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e 14 - Remoções de guetos operários

FORTALECIMENTO DAS ASSOCIAÇÕES COMUNITÁRIAS NO CAMPO EM MUCAMBO - CE

Fotos 13 e 14 - Remoções de guetos operários

MER GEFO RMAT 1 141 população para áreas mais distantes, desprovidas de infra-estrutura, serviços e equipamentos coletivos, para dar lugar à reabilitação do bairro com vista para o mar, para atrair o turismo. (BERNAL, 2004, p.172).

Fotos 13 e 14 - Remoções de guetos operários.

Fonte: MUNIZ, 2012.

Embora predomine neste espaço uma população de menor poder aquisitivo, constituída por trabalhadores assalariados ou do setor informal, é visível a presença de casarões ocupando quase um quarteirão, isto é uma característica do arranjo espacial da capital em que presenciamos verdadeiros contrastes. Conforme Villaça (1998, p.142) "... a segregação não impede a presença nem o crescimento de outras classes no mesmo espaço.” Em outro momento afirma que “segregação é um processo dialético, em que a segregação de uns provoca, ao mesmo tempo e pelo mesmo processo, a segregação de outros” (VILLAÇA, 1998, p. 147-148). Mesmo com o projeto de requalificação e a construção de conjuntos habitacionais permanecem as territorialidades construídas com a saída ou falência de inúmeras indústrias. Silva (1992) analisa a ação Estatal através da construção de casas como “solução” para a questão da moradia para este segmento social constituído pelos grupos sociais excluídos:

A situação de miséria sem dúvida prevalecerá. Não se resolve a questão da habitação sem se resolver a questão da renda. É lógico que os espaços criados, agora em forma de conjuntos, para uma população de baixíssimos níveis de renda, e, em muitos casos sem renda, serão convertidas em pouco tempo, em áreas problemáticas quanto aos serviços e equipamentos urbanos. Em primeiro lugar, a transferência dessas famílias para conjuntos, implica em impor a elas novas necessidades inexistentes no ambiente de favelas (taxas de água, luz, impostos e, principalmente, transporte, pois a maioria dos conjuntos são construídos em áreas distantes). (SILVA, 1992, p. 68-9).

De acordo com Madeira e Costa (2005):

[...] A saída das indústrias do bairro gerou grandes transformações no uso e ocupação do solo urbano, pois gerou desemprego, áreas de antigas indústrias foram vendidas para construção de condomínios e estabelecimentos comerciais e de serviços e outros foram ocupados por cortiços e comercio e consumo de drogas.

O crescimento da violência e da criminalidade, com a saída de indústrias, pode ser constatado durante visita de campo em que espaços de antigas indústrias servem atualmente para outros fins, como as instalações da antiga Vilejack Jeans, moradia irregular para pessoas menos favorecidas economicamente que através da autoconstrução passam a viver nestes antigos espaços.

PAGE \* MER GEFO RMAT 1 142 Fonte: MUNIZ, 2012.

Em alguns destes espaços que hoje já se ver construção de alvenaria, anteriormente foi ocupado por sem tetos que colocaram plásticos e fincaram restos de construção para delimitar o espaço a ser ocupado por família. Em alguns trechos se percebe que conseguiram junto à associação de moradores, fazendo pressão ao poder público, alguns serviços infraestruturais básicos. É o Estado que,

Diante de sua incapacidade ele institui “legalmente” o ilegal, ou dizendo o contrário, uma legalidade gera uma ilegalidade. Já que não tem condição de assumir a produção do espaço urbano com políticas públicas capazes de atender a demanda social por habitação, equipamentos e as infra-estruturas capazes de garantir o mínimo de inserção da sociedade, ele acaba sendo conivente na produção da cidade ilegal, com suas favelas, cortiços, etc. Os muros da cidade contemporânea são invisíveis; a muralha se manifesta de outra forma, tem outro formato construtivo, está ligada a esse nível de urbanidade: é uma muralha que mantém a segregação (SILVA, 2008, p. 153).

