Titular/ UMESP) e Profa. Dra. Chie Hirose (Titular/ FICS).. __________________________________________ Prof. Dr. Luiz Jean Lauand Orientador e Presidente da Banca Examinadora. __________________________________________ Profa. Dra. Roseli Fischmann Coordenadora do Programa de Pós-Graduação. Programa: Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP. Área de Concentração: Educação. Linha de Pesquisa: Formação de Educadores..

(4) PRISCILA NOGUEIRA CARDOSO CHASSERAUX. NINA HORTA: OS SABERES PELOS SABORES – COZINHA E EDUCAÇÃO. Dissertação apresentada como exigência parcial ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em Educação sob a orientação do Prof. Dr. Luiz Jean Lauand.. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2012.

(5) Dedicatória. Prof. Dr. Danilo di Manno de Almeida. Texto lido pela professora Roseli na aula seguinte a morte do professor Danilo.. Dizendo Adeus Conta-se que um rio nasceu no alto de uma enorme montanha e iniciou a sua jornada. Foi descendo pela encosta e pouco a pouco foi crescendo, aumentando de volume. Projetou-se numa maravilhosa cachoeira e atingiu o sopé da montanha. Foi abrindo passagem entre as árvores e pedras, algumas mais facilmente, outras com dificuldades. Admirava-se, ora de sua força, ora de sua habilidade para contornar obstáculos. E crescia. Passou por planícies e por áreas ressecadas...Umedeceu-as, dando-lhes condições de acolher as sementes para florescerem e darem frutos. Matou a sede da terra, de povos, de animais e de pássaros. Conheceu outras correntes de água e as reuniu em si, tornando-se maior e mais fecundo. Os peixes multiplicavam-se em suas águas. Era feliz! Certo dia, porém, foi despertado para uma realidade: seu caminho seguia, inexoravelmente em direção ao mar. Chegaria o momento em que iria penetrar nele e, assim pensava, desaparecer para sempre. Pensou num meio de fugir dessa realidade. Mas não havia como saltar sobre o mar, nem tão pouco voltar atrás. Os rios não voltam. Ao fazer uma grande curva, avistou o mar. Era enorme, parecia não ter fim. Teve medo. Contudo, percebeu que esse era o seu destino. E, temeroso, porém confiante, fez a sua última descida. Entrou no mar. Descobriu então a grande verdade: entrar no mar não é desaparecer e sim tornar-se parte dele. O pequeno rio tornou-se parte do mar. Junto com tantos outros rios que haviam chegado de todos os cantos do mundo. Agora ele já não era só. Era parte de um todo, onde, de mãos dadas, todos eram UM. Desapareceu como rio, renasceu como mar! Evaldo A. D´Assumpção, Belo Horizonte: PUC Minas, 2001 Universidade Metodista de São Paulo Pastoral Universitária e Escolar 22 de março de 2011.

(6) Dedicatória. Prof. Dr. Luiz Jean Lauand. ... Então você encontra, aparentemente por sorte, mero acaso, aquela pessoa que vai lhe proporcionar um máximo de conhecimento naquela fase de sua vida. A pessoa realmente complementar, a que faltava para que você elaborasse toda uma gama. de. novos. conhecimentos. e. experiências.. A. que. desperta. forças. desaproveitadas e é capaz de determinar um novo curso na sua vida. Essa pessoa talvez nem fique para sempre com você, mas o certo é que ela tinha profundamente a ver com o seu desenvolvimento. (Jung – teórico da psicanálise).

(7) Dedicatória. Ao Jean (esposo), Eloah (filha) e Dirce (mãe), pelo apoio em todos os momentos desse longo percurso.. À Nina Horta, que ao longo de sua vida construiu um mundo de informações proporcionando ao mundo da educação e através das panelas e utensílios uma gama de conhecimento..

(8) AGRADECIMENTOS. Como não deixar de ser o primeiro a proteção de Deus, meu Pai poderoso, sem o qual nada em minha vida teria sentido. Agradeço ao meu pai Edie (in memoriam) que hoje entendo que seu falecimento precoce contribuiu para meu crescimento pessoal e profissional. Ao meu marido e companheiro de vida Jean e minha filha Eloah, que entenderam minha distância, mau humor, mas sempre ao meu lado para eu continuar. À minha mãe Dirce, pelo apoio financeiro e moral e padre Rubens que contribuíram nessa trajetória. À Claudete, pelo apoio com as obrigações cotidianas e pelo incentivo. Aos meus irmãos, familiares e o pequeno Eduardo, bem como meus compadres e a pequena Manuella pela paciência e entendimento das minhas ausências. Aos funcionários da UMESP, em especial ao departamento da biblioteca e secretaria do Mestrado Márcia. Ao meu querido orientador, professor Jean Lauand, pela fonte inesgotável de incentivo, paciência, seriedade e respeito, mas, sobretudo, pela competência com que me orientou apesar do pouco tempo restante. À professora e membro da banca Adriana Barroso de Azevedo que me recebeu com carinho e dedicação e aceitou ser minha orientadora, mas precisei desistir do tema por falta de conhecimento e vivência. À professora Zeila de Brito Fabri Demartini, pelas contribuições na qualificação e pelo carinho de sempre. Aos professores que fazem parte do corpo docente da UMESP: Norinês Panicacci Bahia, Marília Claret Geraes Duran, Maria Leila Alves, Décio Azevedo M. de Saes, Roger Marchesini de Quadros Souza, Roseli Fischmann, pelas contribuições e novos horizontes apresentados. À Chie Hirose que faz parte da minha banca e que foi a minha grande inspiradora através de seu trabalho, fornecendo uma cultura rica de informações e novas perspectivas. À Nina Horta, tema do meu trabalho que fez de sua vida uma contribuição para a gastronomia e pedagogia e para mim..

(9) À instituição de ensino no qual eu leciono e a todos os docentes e colegas de trabalho que de uma forma ou outra me ajudaram nessa trajetória. Em especial destaco minhas amigas e sou eternamente grata pela ajuda: Liliana P. Furtado Mistura, Mariana de Rezende Gomes, Renata Mendes, Julianna Shibao, Felipe de Lara Janz, Zaíra Bárbara da Silva muito obrigada, vocês são importantes na minha formação e reconhecimento profissional e pessoal. E a todos que colaboraram direta e indiretamente neste estudo, minha gratidão!.

(10) SUMÁRIO 1.. 2. 3. INTRODUÇÃO ................................................................................................ 01. 1.1 A gênese deste trabalho, importância e justificativa .................................. 01. 1.2 Nota sobre culinária e religião ................................................................... 04. 1.3 Notas de uma trajetória ............................................................................. 06. 1.4 A metodologia e os objetivos deste trabalho ............................................. 07. 1.5 Referencial teórico e metodologia ............................................................. 09. 1.5.1 Corpo, um pressuposto: os deuses junto ao forno ................................. 10. 1.6 Estrutura do trabalho ................................................................................. 13. CORPUS ............................................................................................................ 15. CAPÍTULO 1: Le hors-d´oeuvres – Nina Horta .............................................. 15. CAPÍTULO 2: COZINHA, ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO............................ 25. CAPÍTULO 3: COMIDA DE ALMA .................................................................... 37. Capítulo 4: COMIDA PERVERSA..................................................................... 47. Capítulo 5: COZINHAS ..................................................................................... 56. Capítulo 6: RELIGIÃO E SUAS RELAÇÕES COM A COMIDA .................... 70. Capítulo 7: VEGETARIANISMO, CARNE & CIA. .......................................... 98. Capítulo 8: UTENSÍLIOS E EQUIPAMENTOS DE COZINHA ...................... 103. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 115. REFERÊNCIAS ............................................................................................... 118.

