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Renovação e conservadorismo: a recepção de Nietzsche no movimento literário modernista brasileiro

Nietzsche na Semana de Arte Moderna de 1922?

No movimento modernista, desde o início, observa-se certo carecimento de filosofia; sobretudo de uma filosofia que pudesse oferecer uma visão e um sentido global do mundo, muito presente, por exemplo, na produção dos autores dos movimentos espiritualista e verde-amarelo e, igualmente, dos autores dos movimentos pau-brasil e antropofágico. Dentre as tantas filosofias apropriadas para satisfazer carecimentos dessa natureza, a filosofia de Nietzsche preenche carências sobretudo no âmbito da crítica literária e da ensaística empenhada nas pesquisas histórico-sociais. Além de também repercutir no campo da criação literária e das artes plásticas (SILVA JR, 2007 p. 183).

Antônio Paim Vieira, artista plástico modernista, participante da Semana de Arte Moderna, em ilustração publicada na revista literária Ariel, faz pensar em um título de Nietzsche, bastante conhecido à época, quando escreve na ilustração a seguinte expressão: “Ecce Homo!”. Ainda que não estivesse na intenção original do artista fazer uma referência ao título do livro preparado pelo filósofo para edição, é bem provável que muitos leitores da revista a fizessem. Isso é bem possível porque, dentre outras razões, diversos artistas plásticos do modernismo (e tantos outros anônimos) realizaram reproduções de fotografias conhecidas de Nietzsche para diários e periódicos, seja na forma de desenhos em pico de pena, seja na forma de caricaturas e, mesmo, de quadro pintado por artista plástico para exposição.

Figura 2. Desenho de Antônio Paim Vieira

Fonte: revista Ariel, 1924: Artes Plásticas na Semana de 22, in: Aracy A. Amaral, 1998, p. 260.

No Brasil do período modernista circulavam imagens de Nietzsche desenhadas à carvão, retratos e quadros exibidos em amostras. Expressões suas eram adotadas como divisa em ex-líbris de bibliotecas particulares. No livro de crônicas Five o'clock, Elísio de Carvalho, ao lembrar de uma conversa que tivera com seu “mestre” (Graça Aranha), na “sua bela residência em Petrópolis”, descreve que no seu “gabinete de estudo, um pequeno salão de estilo grego (...)”, havia “no fundo, dominando toda a sala, um admirável busto de Frederico Nietzsche” (CARVALHO, 1909 p. 116). Talvez se tratasse de réplica de algum busto de Nietzsche criado por Max Klinger. O próprio Elísio de Carvalho possuía, em sua biblioteca, um “Ex Libris” com o lema “amor fati (em latim, amor ao destino)”, numa clara referência a “uma expressão de Nietzsche, autor de sua predileção” (PRADO, 2010 p. 37).

Figura 3. Ex Libris da biblioteca de Elísio de Carvalho

Fonte: “Ex Libris da biblioteca de Elísio de Carvalho”, in: Itinerário de uma falsa vanguarda, por Antonio Arnoni Prado, 2010 p. 37.

Uma das imagens mais conhecidas do filósofo no Brasil, num desenho em bico de pena, foi realizada pelo artista plástico Luís Jardim, modernista alinhado ao movimento regionalista, ao lado de Gilberto Freyre e José Lins do Rego. De início, seu desenho ilustra a coletânea de textos traduzidos por Alberto Ramos, a Nietzschiana, de 1949.

Figura 4. Desenho de Luís Jardim

Fonte: imagem inserida na coletânea Nietzschiana, 1ª edição, 1949.

Entre as obras produzidas pelo modernista Alberto Martins Ribeiro, consta uma imagem de Nietzsche. Artista plástico conhecido à época, sua imagem do filósofo aparece, pela primeira vez, em uma exposição organizada pelo próprio artista, nomeada

