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RENÚNCIA FISCAL: ASPECTOS CONCEITUAIS E NOTAS ACERCA DA

No documento JOÃO RIBEIRO DOS SANTOS FILHO (páginas 133-140)

4 FINANCIAMENTO DO EDUCAÇÃO SUPERIOR PRIVADO-MERCANTIL E

4.1 RENÚNCIA FISCAL: ASPECTOS CONCEITUAIS E NOTAS ACERCA DA

UTILIZAÇÃODEINCENTIVOSFISCAISNOBRASIL

No financiamento dos gastos públicos, os governos se utilizam da arrecadação compulsória de recursos, por meio de tributos, o que caracteriza o poder extroverso do Estado (poder de supremacia estatal, poder de impor), ou seja, o poder estatal e coercitivo imposto aos contribuintes, definindo as formas de tributação do país.

Em regra, os sistemas tributários têm por principal objetivo a geração de recursos para a administração pública, para a manutenção e para os investimentos do Estado. Os dispêndios (gastos/despesas) destes recursos são realizados por meio da execução de orçamentos aprovados pelos representantes da população no Poder Legislativo (senadores e deputados, no caso da União).

Cabe mencionar, entretanto, que o sistema tributário é permeado por desonerações da carga tributária. De acordo com o demonstrativo de gastos tributários (BRASIL, 2015, p. 6), “São consideradas desonerações tributárias todas e quaisquer situações que promovam: presunções creditícias, isenções, anistias, reduções de alíquotas, deduções, abatimentos e diferimentos de obrigações de natureza tributária”.

Estas desonerações, em sentido amplo, podem servir para diversas finalidades, como expressa o demonstrativo de gastos tributários (BRASIL, 2015, p. 6-7):

[...]. Por exemplo:

a) simplificar e/ou diminuir os custos da administração; b) promover a equidade;

c) corrigir desvios de tributação;

d) compensar gastos realizados pelos contribuintes com serviços não atendidos pelo governo;

e) compensar ações complementares às funções típicas de estado desenvolvidas por entidades civis;

f) promover a equalização das rendas entre regiões; e/ou, g) incentivar determinado setor da economia.

Nos casos de compensação de gastos realizados pelos contribuintes com serviços não atendidos pelo governo (deduções do imposto de renda, por exemplo) e de compensação de ações complementares às funções típicas de Estado desenvolvidas por entidades civis (como

as isenções em favor de entidades beneficentes e sem fins lucrativos e de instituições de pesquisa), essas desonerações se constituem em alternativas às ações políticas de governo. São ações que, de acordo com o demonstrativo de gastos tributários (BRASIL, 2015), têm como objetivo a promoção do desenvolvimento econômico ou social e não são realizadas por meio do orçamento, mas por intermédio do sistema tributário, pela via da renúncia fiscal.

Esses grupos de desonerações compõem o que se convencionou denominar “gastos tributários” ou “gastos indiretos de natureza tributária”. Infelizmente, não existe um procedimento padronizado quanto à nomenclatura e à determinação dos gastos tributários (BRASIL, 2015, p. 7). Como ponto de partida, gasto tributário, como já indicado na introdução, pode ser definido como dispositivo da legislação tributária que: a) reduz o montante recolhido do tributo; b) beneficia apenas uma parcela dos contribuintes; c) corresponde a desvios em relação à estrutura básica do tributo; e ou d) visa a objetivos que poderiam ser alcançados por meio dos gastos públicos diretos (BRASIL, 2015).

Sob o aspecto legal, cabe ressaltar que as leis de diretrizes orçamentárias (LDO) da União, relativas ao período 2004 a 2012, continham uma definição de benefício tributário. Transcreve-se abaixo o art. 89, §2º, da LDO, relativa ao exercício de 2012 (Lei 12.465, de 12 de agosto de 2011), que define benefício tributário.

Art. 89 – [...] [...]