(11) RESUMO. Esta dissertação tem como objetivo de aplicar à educação e à antropologia estudos de cozinha a partir de textos de Nina Horta (NH). E contribuir para futuros estudos relacionados ao tema, por ser relevante importância. O mérito do tema torna-se evidente quando consideramos que algo tão decisivo na vida dos alunos pode tornar-se, de modo natural e altamente motivador, a clave para outros saberes, de diversas disciplinas. Outro objetivo, não menos importante, é a compilação de textos que possam contribuir para o trabalho dos professores e estudiosos. Os capítulos podem ser lidos e interpretados juntos ou de forma unificada, pois o percurso de todos vai fornecer ao professor uma contribuição de saberes pelos sabores a partir das escritas de NH. As considerações é que a cozinha faz parte do cotidiano de diversas pessoas no mundo e ela é um mundo que pode e deve ser explorada e utilizada como ferramenta de educação e profissionalização. Essa obra expressa diversos momentos encontrados na cozinha que são relacionados à educação e ao estudo da antropologia, importantes para o conhecimento de uma cultura e do entendimento de muitas manifestações consideradas nos dias de hoje e da visão do mundo, dando especial atenção ao estudo da filosofia em relação às explicações da cozinha, fazendo com a mesma fique próxima ao aluno e ele possa finalmente entender sua importância e seus conceitos.. Palavras-chave: educação, antropologia, cozinha..

(12) ABSTRACT. This paper aims to apply to education and anthropology studies cuisine from texts Nina Horta (NH). And contribute to future studies related to the topic, to be relevant importance. The merit of the theme becomes evident when we consider that something so crucial in students' lives can become so natural and highly motivating, the key to other knowledge in various disciplines. Another goal, not least, is the compilation of texts that can contribute to the work of teachers and scholars. The chapters can be read and interpreted together or unified, since the route of all the teacher will provide a contribution to knowledge by flavors from the writings of NH. Considerations is that the kitchen is part of everyday life for many people in the world and it is a world that can and should be exploited and used as a tool for education and professionalization. This work expresses many times found in the kitchen that are related to education and the study of anthropology, important to a culture of knowledge and understanding of many manifestations considered today and the vision of the world, with special attention to the study of philosophy explanations in relation to the kitchen, making it stand next to the student and he can finally understand its importance and its concepts.. Key words: education, anthropology, kitchen..

(13) 1. INTRODUÇÃO. 1.1 A gênese deste trabalho, importância e justificativa.. A idéia do tema deste trabalho foi sugerida pelo orientador e prontamente aceita pela autora, por acreditar que possa contribuir para os estudos de educação e antropologia, ligados à cozinha. No título já jogamos com o antigo e imensamente sugestivo trocadilho latino:. Já na primeira questão da Suma Teológica, ao procurar caracterizar o que é a sabedoria, Tomás explica que a sabedoria não deve ser entendida somente como conhecimento que advém do frio estudo, mas como um saber que se experimenta e saboreia. Tomás, sempre muito atento aos fenômenos da linguagem, à fala do povo, como fonte de profundas descobertas filosóficas, encanta-se com o fato para ele experiência pessoal vivida - de que em sua língua latina sapere signifique tanto "saber" como "saborear". Esta coincidência de significados na linguagem do povo - Tomás bem o "sabe" - não é casual: se há quem saiba por que estudou verdadeiramente sábio, porém, é aquele que sabe por que saboreou... A sabedoria não pressupõe só uma dimensão intelectual, mas está integrada ao todo da existência. (Lauand, s.d.).. Minha formação como nutricionista e trabalhando com gastronomia e culinária me aproximou muito do tema. Docente de ensino superior, nem sempre é fácil encontrar bibliografia sobre o tema – cozinha, antropologia e educação – e o encontro com o pensamento de Nina Horta (a partir de agora, abrev. por NH) foi extremamente feliz nesse sentido. Fiz o caminho inverso do usual: entrei na docência e só depois fui me aprofundar no mestrado da Universidade Metodista, tendo como orientador inicial o professor e amigo, o saudoso Prof. Dr. Danilo Di Manno de Almeida. A idéia de trabalhar um tema que remetesse ao corpo e a culinária – assunto pouco explorado –, ficou desativada com sua morte prematura. Reiniciei com a Profa. Dra. Adriana Barroso de Azevedo, dessa vez sobre a formação para a educação a distância; no entanto, percebi que para esse tema eu não possuía conhecimento nem envolvimento para pesquisar e com isso o Prof. Dr. Jean Lauand me foi apresentado.

(14) e passei a pesquisar sobre antropologia, educação e culinária, tema pouco explorado nas pesquisas acadêmicas. A pesquisa proposta é abordar temas da articulação desses três elementos a partir dos escritos de NH, consagrada chef, pedagoga, escritora; detentora de coluna sobre cozinha na Folha de São Paulo há 25 anos, autora de livros sobre o assunto, revisora e consultora editorial de tantas outras obras e proprietária do buffet Ginger e como ela mesma se auto descreve: avó. Grande conhecedora do assunto, que escreve com talento incomparável sobre cozinha em suas relações com antropologia e educação, pareceu-nos uma ótima referência para este trabalho. Antecipando considerações sobre a metodologia da pesquisa, a cozinha e a culinária – para além do mero aspecto nutritivo e de apetitosas receitas etc. – realizam de modo privilegiado aquela recepção antropológica e cultural de que fala Lauand (2011):. O caminho que sobe e o que desce são um mesmo e único caminho‖. Aparentemente, nada mais evidente do que esta sentença de Heráclito de Éfeso (c. 540-470 a.C.), conhecido como ―o obscuro‖. Como naquela vez – parece piada – em que um ciclista gabando-se de seu bairro, excelente para andar de bicicleta porque não tinha subidas, teve que ouvir a pergunta: ―- E descidas, tem?‖. Claro que se não há subidas, também não há descidas... Mas, por vezes, há algo mais, há surpresas por trás das obviedades. Quem não toma um pequeno susto quando vem a saber que o primeiro critério de desempate para times que tiverem o mesmo número de pontos no Campeonato Brasileiro de Futebol é favorecer a equipe que tiver maior número de derrotas? Não, poderia alguém objetar, o critério favorece é o time que tiver maior número de vitórias! Mas acontece que... o time que tem mais derrotas e o que tem mais vitórias são o mesmo e único (aquele que tem menos empates)! Na verdade, a sentença de Heráclito esconde em si profundas surpresas. Aliás é do próprio Heráclito a afirmação de que a natureza gosta de se esconder, e podemos acrescentar: a realidade humana gosta de se esconder. Daí que precisemos de um método (palavra que etimologicamente remete a ―caminho‖), para subir até esse tesouro que desceu e está escondido (p. 30).. A cozinha é parte importante desse jogo de sobe e desce e de escondeesconde. Ela esconde (e, quando estudada sistematicamente, pode revelar) importantes significados antropológicos e culturais que – para seguir Heráclito – a ela "desceram" e compete ao pesquisador em Educação revelar. O professor, em intermináveis reuniões pedagógicas, escreve a ementa, o plano disciplinar, os objetivos da disciplina que será ministrada e com isso faz todo o.