Corrêa (2000) nos fala acerca da segregação residencial ao afirmar que a existência de diferentes classes sociais é refletida no espaço através da desigualdade residencial, sendo a elite respaldada pela atuação seletiva do Estado, estes, os maiores impulsionadores da diferenciação nas condições de moradia.

A classe dominante ou uma de suas frações, [...], segrega os outros grupos sociais na medida em que controla o mercado de terras, a incorporação imobiliária e a construção, direcionando seletivamente a localização dos demais grupos sociais no espaço urbano. Indiretamente atua através do Estado (CORRÊA, 2000, p.64).

Quanto ao rebatimento no espaço das classes sociais fragmentadas Corrêa (2000) diz que:

Verifica-se basicamente devido ao diferencial da capacidade que ...cada grupo social tem de pagar pela residência que ocupa, a qual apresenta características diferentes no que se refere ao tipo e a localização. Em outras palavras, as áreas sociais resultam das diversas soluções que as classes sociais e suas frações encontraram para solver os problemas de como e onde morar. Mas estas soluções não derivam de uma ação autônoma por parte das classes sociais vistas enquanto consumidoras (CORRÊA, 2000, p. 62).

Kowarick (1979) nos remete à lógica da produção do espaço urbano, em que a produção se faz de forma coletiva, sendo uma construção social, mas a apropriação desse espaço se faz de forma privada, com grandes diferenciações e com uma seletividade que obedece aos interesses e ditames da sociedade capitalista. Assim, o autor faz alusão ao que chama de "espoliação urbana".

Embora em outro contexto, mas na busca de perceber como o desenvolvimento do capital em sua essência continua em sua forma histórica de atuação Kowarick (1979) afirma que:

Ora, no processo de produção da habitação, se existem empresas de porte nitidamente industrial bem como unidades com características manufatureiras, as classes trabalhadoras em proporções que variam em cada cidade, mas que são sempre significativas, solucionam seu problema – além do aluguel de habitações deterioradas e da construção de barracos em favelas – através da autoconstrução de suas residências. A razão desta espécie de

PAGE \* MER GEFO RMAT 1 143 'economia natural' em pleno sistema urbano-industrial, cuja mola propulsora e dominante centra-se nas empresas com alta densidade de capital, nada têm de anacrônico, pois a produção capitalista organiza-se, não para prover os trabalhadores com os meios de vida necessários para sua subsistência, mas para realizar um excedente que é privadamente apropriado (KOWARICK, 1979, p.56).

Observamos que antigos estabelecimentos industriais estão, agora, ou abandonados, servindo de abrigo para criminosos, consumidores de drogas e pontos de prostituição, ou colocados à venda.

Fotos 17 e 18 - Atual uso do espaço da Antiga Indústria Vilejack

Fonte: MUNIZ, 2012.

Atualmente, o local onde estava localizada a Fábrica Vilejack Jeans é a Comunidade do Gueto, localizada na Av. Francisco Sá.

Além de encontrarmos ao longo das ruelas da avenida principal muitos operários das indústrias que aí permanecem, muitos guetos hoje são constituídos pelas famílias de operários que ficaram desempregados e não conseguiram mais se inserir no mercado de trabalho.

No que se refere aos guetos, Lefebvre nos fala que:

[...] mesmo onde a separação dos grupos sociais não aparece de imediato com uma evidência berrante, surgem, ao exame, uma pressão nesse sentido e indícios de segregação. O caso-limite, o último resultado é o gueto. Observamos que já vários guetos e tipos de guetos: os dos judeus e os dos negros, mas também os dos intelectuais e os dos operários. (LEFEBVRE, 1991, p.94).

Não é somente na av. Francisco Sá onde encontramos espaços outrora ocupados por trabalhadores e por indústrias têxteis e que, acompanhando as transformações na cidade ao longo do tempo, hoje servem a novos usos, como, por exemplo, a antiga indústria Progresso, no Centro que passou a ser usada para o comércio de confecção, como pode ser visto na imagem a seguir:

PAGE \* MER GEFO RMAT 1 144 Fonte: O Fiar e o Tecer: 120 anos da Indústria Têxtil no Ceará.