§ 2º São considerados incentivos ou benefícios de natureza tributária, para os fins desta Lei, os gastos governamentais indiretos decorrentes do sistema tributário vigente que visem atender objetivos econômicos e sociais, explicitados na norma que desonera o tributo, constituindo-se exceção ao sistema tributário de referência e que alcancem, exclusivamente, determinado grupo de contribuintes, produzindo a redução da arrecadação potencial e, consequentemente, aumentando a disponibilidade econômica do contribuinte (BRASIL, 2011).

Em que pese não haver consenso na terminologia adotada (gastos tributários; benefícios tributários; renúncia de receitas; renúncia tributária; renúncia fiscal), na pesquisa aqui apresentada, tendo em vista que a abordagem dos dados compreenderá renúncias ou gastos tributários que envolvem contribuições sociais e impostos, tributos que compõem o sistema tributário brasileiro, optou-se pelo uso da denominação “renúncia fiscal”.

Os dispositivos legais que autorizam a renúncia fiscal podem assumir várias formas, como a redução da base de cálculo a ser tributada, a diminuição da alíquota incidente sobre a base, a dedução do montante a ser recolhido ou a postergação do pagamento (moratória).

O Brasil adota orientações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), nos registros de “gastos tributários” (renúncias fiscais), que são realizados por meio de Demonstrativos de Gastos Tributários, elaborados pela Receita Federal do Brasil, que acompanham o projeto de lei orçamentária anual encaminhado ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo.

Em documento técnico fornecido ao Senado Federal, Pellegrini (2014), aponta um conjunto de falhas em relação ao uso constante de gastos tributários, destacando: a facilidade de inserção das renúncias fiscais na legislação brasileira; a utilização de renúncias fiscais por prazo indeterminado, em muitos casos.

Pellegrini (2014, p. 10) destaca que as facilidades existentes para a implementação de gastos tributários (no nosso estudo, abordados como renúncias fiscais) estimulam a demanda destes benefícios “por parte dos grupos de interesse, especialmente se os gastos diretos estão mais sujeitos a controles do que os gastos tributários, o que não é difícil de ocorrer, especialmente em situações de aperto fiscal”.

Em relação às facilidades de criação/ampliação de gastos tributários, cabe ressaltar algumas ponderações, em especial no processo legislativo de discussão das propostas de criação/ampliação. No processo legislativo, “as propostas de novos gastos tributários são analisadas isoladamente e sem conexão com o orçamento, desestimulando considerações de custos e comparações com gastos diretos concorrentes”. Sem análise em conjunto com o processo de aprovação do orçamento, “torna-se difícil recusar propostas que não raro são tão meritórias quanto benefícios já existentes no sistema tributário” (PELLEGRINI, 2014, p. 10).

Sem uma discussão pautada por custos e comparações com outras despesas constantes do orçamento, perpetuam-se discursos como os que argumentam ter custo menor o investimento do governo federal na educação particular que os investimentos em educação pública, permitindo o surgimento de diversos benefícios tributários em favor de instituições privado-mercantis.

Ainda sobre as facilidades de inserção no ordenamento jurídico de renúncias fiscais, Pellegrini (2014, p. 10) destaca que, em regra, a implementação de um novo benefício de natureza tributária “não requer a criação de estrutura própria, pois aproveita a estrutura já existente da administração tributária” e que a “elaboração do arranjo do gasto também não envolve dificuldades”, tendo em vista que basta “reproduzir o modelo utilizado pelos gastos em vigor, associados ao mesmo tributo”.

Cabe ressaltar, entretanto, que a inexistência de uma estrutura própria para a administração e o controle dos benefícios tributários gera distorções, como as identificadas no início da implementação de renúncias fiscais relativas ao Prouni, em que não havia um controle do número de bolsas de estudos concedidas em contraponto aos valores financeiros de tributos renunciados, pelo governo federal, em favor das instituições que aderiam ao programa. Ou seja, nos casos de renúncia fiscal, embora em regra não exista uma estrutura própria de administração dos benefícios, há necessidade de controle estatal, não diferenciando muito da estrutura existente para a instituição e efetiva cobrança dos tributos.