Os Grandes Vultos, datada de 1920. Ele a “realizou no Liceu de Artes e Ofícios”, no Rio

de Janeiro. Consistiu em uma “exposição de cabeças feitas à carvão, que ele qualificou de ‘Grandes Vultos’” (ALVES, 1920 p. 04). Pelas descrições dos críticos de arte da época, a exposição teve repercussão nacional e nela Alberto Martins apresentou “quadro/retrato” de Nietzsche. O simbolista Tritão da Cunha deixou comentário a respeito: “No [quadro] de Nietzsche o clarão dos olhos, o trágico exagero vertical da fronte, o gesto do antebraço e da mão, gesto de garra recolhida, e toda a sugestão indescritível do quadro fazem-me pensar numa ave alta e abandonada, posta entre gelos onde ninguém sobe que não tenha a suprema vertigem” (CUNHA, [1920] 1979 vol. 1 p. 223). A julgar pelos traços descritos pela crítica, Martins Ribeiro havia pintado a famosa fotografia do filósofo, de 1882, de Gustav Adolf Schultze. Segundo o jornal A Reforma (AC), conforme o jornalista e/ou

crítico de arte Gonçalo Alves: “Em Nietzsche o pintor fixou a face nervosa de ave de rapina, no gesto de apoiar a cabeça, na mão fechada, em toda a atitude absurda, a imensa filosofia de Zaratustra” (ALVES, 1920 p. 04).

Martins Ribeiro “participou da Semana de Arte Moderna com quatro trabalhos” (AMARAL, 1998 p. 137-255). Mas, infelizmente, no catálogo da Semana, apenas dois dos trabalhos foram intitulados. Assim, fica aberta a possibilidade de ele ter exposto o quatro/retrato de Nietzsche novamente, em sua exposição na Semana de Arte Moderna, em São Paulo. Infelizmente, Alberto Martins Ribeiro não chegou a desenvolver plenamente sua arte, tendo falecido de forma precoce, na Itália, em 1927, quando servia como auxiliar do consulado brasileiro.

“Frédéric”, “Frederico” ou “Friedrich”? “Nietzscheano” ou “Nietzschiano”?

No Brasil dos anos 1920, Nietzsche já não era tão somente um autor da moda, no sentido sugerido por José Veríssimo, em 1903. Doravante, entre os modernistas, o seu vocabulário passa a ser integrado ao programa do movimento. Nesse período, é no campo da produção literária que mais expressivamente o seu pensamento se faz sentir. Tanto que, durante os primeiros anos do modernismo, as disputas em torno do vocabulário derivado das traduções de termos centrais da sua filosofia evolvem autores atuantes em diferentes grupos/movimentos, de diferentes tradições e períodos demarcados, como o germanismo/alemanismo, o simbolismo e o pré-modernismo. Já a partir da transição da primeira para a segunda fase do modernismo, a recepção brasileira do filósofo começa finalmente a ganhar a roupagem derradeira e mais autônoma, sobretudo no emprego da tradução da sua terminologia, consolidando muitos dos vocábulos que até hoje são empregados na língua portuguesa brasileira. Não se dispunha ainda, nem mesmo atualmente, de uma tradição padronizada para o emprego traduzido dos conceitos fundamentais do seu pensamento e, nem mesmo, para o uso da adjetivação derivada do seu nome, variando, desde sempre, o emprego de “nietzscheano” e de “nietzschiano”.

É entre os autores/receptores modernistas de Nietzsche que surge o desejo de se criar uma unidade léxica padrão para o emprego do seu nome, bem como para a adjetivação derivada dele, a mais adequada possível para o português brasileiro modernista. Havia uma pluralidade de nomes para o filósofo, efeito da multiplicidade e dependência das fontes estrangeiras a seu respeito. Não era incomum o emprego do nome

“Nietzche”, sem a letra s. Em diversos autores, o uso do primeiro nome indicava a procedência do material adquirido a seu respeito. Geralmente, quando se tratava de material de Portugal, usava-se “Frederico”, quando de origem francesa, usava-se “Frédéric” ou “Frederick”, e quando era direto do alemão, “Friedrich”. Mas mesmo entre brasileiros que liam as obras no original, também era costume aportuguesar o nome para “Frederico”.

Esse anseio por uma padronização do nome de Nietzsche é também o início de uma crescente autonomia quanto à recepção brasileira da sua filosofia. Indícios podem ser verificados no esforço de criação de uma tradução unificada e teoricamente justificada para o uso da adjetivação derivada do seu nome. Mário Barreto, filólogo e membro da Academia Brasileira de Filologia, foi o primeiro a colaborar para o estabelecimento do “uso correto do adjetivo derivado do nome de Nietzsche”. Segundo o filólogo brasileiro, não era correto o uso “nietzscheano”, muito empregado à época, mas sim “nietzschiano”, o mesmo que certa tradição acadêmica de estudos adota atualmente. Mário Barreto havia defendido esse arranjo lexical, inicialmente, nas páginas da Revista de Língua