(15) conteúdo programático sobre o que será explorado e dito naquele momento professor-aluno, aluno-professor. As trocas muitas vezes não são percebidas logo de imediato. Ao final de um bimestre ou semestre esse aluno deve ser capaz de transferir o conhecimento adquirido em provas de avaliação. A cozinha, bem estudada, pode revelar importantes fatos antropológicos e culturais. O mesmo aluno ao ser colocado não na posição professor-aluno e sim na posição aluno-mundo, conhecendo o que o cerca e com o que ele convive, as descobertas são imensas e obtidas de forma natural. O fato de não haver cadeiras, carteiras ou qualquer objeto vinculado com a escola como lápis, caderno... não quer dizer que o aluno não esteja aprendendo. E o professor está também aprendendo, pois aproxima-se do aluno e há mais troca de conhecimento e afetividade do que a posição professor fala e aluno escuta - para seguir Heráclito – a ela "desceram" e compete ao pesquisador em Educação revelar. 1. Em trabalhos como este , adiantamos que a metodologia está muito ligada àquilo que classicamente se chama verstehen. No sentido em que a caracteriza Ferrater Mora (2004): Verstehen O termo alemão Verstehen é habitualmente traduzido por ‗compreensão‘. Como se deu a Verstehen um sentido ―técnico‖ que aparece em Dilthey e depois, em diversas outras acepções, em autores como Heidegger e Hans-Georg Gadamer, considera-se às vezes que é apropriado deixar Verstehen sem tradução. Compreensão A partir de Dilthey contrapôs-se com frequência a compreensão [verstehen] à explicação (Erklärung), considerando-se a primeira como modo de apreensão dos objetos das ciências do espírito, ciências culturais, ciências humanas, história etc., e a segunda como modo de apreensão dos objetos das ciências naturais. Considerou-se também a compreensão um método que se ocupa de significações, sentidos, relações e complexos de sentidos, ao contrário da explicação, que se refere a fatos, a relações causais etc.. É precisamente o que buscamos aqui: ―significações, sentidos, relações e complexos de sentidos‖. Por contraste, tomemos um típico problema de Física: Um corpo de massa 20 kg é abandonado, verticalmente, a partir do repouso de uma altura de 15 m em relação ao solo. Determine a. 1. . Ao longo da Introdução deste trabalho, recolho trechos de dois artigos que escrevemos o orientador e eu: (Lauand, Chasseraux 2012) e (Lauand, Chasseraux 2012a)..

(16) velocidade do corpo quando atinge o solo. Dado g = 10 m/s². Despreze atritos e resistência do ar.. Esse problema pode muito bem referir-se ao humano (o homem, afinal, tem um corpo, com uma massa...), e também digamos ao suspeito de assassinato de uma menina pelo pai. Mas, de seu ponto de vista, a Física ocupa-se somente de mgh e mv2, de energias potencial e cinética, de velocidades e acelerações etc., e não de intenções e motivações: se trata de homicídio culposo ou doloso; ou talvez de um acidente etc. O objeto de estudo de uma ciência e, principalmente, seu peculiar ponto de vista, condicionam, obviamente, sua metodologia: de que servem, digamos a verstehen para o matemático empenhado em demonstrar seus teoremas ou, reciprocamente, os teoremas do matemático para um historiador? À matemática só interessam demonstrações, tipicamente pelo método axiomático. Evidentemente, a demonstração de um teorema, é um problema estritamente de lógica dedutiva: seria puro nonsense pretender, digamos, uma compreensão empática do triângulo: como ele se sente; seus sofrimentos, alegrias e traumas, suas expectativas e motivações, qual dos três ângulos é o seu predileto etc. A verstehen é compreensão, sempre atenta às realidades culturais e antropológicas (o que inclui a base material para a existência humana). Isso é válido especialmente quando examinamos o âmbito da nutrição e da culinária. E é essa compreensão humana, articulada com a prosaica realidade da alimentação, que praticaremos nesta pesquisa. 1.2 Nota sobre culinária e religião. Somente a título de um primeiro (e forte) exemplo (em outro capítulo voltaremos ao tema religião) do que pretendemos nesta dissertação, tomemos as considerações do apologista católico Messori (1992 167 ss.): Falo com um anglicano e a conversa cai na proverbial ―hipocrisia‖ britânica e dos países protestantes em geral. ―Sim – ele reconhece – há algo de verdade nisso. E a razão é a indicada pelo nosso Oscar Wilde: a consciência protestante não impede de pecar; só impede desfrutar do pecado‖. Lembro-me de Léo Moulin, o estudioso belga autor de uma história cultural-religiosa da gastronomia, convencido de.

(17) que a arte da cozinha, como as outras artes, é reveladora do inconsciente dos povos. Ele me disse: ―A gastronomia da Polônia católica é ótima, mas a da vizinha Alemanha Oriental, luterana, é péssima. Como isso é possível, dado que o clima e as matérias primas são iguais para os poloneses e alemães. E em qualquer lugar do mundo a cozinha dos católicos é melhor do que a dos protestantes e muito mais importante em suas vidas. Quando é que se vê as pessoas à mesa em um filme western? Pelo contrário, não há um filme italiano, francês ou sul americano que, antes ou depois, não acabe em trattoria. Nos filmes anglo-saxões só temos o ―pub‖ e o ―saloon‖, as pessoas bebem mas não comem, exceto de vez em quando carne e feijões ou outras barbaridades do gênero, engolidas às pressas. Inglaterra e Estados Unidos, protestantes, nos deram muitas coisas, mas não uma gastronomia. Não foi Oscar Wilde quem disse que o inferno ―é um lugar onde o cozinheiro é inglês?. Moulin alude à piada dos integrantes do inferno. Há várias versões (por exemplo: céu é um lugar no qual o policial é inglês, o cozinheiro é francês, o mecânico é alemão, o amante é italiano e tudo é organizado por suíços; inferno é um lugar no qual o policial é alemão, o cozinheiro é inglês, o mecânico é francês, o amante é suíço e tudo é organizado por italianos), mas sistematicamente o cozinheiro é inglês. Moulin, o agnóstico historiador da gastronomia, prossegue: Para Moulin, a explicação do enigma é ―religiosa‖: ―O fato é que o protestantismo tem reprimido no homem a ―joie de vivre‖: o crente está sozinho diante de Deus e deve assumir toda a responsabilidade por suas ações, incluindo a de abandonar a concupiscência pecaminosa do alimento‖. O católico é mais livre, menos complexado, porque ele sabe que, para ajudá-lo, há toda uma rede de mediações culturais e eclesiais. Há, acima de tudo, a confissão, com o seu perdão libertador. A tragédia do protestantismo é que cai sobre o homem um peso insuportável. Diz a ele: ―salvar-se é problema seu; resolva-o as sós com Deus" o homem desaba sob esse peso terrível ou é forçado a fingir, até para si mesmo, uma virtude que não pode praticar. Daí a famosa hipocrisia.. Uma discussão do tema, por exemplo, com base no filme ―A festa de Babette‖, daria uma excelente atividade escolar. O trabalho se apoia na evidência de que a educação se dá em diversos âmbitos; ela não ocorre apenas na situação de sala de aula, mas continuamente no dia-a-dia, no cotidiano e a cozinha pode ser e é um local de muitas aprendizagens. Não só a cozinha, mas também o que envolve o alimento: seu cultivo e preparação. Ao situar uma criança em um supermercado, por exemplo, ela entra em contato com diversas informações, sobre conservação de alimentos, tipos de tecnologias. para. amadurecimento. de. hortaliças,. materiais. utilizados. para.

(18) embalagens, enfim uma diversidade de conhecimento. Fazer com que o aluno aprofunde em sua compreensão de mundo, de forma significativa, porque próxima ao cotidiano; guiados pela experiente mão de NH. Parecia-me simplesmente incrível que um assunto tão rico e de fácil acesso, permanecesse inexplorado (ou sub-explorado, ou mal explorado...) por muitos, uma vez que a culinária está na vida de todos e vivemos do que ingerimos. Sobretudo, se tem em conta o imenso potencial de transdisciplinariedade que o tema comporta, como veremos em diversos momentos deste trabalho. Decidi, portanto, dedicar minha pesquisa à cozinha, antropologia e educação, selecionando temas e dialogando com sugestivas indicações das escritas de NH, dirigindo essas reflexões para a educação.. 1.3 Notas de uma trajetória. Passo agora a informar, brevemente, sobre meu percurso acadêmico para este mestrado. Muitas pessoas se aproximam de mim dizendo que quando se aposentarem irão fazer aquilo que tenho feito em toda a minha vida: cozinhar e conhecer o mundo das panelas e temperos. Essas pessoas não imaginam que a cozinha e tudo que a cerca estão próximas a elas, pois a mesma está presente em nossas vidas desde que somos pequenos, desde que permitimos esse convívio. Nasci em São Paulo na região de Perdizes e fui criada em São Bernardo do Campo. Irmã mais nova de três irmãos, sendo eles homens, passei minha infância com minha avó materna que morava conosco até seu falecimento, quando eu tinha 14 anos. E ao contrário do que muitos possam imaginar, minha avó e mãe cozinhavam muito mal, portanto não são elas minhas referências; papel mais ocupado por meu pai que adorava cozinhar e mostrar aos filhos. Casei-me com um engenheiro elétrico, que deixou a profissão para ser proprietário de uma cantina italiana e atualmente de pizzaria com massas e sopas e iniciou o curso tecnólogo em Gastronomia e já recebeu premiações pelas produções, tenho uma filha de 3 anos e 7 meses que utilizo a cozinha para ensiná-la e ela é minha grande inspiração para o trabalho..