Outra questão importante acerca da utilização de gastos tributários é que há uma constante expansão do uso desses benefícios, tanto em face da introdução de novos tipos de renúncias fiscais, quanto pela expansão, em valores financeiros, dos benefícios já existentes. Ademais, em geral, os benefícios tributários, uma vez incluídos no sistema tributário, vigoram por prazo indeterminado; com isso, há uma expansão constante dos valores envolvidos nas renúncias fiscais.

Cabe ressaltar, também, a preocupação acerca da perpetuação dos gastos tributários e a ausência de revisão ou avaliação periódica das renúncias fiscais.

Além das facilidades para a criação e ampliação dos gastos tributários já existentes, as condições também parecem ser favoráveis à perpetuação dos gastos tributários vigentes. Normalmente, as informações sobre esses gastos são restritas e os controles tênues. Em especial, os benefícios concedidos não estão sujeitos a prazo de validade, revalidação ou avaliação periódica. Esses dois últimos mecanismos oferecem a oportunidade de revisar o gasto tributário e, eventualmente, revogá-lo quando não apresenta bons resultados. (PELLEGRINI, 2014, p. 11).

Outra questão importante acerca das renúncias fiscais, em especial aquelas associadas ao imposto de renda, é que “beneficiam a parcela minoritária da população com renda mais alta, justamente aquela que paga o imposto” (PELLEGRINI, 2014, p. 11), favorecendo a acumulação financeira, não permitindo a regressividade no sistema de

tributação e, por consequência, mantendo as desigualdades sociais ou, em alguns casos, ampliando-as.

Pellegrini (2014, p. 12) também destaca que,

Quando o bom desempenho da economia gera aumentos imprevistos de receita, aumenta a pressão para repor a carga tributária em seu nível original. Nessa situação, o interesse concentrado de potenciais beneficiados com gastos tributários costuma prevalecer sobre os interesses difusos do conjunto dos contribuintes que poderiam ser agraciados com a redução geral das taxas de tributação.

Com esses argumentos, o autor ressalta uma preocupação importante: os benefícios tributários geram prevalência de interesses individuais (ou de grupos específicos) em contraposição a uma visão geral do sistema tributário e aos interesses gerais dos contribuintes.

Essas inquietações apontadas são relevantes na análise, em especial, das renúncias fiscais relativas às deduções do imposto de renda, como no caso do Prouni, em que há renúncia do imposto de renda de pessoa jurídica, e das deduções do imposto de renda de pessoa física, para custeio de educação dos contribuintes ou de seus dependentes.

Há outras questões relevantes acerca da utilização de renúncias fiscais, como a dificuldade de verificação dos resultados alcançados; além disso, a utilização de renúncias fiscais, se realizada de modo indiscriminado, pode gerar elevação na complexidade da estrutura tributária, com o consequente aumento nos custos relativos ao cumprimento de obrigações tributárias, bem como aumento de risco de evasão e de elisão fiscal. Também, não há possibilidade de verificação da funcionalidade do sistema tributário e da avaliação dos resultados da cada renúncia fiscal, considerada individualmente, tendo em vista que há interconexões entre as diversas renúncias fiscais.

Destaca-se, também, que quanto maior for a perda total de receita tributária, gerada pela concessão de renúncias fiscais, em que o Estado abdica de seu poder de tributar, em favor de determinados contribuintes (no nosso estudo, entidades privado-mercantis de ensino superior), maior será a tributação requerida dos grupos não favorecidos pelas renúncias para o financiamento adequado das atividades estatais.

Pellegrini (2014, p. 11) alerta também que, sem o devido controle, o aumento na utilização do mecanismo de financiamento de setores mediante renúncias fiscais, que são consideradas gastos governamentais indiretos no financiamento de políticas públicas, “pode

ameaçar o equilíbrio das contas públicas, do mesmo modo que a expansão desordenada do gasto direto”, e acrescenta que há dificuldade em “estimar as perdas de receita geradas pelos gastos tributários existentes”, gerando “desafios para o alcance de metas fiscais”, tendo em vista que essas metas dependem, em muito, do aumento da arrecadação.