Portuguesa, que era, precisamente, um conhecido espaço modernista de debatas sobre a

língua nacional. Depois, o inclui no livro De Gramática e de Linguagem, de 1922. Ele argumentava, então, “que o derivado de Nietzsche se deve escrever nietzschiano, com “i”, e não com “e”, ficando assim com igual forma que os outros adjetivos desta espécie”. Seu “modelo está no latim”, a partir do qual conclui e justifica “que em português se deve escrever – iano, e não – eano” (BARRETO, 1922 p. 92). E assim formou-se, desde então, no seio da nossa língua, duas tradições. Atualmente, encontra-se correntemente o emprego dos dois adjetivos. Esse duplo emprego está disseminado até mesmo em materiais produzidos por especialistas acadêmicos e editoras do mercado editorial.

A proposta lexical de Mário Barreto atualizava e renovava a definição do lexicógrafo Afonso de Taunay. Este adotava duas possibilidades, muito empregadas à época: o adjetivo “Nietzcheano” e o substantivo “Nietzchista”. Taunay apresenta essa proposta em seu Léxico de lacunas, subsídios para os dicionários da língua portuguesa, de 1914, um léxico de termos vulgares e de acepções de numerosos vocábulos, ainda não apontados nos dicionários da língua portuguesa do período. Entre os termos que constam em seu dicionário, encontra-se justamente o vocábulo “Nietzcheano”, segundo ele um adjetivo “que se refere à filosofia de Frederico Nietzche”. Conforme exemplifica: “A filosofia nietzcheana a muitos escandalisa”. Observa-se que ele propõe o uso do sufixo “eano” e grafa o nome e o adjetivo derivado do nome do filósofo sem a letra “s”. Ainda

nessa senda, discorre também sobre a possibilidade do uso do termo “Nietzchista”, compreendido como um substantivo masculino que designa o “Sectário da filosofia de Nietzche. “F... é um nietzchista que nunca leu Nietzche” (TAUNAY, 1914 p. 145).

Na medida em queo pensamento de Nietzsche era recebido, o vocabulário da sua filosofia se tornava parte integrante da cultura do agente receptor modernista. Frente à necessidade de tradução da sua terminologia, neologismos foram criados, uma vez que não se encontrava na língua de chegada palavras prontas, capazes de exprimir os sentidos e significados originais ou já traduzidos em outras línguas. Esse processo se torna mais intenso nas tentativas de incorporação da tradução do vocabulário central da sua filosofia ao léxico modernista. Tradução, neste caso, que implicava não apenas um movimento ativo de interpretação, mas também de assimilação (antropofágica, na linguagem de certo grupo do movimento), de ressignificação e incorporação do léxico traduzido ao patrimônio da cultura nacional. As disputas em torno das tentativas de estabelecimento de um cânon preciso e padronizado para o emprego do vocabulário de Nietzsche apontam não apenas para as preferências estéticas ou linguísticas, mas também para as diferentes posições de ordem política e ideológica dos receptores da sua filosofia.

As tentativas de tradução dos modernistas, sempre inconclusas, eram diversas e não estavam em consonância com a concepção do próprio Nietzsche acerca do problema da tradução, embora, às vezes, houvesse convergências esporádicas. Se, entre os modernistas, não havia reflexões e posições sólidas sobre a natureza e importância da tradução, Nietzsche a compreendia como tarefa indispensável para toda cultura elevada. Para ele, tradução é sinônimo de assimilação, de criação, de incorporação, uma espécie de tomar posse de algo, uma sorte de conquista. Segundo o pensador, graças as traduções “[é] possível estimar o grau do sentido histórico que uma época possui por meio da forma como essa época faz traduções e tenta incorporar tempos passados e livros” (FW/GC, § 83, KSA 3, p. 439). Raramente, não obstante, há consonância entre o seu entendimento da tradução com a ação modernista em traduzir seus escritos e vocabulário para a língua brasileira. Isso ocorria na medida em que os modernistas também encontravam no ato de traduzir um veículo para a incorporação e a renovação do passado, entendendo a tradução como a possibilidade de conquistar e incorporar uma realidade estranha e dolorosa. Neste caso, a tradução modernista vinha acompanhada de certa perspectiva indissociável do agente que traduz, de certa tomada de posição, pois sua tradução obedecia a certa ordem de incorporação dentro do contexto histórico e político da cultura da língua de chegada.