(19) Com formação de Técnica em Nutrição pela ETEC Getúlio Vargas, fui trabalhar em hotelaria, juntamente com diversos chefs de cozinha, iniciando meus primeiros agradáveis contatos com a gastronomia. Fiz o bacharelado em Nutrição e novamente parti para a gastronomia em outro hotel e na área de marketing. Fui convidada a assumir as disciplinas de marketing e técnica dietética da Universidade Bandeirantes de São Paulo – UNIBAN, iniciando minha pós graduação em Administração e Marketing. Juntamente com o desejo de entender e conhecer melhor sobre a docência em especial sobre estudo na minha área, procurei o mestrado em Educação e um tema voltado à cozinha.. 1.4 A metodologia e os objetivos deste trabalho. O objetivo geral deste trabalho é o de aplicar à educação e à antropologia estudos de cozinha a partir de textos de Nina Horta (NH). E contribuir para futuros estudos relacionados ao tema, por ser ainda e ser de relevante importância. O mérito do tema torna-se evidente quando consideramos que algo tão decisivo na vida dos alunos pode tornar-se, de modo natural e altamente motivador, a clave para outros saberes, de diversas disciplinas. Outro objetivo, menos importante, é a compilação de textos que possam contribuir para o trabalho dos professores e estudiosos (daí que por vezes, citemos trechos um pouco longos). Os capítulos podem ser lidos e compreendidos individualmente ou no conjunto, pois os assuntos se relacionam e se comunicam levando ao conhecimento esperado nessa dissertação. Uma contribuição para o estudo da história, entre tantas outras disciplinas. Do ponto de vista metodológico, o primeiro passo é a seleção dos assuntos escritos por NH. Foram selecionados temas, que nos pareceram sugestivos, unindo as reflexões de NH: nas colunas da Folha de S. Paulo e nas principais obras da autora: ―Não é Sopa‖, ―Vamos Comer‖ e ―Charlô em Paris‖, além de outras duas obras que NH foi a consultora editorial, ―Banquete de Palavras‖ e revisora editorial da obra ―Um Alfabeto para Gourmets‖. Outras obras de autores diversos, como Rubem Alves, Adélia Prado, Cora Coralina, etc. Foram usados para discussão de textos com interface com os de NH..

(20) Advirta-se desde já que não pretendemos fazer um estudo sistemático (muito menos exaustivo) de autor; claro que nosso eixo é NH, mas como provocadora de conversas importantes para ―cozinha, antropologia e educação‖. Nos livros selecionados, (citados nas referências) examinaremos em primeiro lugar a principal obra de NH ―Não é Sopa‖, reúne crônicas e receitas culinárias e como a própria autora diz na introdução de seu livro: Escrito numa prosa viva, saborosa e divertida, de alguém que enfrenta os mesmos problemas dos comuns dos mortais ao entrar uma cozinha. Não é Sopa traz um cardápio extremamente variado, para satisfazer aos mais diferentes paladares.. Essa obra expressa diversos momentos encontrados na cozinha que são relacionado à educação e ao estudo da antropologia, importantes para o conhecimento de uma cultura e do entendimento de muitas manifestações consideradas nos dias de hoje e da visão do mundo, dando especial atenção ao estudo da filosofia em relação às explicações da cozinha, fazendo com a mesma fique próxima ao aluno e ele possa finalmente entender sua importância e seus conceitos. Esse objetivo emerge de uma constatação, já visível numa primeira leitura, de que o rico potencial didático da NH e suas observações sobre a cozinha poderia ser mais explorado: seja diretamente na educação e na antropologia, seja em aprofundamentos para conhecimento das manifestações ocorridas em torno da alimentação e também para contribuir para os professores e pesquisadores da área. Sua outra obra importante para nós é ―Vamos Comer‖, escrita com o gastrônomo Olivier Anquier, Carlos Siffert e as merendeiras a pedido do Ministério da Educação e Cultura. Segue o trecho abaixo, encontrado na quarta capa do livro, em que a autora discorre sobre o porquê escreveu sobre o tema, texto encontrado na quarta capa de seu livro: Já repararam que a cozinheira, a menina que passa o café, o garçom que serve a comida não são vistos nem cumprimentados? Nos bons restaurantes, por exemplo, o maître não tem rosto, obedece à coreografia de um ballet bem ensaiado, fala pouco. Pois parecia ser este o caso de muitas merendeiras. Não eram enxergadas pela escola, não se sentiam parte do grupo, não influenciavam. no entanto, por parte dos alunos tinham todo o reconhecimento. sentados em suas cadeiras eles sentiam o cheiro da carne crua, do alho, do refogadinho se infiltrando por baixo da porta, tomando conta da geografia, embrulhando em números, inspirando o verbo. é hora.

(21) do almoço e vai ser bom. e quisemos, então, tentar ver mais de perto as merendeiras, conversar com elas.. Essa obra e sua contribuição nos leva ao contato com as merendeiras e sua importância na educação infantil e sua participação além das panelas e temperos. O método é basicamente o de análise bibliográfica buscando eventuais constantes que permitam a generalização de linhas de tendências existentes nas escritas de NH. E, também, baseado em análise bibliográfica, buscar indicar atividades praticáveis no cotidiano dos alunos, propiciando o entendimento das palavras, das atitudes, da cultura praticada por eles, pela família e pela sociedade e à cultura a que pertencem.. 1.5 Referencial Teórico e Metodologia. Recolho aqui outras considerações metodológicas, ligadas a nosso referencial teórico, que, originalmente, serviram de introdução ao artigo (Lauand, Chasseraux 2012a), dedicado à cozinha de alma, mas que se aplicam a todo o trabalho. Escrito para a revista Collatio, o artigo discutia precisamente a collatio como ferramenta metodológica. Começaremos com considerações metodológicas em torno do próprio conceito de collatio; a collatio entendida como ferramenta metodológica de pesquisa em humanidades. Para Tomás de Aquino, uma função da razão chamada vis cogitativa2, faz a ponte entre o conhecimento sensível e o conceitual, realizando, sobre uma série de impressões sensíveis, uma "pré-abstração": a collatio. Antes que se forme no intelecto o conceito (e a palavra que lhe será associada), a collatio é a fila, a ordenação, agrupamento e comparação dessas sensações, como que preparando-as para a abstração. Nesse sentido, há uma passagem fundamental do Aquinate: pela collatio, a cogitativa volta-se para a massa informe de sensações, ordena-as e apresenta-as ao intelecto com o fim de descobrir a lei ou o princípio comum que as rege e que está neles latente:. 2. . A rigor, um sentido interno que participa da razão..