Figura 20 - Pompeu e Irmãos incendiada em 1912.

Fonte: O Fiar e o Tecer: 120 anos da Indústria Têxtil no Ceará.

Figura 21 – Antiga Fábrica Progresso na Rua Imperador onde hoje está localizada o Beco da Poeira.

Fonte: Google Maps, 2016.

[...] funda-se a primeira indústria de tecidos de Fortaleza – a Fábrica de Tecidos Progresso - que começou a funcionar regularmente, a partir de 1884, com a chegada das máquinas da Inglaterra. [...]. Os historiadores locais consideram a fundação da Fábrica de Tecidos Progresso o marco inicial da implantação fabril no Ceará, apesar de ter sido um empreendimento isolado. Esta posição se justifica pelo fato de ela ter sido a primeira indústria equipada com máquinas, à exceção de tipografias [...] (AMORA, 1978, p.14-15).

A antiga Fábrica de Redes São José, na Avenida Filomeno Gomes nas proximidades da Escola de Aprendizes de Marinheiros e da Igreja Nossa Senhora dos Navegantes onde foi construído o shopping Boulevard Jacarecanga, inserido no projeto de shoppings nos bairros da cidade de Fortaleza-CE. No complexo o projeto teria um shopping e três torres - uma comercial e duas residenciais - estão sendo investidos R$ 250 milhões, sendo um empreendimento do empresário cearense Alexandre Filomeno Gomes (sócio-majoritário da A2W Empreendimentos e Participações) juntamente com um grupo de associados paulistas no complexo.

PAGE \* MER GEFO RMAT 1 145 O bairro do Jacarecanga, que já abrigou a aristocracia de Fortaleza, passa por um momento de transformação em função da melhoria da renda da classe média emergente. A região vai ganhar um shopping center e aproximadamente duas mil unidades habitacionais, com obras de construtoras como a Rossi, Colmeia, Jathay e Previcon. Alguns projetos estão em fase de conclusão e devem garantir ao bairro um novo fluxo de pessoas. Alexandre Philomeno Gomes explica que será mantida a fachada da antiga fábrica de tecido São José e construído um memorial com a história das famílias e empresas que faziam parte do bairro. (O POVO. Economia. Shopping e valorização do Jacarecanga. 05 de abril de 2013).

De frente ao espaço antes ocupado pela indústria Finobrasa (atual Vicunha em Pacajus e Maracanaú), na av. Humberto Monte, esquina com Sargento Hermínio, no bairro Presidente Kennedy, foi construído o Shopping Rio Mar Kennedy, com 60 mil m², um investimento do grupo pernambucano JCPM (João Carlos Paes Mendonça). Integrado ao projeto, a construtora Moura Dubeux, também pernambucana, ergue torres residenciais. "O negócio foi fechado entre JCPM, Moura Dubeux e os grupos Otoch e Esplanada. Os dois últimos donos do terreno. [...] O Grupo Vicunha, dono da antiga fábrica Finobrasa - em frente - não descarta negociar o imóvel no futuro". (O POVO. Colunas. Vertical S/A. 12 de agosto de 2012).

Figura 22 - Fábrica de Tecidos São José.

Fonte: Fortaleza Nobre, 2012

Figura 23 - Refuncionalização da antiga Fábrica São José.

Fonte: Google Maps, 2016.

Figura 24 - Atual local onde estava localizada a Fábrica São José, Hoje o Centro Fashion localizado na Avenida Filomeno Gomes.

PAGE \* MER GEFO RMAT 1 146 Fonte: SOUZA, 2019.

Não há mais a lógica da concentração em antigas zonas e sim a dispersão e, onde as condições ideais não existem, o capital a cria. Por outro lado, refletindo a própria contradição do processo em curso continua a concentração de indústrias na Capital, onde o escoamento da produção é mais viável, a mão de obra é mais abundante e capacitada. Por isto, se fazem necessários estudos particulares, sem se perder a noção do todo para entender as especificidades, porque não dá para padronizar ou elaborar teorias gerais, mas entender o presente com os olhos do passado e caminhando para o futuro.