Por essa razão, nas seções adiante, analisa-se o percurso de autonomização da recepção brasileira de Nietzsche em relação à dependência dos empréstimos estrangeiros, particularmente da cultura francesa. Para tanto, examina-se as traduções das suas obras e, em particular, as traduções do vocabulário central da sua filosofia para a língua portuguesa brasileira realizadas por importantes autores/receptores modernistas. Assim haverá a oportunidade de verificar que a fixação da sua terminologia conceitual na língua nacional deixou muitos rastros, o saldo devedor em relação aos empréstimos é perceptível desde a chegada, passando por certas reformulações, até chegar às traduções incorporadas ao léxico do português brasileiro, algumas ainda hoje consolidados e/ou usados.

“sobrehomem”, “Pró-homem” ou “Super-homem”?

Parte significativa dos autores modernistas, uns mais e outros menos, encontravam na terminologia de Nietzsche o vocabulário que precisavam para expressar e desenvolver muitas das suas opiniões políticas, para balizar seus estudos estéticos, etnográficos, literários e histórico-interpretativos. De modo que o pensador não demora a se converter em fonte de reflexão para muitos autores e artistas, intelectuais dos mais variados e pertencentes a diferentes ambientes culturais, como as artes plásticas e a crítica literária, passando pelas obras de criação, compostas sob a inspiração da sua filosofia, tais como romances, contos, crônicas e aforismos. Mas a recepção da sua obra se mostrará de forma mais relevante nos ensaios de intepretação do Brasil, produção na qual observa-se não apenas a assimilação já consolidada da sua terminologia, agora traduzida com maior rigor crítico, mas também o emprego dela como guia teórico para fundamentar interpretações sobre a cultura nacional.

Embora tenha predominado durante o período modernista as traduções francesas das obras de Nietzsche, a dimensão histórica da recepção do seu pensamento no Brasil possui certa pluralidade quanto a procedência das suas obras aqui chegadas. Foi por estar vinculada a certa tradição dos estudos e traduções do filósofo (no caso, francesa) que, dentre as obras que circularam no modernismo, Assim falava Zaratustra predominou, na tradução portuguesa de Araújo Pereira e na francesa de Henri Albert. De início, circula a tradução de Henri Albert: Ainsi parlait Zarathoustra. Depois, também passa a circular a de Araújo Pereira: Como falava Zaratustra, pela Editora Guimarães, de Portugal, de 1913 (CATELO-BRANCO, 2001 p. 20). A partir da década de 1940, essa última será reeditada

e largamente divulgada no país pelas Edições e publicações Brasil, com o título Assim

Falava Zaratustra, em edição revisada e modificada pelo tradutor português José Mendes

de Sousa. Mas foi o título Assim falava Zaratustra que se consolidou, e, mesmo depois da tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho e Paulo César de Souza, que adotaram, ambos, Assim falou Zaratustra, continua sendo empregado, inclusive entre especialistas. O predomínio e repercussão dessa obra se deve, entre outras razões, como já adiantado no capítulo anterior, por causa da desordem cronológica na recepção das obras de Nietzsche na França e, por extensão e replicação, também em Portugal e no Brasil. Primordialmente, a recepção de Nietzsche tem início na Alemanha, após a publicação de

O Nascimento da tragédia, amplamente debatido, havendo assim uma recepção em que

há convergência cronológica com a publicação das obras. Que assim tenha ocorrido em solo alemão, se entende sem grandes dificuldades. Já na França, sua recepção inicial valoriza as obras do último período, em particular o livro Ainsi parlait Zarathoustra (na tradução de Henri Albert). Essa desordem cronológica na recepção das suas obras explica, até certo ponto, as características e o estatuto ambíguo atribuído então ao seu autor, como filósofo poeta, profeta e iconoclasta (LE RIDER, 1999 p. 62-3).

Além disso, a forma como Assim falou Zaratustra “se apresenta hoje não foi planejada desde o início, antes cresceu passo a passo”, segundo o autor: “de forma muito artística, como quando se constrói uma torre” (JANZ, 2016 vol., II p. 170). Also sprach

