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Reminiscências da terra do alho

O território pertencente ao município de Governador Dix-Sept Rosado, localizado no Médio Oeste Potiguar, era habitado pelos índios Cariris. Em meados do século XVII o lugar chamava-se Passagem do Pedro (referência ao nome do pioneiro que abriu a primeira trilha transpondo o rio Apodi/Mossoró). Indícios das primeiras construções remontam à segunda metade do século XVIII, situadas às margens desse rio. Nos idos de 1766, o capitão Sebastião Machado de Aguiar, fazendeiro e agricultor já estabelecido na região, residente na fazenda Pau do Tapuyo, se casou com Catarina d’Amorim Oliveira, sem filhos; fizera um voto para São Sebastião, prometendo que, caso nascesse um herdeiro do sexo masculino, edificaria uma capela sob sua invocação. Atendido em suas preces, em 1792, iniciou a construção da capela, momento no qual ocorre a mudança do nome de Passagem do Pedro para São Sebastião. Em 1842, desmembra-se da Freguesia da

Ribeira do Apodi, passando a chamar-se Freguesia de Santa Luzia de Mossoró, quando se transformou em Igreja passando a pertencer ao município Vila Princesa, Comarca de Assu. A construção original foi destruída numa das enchentes do rio Apodi/Mossoró e nova capela foi reerguida na década de 1940. O distrito de São Sebastião mudou para Sebastianópolis em 1943 e em 1951 passa a se chamar Governador Dix-Sept Rosado em homenagem a Jerônimo Dix-Sept Rosado Maia, governante potiguar morto em acidente aéreo na capital sergipana, filho do farmacêutico Jerônimo Rosado, responsável por iniciar o aproveitamento das jazidas de gipsita na região. A extração de gesso significou outra atividade historicamente expressiva no município, criado afinal em 04 de abril de 1963, quando é então desmembrado de Mossoró.

No ano de 1870, principia a produção de alho e cebola na região, o cultivo do alho prevaleceu como a principal economia local por 70 anos. Conforme Reginaldo Silva (2002) existem duas versões para o aparecimento das plantações no povoado:

“A primeira remete a Seu João Jacinto da Costa, em seu folheto Memorial de Santa Luzia de Mossoró consta que foi uma mulher, Joana Batista, através da adubação com “mofumbo moído a cacete”; iniciou o plantio do alho na localidade de Sítio Gangorrinha. Já para historiadores como Câmara Cascudo, quem iniciou o plantio em Gangorrinha foi João Batista. Nota-se nas duas versões que as pessoas têm o mesmo sobrenome podendo-se supor que o cultivo do alho estendia-se ao Sítio Quixaba de São Bento, onde o senhor Vicente Azevedo produzia esse condimento em larga escala, que era comercializado em outras localidades como Assu. A produção do alho era tanta que a Vila chegou a ser chamada de “Capital do Alho”.”

Na opinião de Sebastião Saturnino e de sua esposa Maria Madalena, moradores do Sítio Gangorrinha, ele, filho e neto de agricultores, produtores de alho, cebola, pimentão, amendoim e tomate, as lavouras praticamente desapareceram nos últimos anos em razão das enchentes provocadas pela perenização rio Apodi/Mossoró e da poluição de suas águas por produtos químicos. As plantações situadas em suas vazantes determinavam a formação dos canteiros em parte do leito seco; a época do plantio da variedade de alho conhecida como “paulistana branca”, de sabor picante e cheiro ativo, ocorria nos meses de julho e agosto e o tempo da colheita previsto para quatro meses acontecia entre novembro e dezembro. A cebola proporcionava duas safras por ano devido ao tempo da colheita ser menor, em torno de 70 dias. Conforme o senhor José Maria de Oliveira, debulhavam o alho, plantavam os “dentes” (sementes) considerando o espaçamento de 11 cm entre linhas e entre plantas; para a cebola branca e vermelha, 27 cm entre linhas e entre plantas. Usavam adubação orgânica misturando esterco bovino com folhas de mofumbo (árvore nativa da caatinga), usadas igualmente para a forração dos canteiros como estratégia para preservar a umidade sobre a terra.

e Piauí. Além de Gangorrinha, outros sítios localizados às margens do rio respondiam pela expressiva produção dessa hortaliça no município, dentre os quais, Cafundó, Aguilhada, Bonito, Poço Feio, Santana, Quixaba, Juazeiro, Ipueira, Pedrinhas, Lagoa de Paus e Monte Alegre. Na época da safra, a circulação de caminhões pelos sítios era constante e famílias inteiras de agricultores encontravam no alho uma alternativa segura para a subsistência. Quase todas as pessoas, homens, mulheres e crianças sabiam fazer trança de alho entrelaçando as folhas, que assim eram vendidas: cinquenta cabeças em 25 “pareias” (pares), cem tranças de alho compondo 01 cento. Nas casas, trançavam ao mesmo tempo folhas secas e animadas conversas.

D. Madalena, Seu Sebastião e José Maria, produtores de alho e cebola. Sítio Gangorrinha, Governador Dix-Sept Rosado/RN, 2011.

Com a construção da Barragem de Santa Cruz, em Apodi, o rio foi perenizado, alagando os canteiros e alterando de modo irreversível práticas culturais características da região. As famílias de agricultores não se lembram de ter sido informadas por nenhum órgão ou representante governamental; nenhum estudo antropológico sinalizou sobre os possíveis impactos consequentes dessa alteração do curso natural do rio e como isso afetaria a situação sociocultural dos agricultores; nem foram feitas orientações com estratégias que pudessem superar essa dificuldade, mantendo a continuidade da cultura do alho na região, responsável durante décadas por mobilizar a economia local e divulgar externamente a cidade de Governador Dix-Sept Rosado como a “capital do alho”.

adubação orgânica como suposto agente contaminante das águas, porém alguns identificaram a presença de uma “água dourada” convergindo para o rio, acreditam ser um resíduo oriundo da extração de petróleo desenvolvida na região. Outro motivo é a concorrência desigual com o alho importado da Argentina ou procedente da cidade de Guarabira, na Paraíba, este último, vendido na “feira do alho” em Mossoró, município limítrofe. O alho estrangeiro é mais vistoso em sua aparência, enquanto o paraibano possui sabor mais acentuado, característica similar do alho produzido anteriormente pelos dix-septienses.

Apesar do seu declínio como atividade econômica, a influência marcante da cultura do alho repercutiu, sobretudo, nas práticas populares: os bulbos da planta são utilizados generosamente como tempero indispensável para condimentar carnes de boi, bode e galinha, além do arroz e do “feijão temperado”. Como remédio caseiro, os agricultores recomendam o consumo de alho como uma orientação médica para regular a pressão arterial e o chá de alho como infalível no tratamento da gripe, além disso, é empregado como cicatrizante para umbigos de recém-nascidos, e os produtores rurais usavam pisar o alho com sal e jogar na cocheira para o gado como vermífugo natural. Seu consumo excessivo é evitado, pois o cheiro forte sai no suor e fica incorporado ao hálito, argumentos usados pelos mais jovens para não ingeri-lo.