Como podemos perceber, "o espaço urbano é produto, processo e reflexo da sociedade", segundo nos fala Corrêa (1995), é o “Lócus da reprodução das relações sociais de produção” suas representações e contradições. (LEFEBVRE, 1976 apud CORRÊA, 1996).

A produção de Harvey (1973)sobre a justiça social e a cidade, já nos permitia entender que a dinâmica urbana não apenas reflete a estrutura social de uma dada sociedade, como também se constitui em um mecanismo específico de reprodução das desigualdades.

O urbano se apresenta como a negação da reprodução da força de trabalho em patamares aceitáveis, é, pois, sua dilapidação permanente de forma espoliativa e fica a desejar a cidade como unidade de reprodução social e de consumo coletivo, como espaço de reprodução da vida em todas as suas dimensões. Carlos falando da apropriação da vida em todas as suas dimensões nos diz que:

“[...] as relações sociais que constroem o mundo concretamente se realizam como modos de apropriação do espaço para a reprodução da vida em todas as suas dimensões, e estas fogem – apesar de englobá-lo – o mundo do trabalho, envolvendo e ultrapassando a produção de objetos, produtos, mercadorias, isto porque a produção da vida não envolve apenas a reprodução dos bens para a satisfação das necessidades materiais: é também a produção da humanidade do homem” (CARLOS, 2001, p.13).

Desta forma:

A cidade aparece como materialidade, produto do processo de trabalho, de sua divisão técnica, mas também da divisão social. É materialização de relações da história dos homens, normatizada por ideologias; é forma de pensar, sentir, consumir; é modo de vida, de uma vida contraditória. (CARLOS, 2007, p.26)

Pensar o espaço metropolitano de Fortaleza e a dinâmica urbana a partir de formas espaciais de produção e os fixos voltados à reprodução da força de trabalho: habitação, transporte, instituições de capacitação e as transformações ao longo do tempo até chegar ao presente em que se insere não é uma tarefa simples. O retorno, entretanto, se faz mais enriquecedor quando

PAGE \* MER GEFO RMAT 1 147 ao olhar do observador está intrínseca a tentativa de resgate das apreensões construídas a partir das transformações na cidade e no modo de vida urbano, perceptível no maior fluxo de pessoas, mercadorias, transporte, do contato com diferentes atores, como também através das formas espaciais do passado e presente e a diversidade ao longo do tempo nas funções urbanas. Fortaleza continua ocupando papel de destaque sobre os outros municípios do espaço metropolitano, mas permanecem as desigualdades, ou verdadeiramente dizendo, se intensificam as desigualdades já existentes, contribuindo, assim, para acelerar e perpetuar uma estrutura marcada por um processo de acumulação, concentração e centralização da renda e do poder fruto do processo de expansão capitalista que desde o período colonial se desenvolve contraditoriamente, provocando geografizações diversas ao privilegiar espaços seletos e não atingir igualmente, nem ao mesmo tempo, os diferentes atores e coadjuvantes deste processo.

Portanto, este estudo nos permitiu analisar as transformações que se realizam na atividade industrial e, consequentemente, no espaço metropolitano de Fortaleza, bem como os impactos socioespaciais, possibilitando tecer as considerações finais, a seguir.

O atual processo de industrialização propicia mudanças nos equipamentos e nos fluxos urbanos, resultando em novas formas de apreensão espacial, uma vez que o surgimento ou relocalização industrial impulsiona o processo de metropolização além de induzir a reinvenção de espaços urbanos, revelando a recriação da cidade do/para o capital.

O desenvolvimento deste estudo permitiu ainda a compreensão dos novos usos do espaço industrial têxtil metropolitano de Fortaleza e as formas espaciais resultantes.

Espaços outrora ocupados por trabalhadores e por indústrias têxteis e que, acompanhando as transformações na cidade ao longo do tempo, hoje servem a novos usos.