(22) Pois a experiência é resultado da comparação de muitos singulares retidos na memória. Ora, esta comparação é própria do homem e pertence à cogitativa, chamada de razão particular, porque realiza a comparação das intenções3 particulares, como a razão universal o faz para as intenções universais. (In I Metaph., 1, 15).. Um exemplo - o do surgimento do conceito de "Kitsch" - ajudar-nos-á a compreender esta função da cogitativa. A formação de qualquer conceito (e, portanto, a de uma palavra) começa pela collatio da cogitativa. Antes de surgir o Kitsch como palavra e como conceito, na base da apreensão conceitual dessa realidade, está a collatio, que agrupa e compara - como que convidando o intelecto a exercer sua ação universalizadora impressões aparentemente tão diversas como: o pinguim da geladeira, a caneta de múltiplos usos (que também abre latas e possui uma bússola pisca-pisca embutida etc.), aquele quadro em cor púrpura fosforescente representando um incêndio na mata, o anãozinho do jardim etc. Só a partir dessa ação da cogitativa, o intelecto pode como que radiografar a ratio comum - latente a cada elemento dessa série de sensações - e chegar ao conceito, no caso, Kitsch. E a cogitativa também faz seu trabalho de intermediação no sentido contrário: do universal para o particular. Há, pois, duas grandes funções da cogitativa: uma, ascendente, do sensível para o inteligível; outra, descendente, do inteligível para o concreto. A collatio, enquanto agrupamento convida naturalmente à abstração. Sugerem conceitos, tipos ideais, classificações etc. e, muitas vezes, fala por si: agrupando realidades muito semelhantes. (ou,. por. contraste,. de. gritante. contrariedade),. tornando. até. praticamente dispensável formalizar teoricamente a realidade apresentada.. 1.5.1 Corpo, um pressuposto: os deuses junto ao forno... O trabalho de NH relaciona a comida, como base material, com a Antropologia e a Educação, nas quais o corpo é fundamental. Como se trata do mesmo referencial teórico e também pressuposto de um trabalho sobre ―cozinha‖ (a Cerimônia do Chá), não vemos inconveniente em. 3. . No sentido técnico de intentio..

(23) recolher aqui as considerações de Chie Hirose (2010, cap. 3) a respeito do tema, tomadas do Cap. 3 de sua tese de doutorado: Neste capítulo, apoiar-me-ei em um artigo de Jean Lauand4. Neste ponto, tipicamente falando, os Orientes levam uma vantagem sobre nós: enquanto o Ocidente aposta na formação intelectual; os Orientes, independentemente de teorias que as legitimem, tendem a práticas que consideram o homem como um todo: em sua unidade espírito-corpo, ao menos em muitas de suas propostas pedagógicas, que partem precisamente de uma ação corporal, exterior, para atingir um efeito espiritual, interior. É o, para citar mais uma vez o notável sinólogo Sylvio Horta, ―pensar com o corpo‖, típico do Oriente e – em algumas instâncias – também da tradição ocidental. Por mais acentuado que seja o racional nos gregos, originariamente foi temperado pela aceitação do mistério (baste recordar o discurso de Diotima no Banquete de Platão) e da comezinha realidade quotidiana, como base de todo o pensamento. [...] [Um episódio de cozinha] é protagonizado por Heráclito de Éfeso, tal como no-lo relata Aristóteles5: ―Diz-se que Heráclito assim teria respondido aos estranhos vindos à intenção de observá-lo. Ao chegarem, viram-no aquecendo-se junto ao forno. Ali permaneceram, de pé (impressionados, sobretudo porque) ele os encorajou (eles ainda hesitantes) a entrar, pronunciando as seguintes palavras: "Mesmo aqui os deuses também estão presentes"‖6. Também aqui o sábio não divaga por regiões etéreas, desvendando os arcanos dos deuses, mas encontra-se prosaicamente aquecendo-se junto ao fogão. Heidegger comenta: ―Mesmo aqui, junto ao forno, mesmo neste lugar cotidiano e comum onde cada coisa e situação, cada ato e pensamento se oferecem de maneira confiante, familiar e ordinária, "mesmo aqui", nesta dimensão do ordinário, os deuses também estão presentes. A essência dos deuses, tal como apareceu para os gregos, é precisamente esse aparecimento, entendido como um olhar a tal ponto compenetrado no ordinário que, atravessando-o e perpassando-o, é o próprio extraordinário o que se expõe na dimensão do ordinário7‖. (...) Quando o pensador diz "Mesmo aqui", junto ao forno, vigora o extraordinário, quer dizer na verdade: só aqui há vigência dos deuses. Onde realmente? No inaparente do cotidiano8. (...) Voltando a ―Fingir para Germinar...‖, Lauand começa explicando que o Ocidente, sobretudo na época moderna, tende a um fragmentarismo, a uma cisão espírito/corpo, que remete a um desmedido afã de clareza no pensamento. E que a grande ruptura. 4. . Lauand, Jean http://www.hottopos.com/rih20/jean.pdf De part. anim., A5 645 a 17 e ss. 6 apud Heidegger, M. Heráclito, Rio de Janeiro, Relume Dumará, p. 22. 7 Heidegger, M. Heráclito, Rio de Janeiro, Relume Dumará, pp. 23-24. 8 Heidegger, M. Heráclito, Rio de Janeiro, Relume Dumará, p. 24. E Heidegger prossegue: "Não é preciso evitar o conhecido e o ordinário e perseguir o extravagante, o excitante e o estimulante na esperança ilusória de, assim, encontrar o extraordinário. Vocês devem simplesmente permanecer em seu cotidiano e ordinário, como eu aqui, que me abrigo e aqueço junto ao forno. Não será isso que faço, e esse lugar em que me aconchego, já suficientemente rico em sinais? O forno presenteia o pão. Como pode o homem viver sem a dádiva do pão? Essa dádiva do forno é o sinal indicador do que são os theoí, os deuses. São os daíontes, os que se oferecem como extraordinário na intimidade do ordinário." Etc. 5.

(24) que o moderno pensamento ocidental instituiu deu-se precisamente em torno à concepção de corpo. Se sempre no Ocidente pairou a tentação de um exagerado dualismo, separando de modo mais ou menos incomunicável e absoluto, por um lado, o intelecto (a mente, a ―alma‖, o espírito...) e, por outro, o corpo e a matéria, a partir de Descartes (res cogitans x res extensa) tal dicotomia torna-se dominante. Dualismo e clareza: na verdade, a última instância do pensamento moderno por detrás da cisão espírito/matéria está na pretensão racionalista moderna, que torna o ens certum um absoluto. Enquanto os Orientes, desprovidos dessa necessidade de certeza e convivendo com naturalidade com o mistério, não precisam distinguir res cogitans de res extensa. Essa distinção, na Europa, desde Descartes, torna-se quase um imperativo. [...] ―Há duas substâncias finitas (res cogitans e res extensa) e uma infinita (Deus). Substância (res) adquiriu um conceito fundamental no século XVII: de natureza simples, absoluta, concreta (realidade intelectual) e completa. Somos, portanto uma substância (res) pensante (cogito) e também uma substância (res) que possui corpo, matéria (extensa). Este dualismo cartesiano evidencia que cada indivíduo reconhece a própria existência enquanto sujeito pensante: nossa essência é a razão, o ser humano é racional. O cogito é a consciência de que sou capaz de produzir pensamentos, é um meio pragmático de dar início ao conhecimento. Estamos afirmando, portanto, uma verdade existencial. Há uma coincidência entre meu pensamento e minha existência. (...) O primeiro conceito de Descartes, portanto, denomina-se ―dualismo cartesiano‖, admitindo a existência de duas realidade: alma (res cogitans) e corpo (res extensa). A independência entre alma e corpo conduzirá a uma nova separação: sujeito e objeto‖.9 Recolho a seguir, a análise do caso excepcional de Tomás de Aquino, uma passagem um tanto longa, mas oportuna para nosso trabalho10: [...] Tomás recusa também a dicotomia: alma x corpo. Nada mais alheio ao pensamento de Tomás do que uma incomunicação entre espírito e matéria. O que Tomás, sim, afirma é o homem total, com a intrínseca união espírito-corpo, pois a alma, para o Aquinate, é forma, ordenada para a intrínseca união com a matéria. Por exemplo, Tomás, indica os remédios para a tristeza, que reside na alma. E enfrenta esta questão na Suma Teológica I-II 38 e no artigo 5 chega a recomendar banho e sono como remédios contra a tristeza! Pois, diz o Aquinate, tudo aquilo que reconduz a natureza corporal a seu devido estado, tudo aquilo que causa prazer é remédio contra a tristeza. Tomás destrói assim a objeção "espiritualista": ―Objeção 1.: Parece que sono e banho não mitigam a tristeza. Pois a tristeza reside na alma; enquanto banho e sono dizem respeito ao corpo, portanto, não teriam poder de mitigar a tristeza. Resposta ad 1: Sentir a devida disposição do corpo causa prazer e, portanto, mitiga a tristeza‖. De resto, para os remédios contra a tristeza, Tomás não fala de Deus nem de Satã, mas sim recomenda: qualquer tipo de prazer, as. 9. . Luciene Félix: ―Descartes‖ http://www.esdc.com.br/CSF/artigo_descartes.htm . Lauand, Jean http://www.hottopos.com/rih20/jean.pdf. 10.