Com as renúncias fiscais, há redução da arrecadação tributária, revelando-se um mecanismo contraditório, em especial quando o governo federal alega cortes em gastos diretos para as políticas sociais, com base na necessidade de cumprimento de metas fiscais, como exemplifica o amplo debate no exercício financeiro de 2015, acerca do ajuste fiscal.

No Brasil, as renúncias fiscais são registradas por função orçamentária (uma vez que acompanham o projeto de lei orçamentária anual, encaminhado ao Congresso Nacional), por força de dispositivo constitucional.

Em relação às renúncias fiscais, elaborou-se a Tabela 12, relativa ao total de renúncias fiscais no exercício financeiro de 2015. Os dados foram obtidos no site da Secretaria da Receita Federal do Brasil – SRFB, por meio dos demonstrativos de gastos tributários relativos ao exercício financeiro de 2015. Os valores estão expressos em milhões de reais, atualizados a preços de janeiro de 2016, pelo IPCA/IBGE.

TABELA 12 - Gastos tributários por função orçamentária – 2015

Função Orçamentária Valor (R$, milhões) %

Comércio e serviço 80.257,89 26,92 Trabalho 47.523,06 15,94 Indústria 35.314,65 11,84 Agricultura 29.520,53 9,90 Saúde 26.504,18 8,89 Assistência social 22.442,83 7,53 Ciência e tecnologia 18.788,68 6,30 Educação 9.890,75 3,32 Habitação 9.736,84 3,27 Energia 6.244,19 2,09 Transporte 4.709,08 1,58 Cultura 3.942,03 1,32 Comunicações 1.252,08 0,42 Desporto e lazer 1.126,73 0,38 Direitos da cidadania 680,83 0,23 Administração 130,31 0,04 Defesa nacional 68,73 0,02 Organização agrária 37,97 0,01 Gestão ambiental 0,01 0,00 Total 298.171,37 100,00

Fonte: Demonstrativo dos gastos tributários – Exercício financeiro de 2015 – PLOA (Brasil, 2015).

Observações: Valores em R$ (milhões)a preços de jan/2016, corrigidos pelo IPCA/IBGE.

Como se extrai da Tabela 12, as principais renúncias fiscais são relativas às funções orçamentárias da área econômica (comércio e serviços, trabalho, indústria e agricultura) que, somadas, atingem percentual do total de renúncias fiscais superior a 50% (cinquenta por cento).

Para corroborar essa afirmação de que as renúncias fiscais, na área econômica, abrangem significativo percentual do total de renúncias promovidas pelo governo federal, observa-se, em relação aos dados de renúncia fiscal, por função orçamentária, constantes da Tabela 12, acima transcrita, que as renúncias relativas às funções orçamentárias “comércio e serviços”, “trabalho”, “indústria” e “agricultura” atingiram o percentual de aproximadamente 64,60% em relação ao total de renúncias, no exercício financeiro de 2015.

Cabe destacar que a função orçamentária “comércio e serviços”, juntamente com a função orçamentária “indústria”, tem valores de renúncias fiscais significativos, pois envolvem as isenções relativas às zonas de comércio (zonas francas) e aos polos de produção industrial e visam, de acordo com a política governamental, a fomentar o comércio e a produção industrial brasileira.

As funções orçamentárias da área social, envolvendo “saúde”, “assistência social”, “educação” e “habitação”, também apresentam valores de renúncia fiscal significativos, conforme se observa na Tabela 12, com percentuais em relação ao total de renúncias fiscais, respectivamente, de 8,89%, 7,53%, 3,32% e 3,27%.

Considerando o escopo deste trabalho de pesquisa, na subseção seguinte serão analisadas as renúncias fiscais promovidas pelo governo federal na área educacional e a relação com as políticas neoliberais de redução do papel do Estado no atendimento às políticas sociais, bem como de incentivo às instituições particulares de ensino.

No documento JOÃO RIBEIRO DOS SANTOS FILHO (páginas 133-140)