Zarathustra, desde a origem “é, sem dúvida, um dos textos mais controvertidos de

Nietzsche”, configurando-se como uma “obra ao mesmo tempo consagrada e renegada”. Uma análise da história das suas edições “permite afirmar que existem pelo menos sete livros intitulados Assim falava Zaratustra. O primeiro deles vem a público em abril de 1883”, o mesmo “que depois virá a constituir apenas uma de suas partes”. Já o “segundo passa a existir no final de agosto do mesmo ano” de 1883, quando “o autor lança mais uma parte”. No “final de março de 1884, surge o terceiro; desta vez, o autor publica outra parte, assinalando que se trata da terceira”. O “quarto ganha existência em abril de 1885; agora, o autor custeia uma tiragem de apenas quarenta exemplares da nova parte”, deixa “claro que é a quarta e última – o que resulta numa obra composta de quatro partes”. Em “1886, vem à luz o quinto; o autor autoriza a reedição das três primeiras partes juntas, a que dá o título de Assim falava Zaratustra. Um livro para todos e ninguém. Em três

partes”. Já o “sexto aparece em 1891, quando Heinrich Köselitz, sem consentimento e

1893 que sai o sétimo, quando o editor Naumann reúne num único volume as quadro partes que vieram a compor tal como chegou até nós” (MARTON, 2014 p. 107-112).

Quanto à recepção dessa obra no Brasil, deu-se particular atenção ao vocábulo

Übermensch, traduzido inicialmente com dificuldades, com muitas variações ortográficas

e semânticas, passando por adaptações e inflexões no confronto com traduções estrangeiras. A primeira tradução brasileira do termo “übermensch” remonta ao ano de 1893, feita por Julio Erasmo, que o traduz por “sobrehomem” (ERASMO, 1893 p. 01). O ensaísta Leopoldo de Freitas, em artigo publicado ainda em 1899, no jornal O País, ao citar texto de Teódor Wyzewa sobre “Frederick Nietzsche”, prefere traduzir por “Super-

homem” (FREITAS, 1899 p. 01). Como já visto, José Veríssimo, que tanto se valia das

traduções dos germanistas franceses, se viu na necessidade de empregar o neologismo “Próhomem/Pró-homem”, se esta palavra – como ele mesmo disse –, “traduz bem o

Ubermensch” (VERÍSSIMO, 1903 p. 01). Em romances e artigos da crítica literária,

como era o caso de Lima Barreto, observa-se o emprego do termo “super-homem/Super- Homem” (BARRETO, 1919 p. 115). Mas as traduções desses autores, muitos deles pré- modernistas, não constituíram tradição. Dado o contato ainda incipiente, houve apenas um tatear que não alcançou as ressonâncias internas do conceito.

Figura 5. Desenho. Autor não identificado

Fonte: O Cruzeiro (revista), edição 06 (1), Rio de Janeiro, 1944, p. 03.

Durante décadas, esse conceito central da filosofia de Nietzsche não encontrará formalização nem padronização precisa em nossa língua (na verdade, ainda hoje não encontrou). Variações linguísticas, tanto de caráter ortográfico, gramatical, fonético e semântico permanecerão como objeto de disputa entre inúmeros e díspares intelectuais brasileiros. E só ganhará aceitação e mesmo popularidade na língua nacional brasileira após revisões, disputas e adaptações causadas pelo confronto com as traduções estrangeiras que aqui circulavam: sobretudo portuguesas (tais como Sobre-Homem,

Superhomem, Supra-Homem e Super-homem), francesas (como Surhumain e Surhomme),

inglesas (Overman, Overhuman e Superman), espanholas (Superhombre, Suprahombre,

Sobrehombre, Transhombre) e italianas (Superuomo, Oltreuomo).

Na produção de autores do modernismo, esse e outros vocábulos derivados da filosofia de Nietzsche se consolidam por meio de um processo de tradução por

empréstimo. De tal maneira que os componentes ortográficos e semânticos do vocábulo eram traduzidos não somente a partir do original alemão, mas também a partir de inúmeras traduções em distintas línguas, além de levar em conta as traduções técnicas de intérpretes, comentadores, biógrafos e críticos literários. Os empréstimos se mostravam extremamente produtivos para a formação de neologismos. Eles evidenciam a extensão e os efeitos das línguas estrangeiras na língua nacional. Após décadas de confrontos, revisões, disputas e adaptações, sairá vitoriosa a tradução do vocábulo Übermensch pelo neologismo “Super-homem/SuperHomem” (com variações ortográficas, seja pelo uso ou ausência do hífen, seja pelo uso de letras maiúsculas, nas letras S e H). Embora semelhante à forma usada no português europeu, seu emprego no português brasileiro possuía uma semântica própria, variando, geralmente, entre um tipo aristocrático-elitista e um novo tipo cultural e moral de homem. Tratava-se de um neologismo produzido pelo confronto de sentido com outras línguas, introdutor de uma acepção própria que se