(25) lágrimas, a solidariedade dos amigos, a contemplação da verdade, banho e sono. E ainda sobre a interação alma-corpo, Tomás afirma em I-II, 37, 4: ―A tristeza é, entre todas as paixões da alma, a que mais causa dano ao corpo [...] E como a alma move naturalmente o corpo, uma mudança espiritual na alma é naturalmente causa de mudanças no corpo‖. Agir no corpo para atingir a alma; agir na alma para atingir o corpo. Tivesse prevalecido a antropologia de Tomás teríamos estado, desde o século XIII, em muito melhores condições de compreender a natural e necessária condição psicossomática (e somatopsíquica...) de nossa realidade. Tomás é tão "materialista" que nas questões de Quodlibet, tratando do jejum, dirá que o jejum é sem dúvida pecado (absque dubio peccat) quando debilita a natureza a ponto de impedir as ações devidas: que o pregador pregue, que o professor ensine, que o cantor cante..., que o marido tenha potência sexual para atender sua esposa! Quem assim se abstém de comer ou de dormir oferece a Deus um holocausto, fruto de um roubo. Como indicávamos, essa posição de Tomás era excepcional, considerada, em sua época, quase herética: a teologia contemporânea recusava a doutrina de uma única alma no homem e afirmava a existência de três (naturalmente a ―alma espiritual‖, independente da matéria é que era considerada a decisiva, em detrimento da ―alma vegetativa‖ e da alma ―sensitiva‖). Se, desde Platão, o exagerado ―espiritualismo‖ tem sido uma tentação (especialmente para visões superficiais do cristianismo), em Descartes o Ocidente se lança de vez na dicotomia mente x matéria.... Destaquemos o agudo diagnóstico de Heráclito ―O forno presenteia o pão. Como pode o homem viver sem a dádiva do pão? Essa dádiva do forno é o sinal indicador do que são os theoí, os deuses. São os daíontes, os que se oferecem como extraordinário na intimidade do ordinário.‖ Como procuraremos indicar, também no sentido antropológico-cultural vige a sentença, que viria a se tornar célebre: ―você é o que você come‖ (que remonta a Anthelme Brillat-Savarin "Dis-moi ce que tu manges, je te dirai ce que tu es." (1826) e a Feuerbach "Der Mensch ist, was er ißt." (1864)). A seguir, indicamos a estruturação que pretendemos dar à dissertação. 1.6. A estrutura do trabalho. Os capítulos podem ser lidos e interpretados juntos ou de forma unificada, pois o percurso de todos vai fornecer ao professor uma contribuição de saberes pelos sabores a partir de NH. Após a Introdução, dedicaremos o capítulo 1 a Nina Horta, intitulado Le horsd´oeuvres ou a entrada de uma grande preparação, nele será destacado a sua.

(26) participação nesse trabalho e como evoluiu durante sua trajetória profissional e de vida, como por exemplo o uso da internet e redes sociais. O capítulo 2, à discussão teórica da importância do estudo da cozinha para a educação e antropologia a fim de explorar as escritas de NH. Nesse capítulo serão abordados o gelo e a conservação de alimentos ao longo das décadas como o uso de especiarias e comida de macho, comida de mãe, de mulher, as saudades e aprendizados da comida de criança. O cap. 3 será dedicado à apresentação do primeiro tema da principal obra de NH ―Não é sopa‖ que aborda sobre comida de alma e suas relações com ela como comida de mãe, comfort food, de escola e os opostos como comida de madrasta, comida de presídio, de hospital, velório, caminhoneiro e a cultura acerca dessas comidas que contribuem para entender cada indivíduo frente a esses sabores. No capítulo 4, abordaremos a cozinha perversa e sua contribuição na educação em relação ao entendimento da obesidade e hipertensão, que tem gerado hoje preocupações; comidas de estádio e a regionalidade em nosso país, congeladas e prontas e picamalácia que é a vontade das grávidas de ingerir coisas estranhas e impróprias. No capítulo 5, será abordado o tema ―cozinhas‖: como são e algo de sua história desde os primeiros relatos até hoje; uma relação com as cozinhas simples e modernas, presídios, escola, praia, caminhão e as de novelas. No capítulo 6, uma breve incursão no aprendizado das comidas, preceitos e tradições em torno da religião. No capítulo 7, o tema proposto é o vegetarianismo, algumas vezes por princípios outras por necessidade, pela falta de recursos financeiros. No capítulo 8, uma viagem desde os primeiros relatos até nossos dias sobre os utensílios e equipamentos e a inserção da energia elétrica, entre outros fatores marcantes na história dos povos. Em. nossas Considerações. Finais, procuraremos. recolher sucinta. e. ordenadamente os pontos mais importantes obtidos no percurso da pesquisa e verificaremos o alcance e o significado da hipótese inicial, que situava a cozinha como chave antropológica e de alto potencial educativo..

(27) 2 CORPUS. CAPÍTULO 1: Le hors-d´oeuvres – Nina Horta.. Numa dissertação que apresenta como principal tema saberes pelos sabores a partir das escritas de Nina Horta não poderia deixar de colocá-la de início com a ―entrada‖ de uma refeição. Em francês chamamos de “Le hors-d´oeuvres”, e em italiano em antepasto. São os canapés, os salgadinhos, amendoins, entre outros. Como o título desse capítulo, alguns termos apresentados nessa dissertação podem ser desconhecidos, em seu significado exato, por alguns que usualmente os 11. utilizam sem a preocupação de seu real significado e aqui recolho alguns deles : . Alimento: Toda substância que, introduzida no organismo, serve para nutrição dos tecidos e para produção de calor. Todas as despesas ordinárias a que o alimentário tem direito.. . Culinária: arte de cozinhar.. . Degustar: Tomar o gosto ou sabor de, por meio do paladar.. . Gastronomia: Arte de cozinhar e preparar as iguarias de modo a tirar-se delas o máximo prazer. Arte de escolher e saborear os melhores pratos.. . Nutrição: após a escolha, preparo, deglutição e digestão, há absorção de nutrientes para manutenção corpórea.. . 12. Técnica Dietética : Disciplina que, baseada em ciências exatas, estuda as operações às quais são submetidos os alimentos depois de cuidadosa seleção. Estuda também as modificações que os mesmos sofrem durante os processos culinários e outros, de preparação para o consumo.. Tão importante como os termos utilizados e ditos são as profissões usualmente apresentadas. Esses profissionais fazem a brigada de nossas cozinhas e preparam nossa alimentação diária. Muitas dessas profissões renomadas são tão singelas quando no papel de nossas avós, mães, madrinhas e a crescente inserção. 11 12. . Foi utilizado o dicionário Michaelis, acesso em 09-07-12, http://michaelis.uol.com.br/ . ORNELLAS. Técnica Dietética. ATHENEU, 2001..

(28) dos homens na cozinha, aproximam nossos avôs, pais, tios dessa brigada profissional. Para iniciar esse assunto de profissões, utilizarei um texto de Nina Horta que nos mostra quem são os nossos cozinheiros e chefs e qual o lugar que realmente ocupam na sociedade:. Chefs do desejo: Além de cozinhar, precisa ter tino para os negócios, manter seu blog perfeito e aparecer na capa da revista. O título da minha última coluna falava em saudosismo. Longe disso. Tenho é notado as diferenças, não digo que gosto mais do que era antes, jamais. O que vejo é como as coisas estão mudando, e bem depressa, aqui e ali. Pensem. Vamos lá, fragmentos de mudanças. Temos a cozinha de chef e a cozinha de casa, cada vez mais diferentes. Os chefs de restaurantes e os chefs caseiros, o feminino e o masculino, o profissional e o doméstico. Não estou fazendo diferenças de gênero, mas de tipos. O chef pode ser mulher ou homem e o cozinheiro caseiro, também. Qual a tradição cultural mais importante, a do cozinheiro do passado, o mestre de muitos, o famoso por seus jantares, ou a tradição do cozinheiro de casa que aprendeu de ouvido com a avó e a mãe? As duas, talvez. A cada dia percebemos, nós que nos preocupamos tanto com comida, que temos que conviver com os dois. Os cozinheiros dentro de suas casas alimentando uma família, e os chefs profissionais cada dia mais profissionais, com suas técnicas avançadas, com seus fogos de artifício na festa, no restaurante. E o que mais mudou? Não se falava muito em comida, apenas comia-se sem muito estardalhaço. Até o outro dia. Hoje levamos um susto ao abrir o Facebook pela primeira vez. Não é possível! Por que me interessaria pelo que eles todos comeram hoje? Que Maricota fez esse bife com arroz e que Jussara comeu curau e Abenilda tem saudade dos bistrôs parisienses? Depois de um mês já achamos normal e começamos a contar também sobre o fermento que herdamos da vizinha. As pessoas têm necessidade de fotografar a refeição e mostrar para os outros o momento de prazer que tiveram. Afinal, a comida talvez seja um dos melhores modos de se conectar com todos e com o mundo. Só pode ser. Antes, ninguém conhecia o chef, só a comida dele. Hoje o próprio chef é objeto de desejo, mais do que a sua comida. Quando publico no blog uma foto do dinamarquês do Noma, as mulheres me escrevem, não para pleitear uma quentinha, mas perguntando se o Thor não quer ir à casa delas catar mato no jardim. Antes eram todos gatos borralheiros, hoje são todos gatos. Existe muita diferença entre a peregrinação no caminho de Santiago e a peregrinação à Catalunha do Ferran? Se existe, é somente porque a do Ferran exigia mais estamina na espera. Tão religioso um quanto o outro. E exige-se tanto de um chef como de um santo. Além de saber cozinhar bem, precisa ter tino para negócios, manter seu blog perfeito, aparecer na capa das revistas, fazer propaganda de sopa de tomate e tatuar o torso. Sair no guia, ganhar o concurso, ter um programa de TV, cozinhar na cozinha-aquário de vidro como um.

(29) peixe fosforescente listrado, escrever um livro com noite de autógrafos lotada. Já repararam também que os reality shows de comida não têm comida? Só chefs. Aparecem em primeiro plano, queixam-se dos colegas ou dos jurados, choram, riem, gritam e batem palmas. Nós ficamos sem saber como fazer a bomba de maracujá com manga. Isso não quer dizer que choro de saudade da Dona Benta, da Palmirinha e da Ofélia. São mudanças, só isso (FSP, 07-12-11, http://www1.folha.uol.com.br/fsp/comida/13395-chefs-dodesejo.shtml).. 1.1.. Ingrediente Principal – Nina Horta. Como preparar uma pesquisa nesse formato sem dizer nesse momento sobre o ingrediente principal, Nina Horta, pedagoga e escritora de assuntos voltados à comida e tudo que a ela se refere.. Umas das entrevistas. 13. de NH e que realmente me chamou a atenção é a. escrita abaixo, longa e necessária: Há 20 anos, a mineira “por 12 dias” Nina Horta escreve crônicas semanais na Folha de S.Paulo. O tom informal num dos jornais mais sérios do País conquistou fiéis leitores, que trocam ideias e receitas com a cronista-quituteira. A mulher que leva gastronomia até no nome aprendeu a cozinhar lendo revistas norte-americanas. Fato de que se arrepende um pouco: “Deveria ter prestado atenção nas receitas bem brasileirinhas que minha mãe fazia em casa”, reconhece. Hoje não comanda diretamente os fogões, mas um bufê em São Paulo. Rodou o País num projeto de oficinas com merendeiras “inteligentes, espertas, com mão de ouro, alegria no rosto e no coração”. Escreveu dois livros, um sobre esse programa itinerante e outro de coletânea de crônicas. Só irrita-se com a pouca valorização da culinária na imprensa brasileira. “É o único assunto que realmente não deve se deixar de lado.” Quando você começou a se interessar por gastronomia? Desde sempre. Especificamente na cozinha, ao ficar noiva. Naquele tempo, mulher que fosse casar precisava ter noção dos serviços domésticos. E me meti a ler sobre cozinha, a fazer experimentações. Inspirava-me em receitas norte-americanas, de revistas que viajavam meio mundo. Mas foi bobagem minha. Deveria, na verdade, ter prestado atenção nas comidas bem brasileirinhas feitas na minha casa. Só percebi o valor delas muitos anos mais tarde. Você nasceu em Minas, mas sempre morou no Rio ou em São Paulo. O que carrega de influência de cada um desses lugares?. 13. . Entrevista concedida em 12-07-2011 com acesso http://www.almanaquebrasil.com.br/personalidades-cultura/9265-nina-horta.html. em. 20-04-12,.

(30) Meus pais eram de família mineira de quatro costados, mas moravam no Rio. Nasci em Minas para minha mãe ficar perto de minha avó. A quarentena, porém, foi de apenas 12 dias. Sou uma mineira de 12 dias. Mas sinto-me de coração, e até falo “uai”. Minhas influências, como disse, são de revistas americanas. Na prática, as da minha mãe. Mais tarde, fui pegando influências por onde passasse. A Confeitaria Colombo, no Rio, me fascinava. Lembro também da comida da minha avó na fazenda mineira. Em cada lugar do mundo por onde passo a minha primeira visita é ao mercado. Você se formou em Educação pela USP. Qual a importância do curso para a sua atividade profissional? O que conquistei é um melhor discernimento de mundo. Vejo as coisas num contexto maior que uma receitinha de suspiros. Se fosse só cozinheira, a técnica talvez valesse mais que a teoria, mas como comerciante, dona de um bufê, a faculdade só ajudou, com as matérias de história, psicologia, sociologia, administração escolar. Quando uma cliente japonesa vai se casar com um polonês, por exemplo, sei direitinho o que fazer para agradar as raízes de ambos. Se é uma comemoração Brasil-Japão, também. Há mais facilidade do que se tivesse feito apenas uma faculdade de técnicas culinárias. Eu tinha uma professora que sempre dizia: “Façam bem a faculdade, não importa o que venham a ser. Um jardineiro será melhor jardineiro depois de uma faculdade”. E tinha razão. E por que não uma faculdade de gastronomia? Casei muito moça, e não dava para viajar para estudar gastronomia. Não havia escolas no Brasil. Era considerada uma das atividades mais baixas na escala profissional. Hoje não sou cozinheira, mas dona de bufê. Estou mais para comerciante do que para quituteira. Sempre cozinhei bem, mas apenas como uma pessoa que tem jeito para a coisa. Nunca me arvorei em ser chef. Mas tem suas especialidades, não? Eu adoro fazer comidas indiana e tailandesa. São semelhantes à nossa, cheias de caldinhos, farofinhas e frituras, tudo junto. Minha especialidade é bolo de nozes muito fofo, ensopado de frango com especiarias bem picantes, com castanhas portuguesas e arroz bem grudadinho. E, pasme: mangas cruas. Além de camarão com alho, rápido e delicioso. E, claro, a nossa comida brasileira diária. Quando você começou a escrever crônicas para a Folha? Há uns 20 anos. O crítico gastronômico Josimar Melo deixou sua coluna, em que escrevia receitas, oferecendo de mão beijada o espaço a mim. Penei uns meses escrevendo receitas puras. Um dia, a seção ficou a cargo de um foquinha [jornalista iniciante]. Resolvi escrever uma crônica, e alguém da Folha proibiu que os outros mexessem no meu texto. Foi uma grande sorte, dessas que acontecem e mudam completamente a vida da gente. Qual o segredo para escrever boas crônicas gastronômicas? Será que eu sei? Nem sempre. Tem que pegar um acontecimento mínimo, cotidiano e explorá-lo por todos os lados. Com leveza e, se possível, com graça. Os leitores adoram reminiscências que, em geral, são deles também..

(31) Como manter o estilo leve e coloquial num grande jornal, caracterizado por temas sisudos? Não é fácil. Fácil é escrever sisudamente. Mas também é cavar seu próprio buraco, porque o coloquialismo leva os outros a pensar que é sem esforço. Como é o relacionamento com os leitores? Eles são demais, não dá pra acreditar. São, na maioria, homens muito interessantes. De uma generosidade que me comove. Por esta razão nunca deixei de responder a uma carta deles. Uma vez ou outra perdi o endereço ou fiz uma promessa e não cumpri. Esse remorso me assombra vida afora. Adoraria que voltassem, reclamando o combinado. Como foi sua incursão no mercado editorial? O primeiro livro que lancei, Não é Sopa, é uma coletânea das minhas crônicas. Quem me encomendou foi a Maria Emilia Bender, da Companhia das Letras. É um livro muito bem cuidado. Demoramos quase dois anos juntando o material, que é uma coletânea. O resultado é que vende, graças aos céus, há dez anos, com muitas reimpressões. Há também o livro para merendeiras, feito após percorrer o País visitando-as, oferecendo oficinas. Foi editado pelo MEC e distribuído nas escolas. São 250 mil exemplares! Oba, Brasil grande! E como foram essas oficinas para as merendeiras? Qual a importância dessas profissionais? É difícil explicar em poucas palavras. Fizemos este tour pelo Brasil encontrando as merendeiras, que são as mulheres que fazem a comida das crianças nas escolas, e ficamos agradavelmente surpreendidos. Dos confins do Acre a Jundiaí, encontramos mulheres de garra, boas cozinheiras, interessadas em alimentar as crianças – e algumas delas só fazem essa refeição por dia. Elas recebem de volta um amor sem limites. São inteligentes, espertas, com mão de ouro, alegria no rosto e no coração. Aprendemos bem mais com elas do que elas conosco. Não estão preparadas para transmitir uma cultura de alimentação teórica, têm poucos ingredientes em mãos, o básico. Fazendo comida gostosa já basta, melhor cultura não há. A internet influenciou na dinâmica de seu trabalho? A internet influenciou na dinâmica da minha vida. Atualmente quase só tenho amigos que vivem com a internet no ar. Quase não uso mais telefone. Recebo constantes e-mails dos leitores. Interajo bastante, descubro o que agrada ou não. Graças a ela, consulto, escrevo, assisto, compro, pago. Ficaria muito triste se tivesse morrido antes do advento da internet. Escrever sobre comida é tão importante quanto escrever sobre qualquer outro tema? É. Quase todo mundo considera um assunto menor. Poupem-me. É a única coisa que realmente não podemos deixar de lado. Vive-se até sem amor, mas sem comer... Costumo dizer que as comidas são mais bonitas do que as flores. É que a flor é tão linda que me dá culpa, porque só posso usá-la de enfeite. As alfaces, por outro lado,.

(32) são. lindas. e. comestíveis.... Você sente que o assunto é subvalorizado? Sim. Quando um carinha entra para o jornal quer ser escalado para a política, economia, guerras. Se ele pudesse escolher, comida seria a última opção. Se um repórter não entende nada de comida, suas matérias serão menores; se o editor não entende nada, dará prioridade a matérias menores. Escreverão como se comida fosse só variedade de queijo e receitas de pastel... Em que momento surgiu a ideia de montar o seu bufê? Quando meus filhos saíram de casa, não tive a síndrome do ninho vazio. Saí também. Fiz um curso de cozinha com Martha Kardos, uma austríaca fabulosa. Ela sabia tudo sobre cozinha e tinha exigência total. Eu e uma colega, Andrea Rinzler, nos tornamos tão boas cozinheiras que até exagerávamos... Em casa, era comida demais, sobremesa demais. A família, que começou adorando, já não suportava acordar com café da manhã de sopa de coalhada, almoçar comida chinesa, e jantar portuguesa. Então, nos inclinamos a abrir uma rotisserie, ou algo parecido. Abrimos uma cozinha que fazia bolos para o América. Quando o América montou sua cozinha central, não precisávamos mais fazer bolos. Começamos a produzir pequenas festas para amigos. E, com o tempo, o negócio cresceu e tornou-se o que é hoje. O que acha dos fast-foods? Se for limpo e a comida gostosa, não vejo problema. É um lugar para se levar as crianças, que vão se socializando, aprendendo a comer em restaurantes. A primeira vez que fui a um, estranhei a pressa, parecia que faltava algo. E faltava mesmo: aquele comer mais devagar, mais apreciativo, mais atento. Mas não são os monstros da comida. Se forem bons, não tenho nada contra. A cozinha regional anda na moda, não? Há um movimento para que a cozinha regional apareça mais, que fique mais globalizada dentro do próprio Brasil. Isto só será possível quando houver uma demanda de ingredientes nacionais, um sistema armado junto aos peixes do Amazonas, para que eles cheguem aqui frescos, por exemplo; quando o pequi puder chegar no tempo da colheita e os restaurantes avisarem que o pequi chegou, como anunciam a época das trufas. Tudo depende muito do marketing e da economia, da quantidade de gente com dinheiro para sustentar os restaurantes que se atrevam a gastar muito para colocar o Brasil à mesa. Falta sofisticação na gastronomia nacional? Todo país que não teve no passado uma corte rica, com cozinheiros inventando comidas especiais para reis e seus convidados, não tem tradição de uma comida sofisticada. Fica nas receitas caseiras mesmo. É o que acontece conosco. E, afinal de contas, nada mais sofisticado do que o simples e bom..

(33) Há outras entrevistas que podem ser encontradas nos sites, revistas, jornais e outras fontes, mesmo por que NH é referência no assunto. No entanto de todas que li para preparar essa pesquisa, a que mais me chamou a atenção foi essa aqui colocada na íntegra e continuarei a destacar alguns trechos importantes para o total entendimento, como um modo de preparo.. ...Quando você começou a se interessar por gastronomia? Desde sempre. Especificamente na cozinha, ao ficar noiva. Naquele tempo, mulher que fosse casar precisava ter noção dos serviços domésticos. E me meti a ler sobre cozinha, a fazer experimentações... ...Como é o relacionamento com os leitores? Eles são demais, não dá pra acreditar. São, na maioria, homens muito interessantes. De uma generosidade que me comove.... NH é de uma época que mulher deveria estar na cozinha e a frente dos afazeres domésticos como pregar botões, limpar a casa, etc. Elas eram educadas para serem esposas de advogados, médicos, políticos. O que bem se mostra no filme ―O Sorriso de Monalisa‖. Bem, os homens além das profissões ou ocupações acima descritas, deveriam ir para a lavoura, buscar o alimento e sustento da família. E na entrevista, ela escreve que seus maiores leitores são os homens, ou seja, ela viu a mudança de comportamento que a comida proporcionou nas gerações, hoje em dia, homem vai para a cozinha e ainda ―faz charme‖. ...A internet influenciou na dinâmica de seu trabalho? A internet influenciou na dinâmica da minha vida. Atualmente quase só tenho amigos que vivem com a internet no ar. Quase não uso mais telefone. Recebo constantes e-mails dos leitores. Interajo bastante, descubro o que agrada ou não. Graças a ela, consulto, escrevo, assisto, compro, pago. Ficaria muito triste se tivesse morrido antes do advento da internet.... Como não chamar a atenção para esse trecho da entrevista, NH coloca a importância da internet no seu trabalho? Ela mesma diz que sua influência foram as revistas americanas e a observação em sua avó que utilizava dos livros de receitas. O primeiro livro de receitas do Brasil foi o Cozinheiro Imperial ou nova arte do cozinheiro e do copeiro em todos seus ramos, datado de 1840 e publicado no Rio de Janeiro por Eduardo & Henrique Laemmert. O livro é assinado por R.C.M., ―chefe de.

Referências

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