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Representações sociais

3.2 Representações sociais e atos comunicativos

Nos estudos das representações sociais no âmbito da Psicanálise, Moscovici (1978) analisou a relação entre sistemas de comunicação e as representações, o que possibilitou a sistematização de três sistemas de comunicação: a propagação, a difusão e a propaganda. Esses sistemas, conforme Vala e Monteiro (2006), dão ao conhecimento aparência e forma, e ao mesmo tempo contribuem para a configuração e formação dos intercâmbios comunicativos, nos quais cada sistema de comunicação é particular no tocante aos laços estabelecidos entre emissor e o receptor (Nóbrega, 2003). Essa ligação entre o que emite o locutor e o que o interlocutor valida representa aquilo que Ghiglione (1984) denomina de percurso de um ato comunicativo.

Segundo Vala e Monteiro (2006), a propagação tem a finalidade de “integrar uma informação nova no sistema de valores do grupo” (p. 476), exigindo uma organização mais complexa da mensagem. Suas características aproximam-se do conceito de atitude, compreendida como uma organização psíquica que possui uma relação positiva ou negativa com um objeto (Moscovici, 1978; Nóbrega, 2003; Doise, 2001; Camargo et al, 2008).

A difusão não se dirige a um público específico, mas a uma pluralidade deles. As mensagens são organizadas de forma indiferenciada ignorando as diferenças sociais. A difusão visa “exatamente o nível da indiferenciação, onde os diversos membros dos diversos grupos sociais se tornam intermutáveis” (Vala e Monteiro, 2006, p. 477). A noção de difusão está associada à acepção da opinião, à medida que o conceito de difusão e de opinião evoca certa descontinuidade, tendo como resultado a instabilidade das

63 posições assumidas pelos atores sociais (Moscovici, 1978; Nóbrega, 2003; Doise, 2001; Camargo et al., 2008).

Ao contrário da difusão e da propagação, a propaganda oferece uma visão de mundo conflituosa e clivada (Moscovici, 1978; Vala, 2006; Nóbrega, 2003; Doise, 2001; Camargo et. al., 2008). Contribui para a identidade de um grupo e, ao mesmo tempo constrói a imagem negativa do outro. Demanda a autoafirmação do grupo, colocando-o numa posição de antagonismo em relação ao outro. Nesse sentido, a propaganda forja um saber estereotipado (Nóbrega, 2003).

A compreensão dessa sistematização possibilita analisar as representações sociais com base na comunicação interpessoal, intragrupal e intergrupal. Nesse sentido, deve-se reconhecer o mérito de Moscovici (1978) ao propor essa sistematização, pois ela possibilita integrar as pesquisas de opinião, atitudes e estereótipos aos atos comunicativos, gerando um trabalho integrado.

É importante salientar que os atos comunicativos são, muitas vezes, atos de debate, de discussão e argumentação no interior dos grupos ou entre os grupos (Vala e Monteiro, 2006). Sendo essencialmente atos comunicativos de partilha de consenso (Jovchelovitch, 2002), são, sobretudo, veículos de formação de consenso a respeito daquilo que se articula na imprensa.

A ideia do consenso com base nos atos comunicativos proposta por Moscovici (1978) encontra em Habermas (1994) um modelo ideal de ação comunicativa, em que as pessoas interagem e, através da utilização da linguagem, organizam-se socialmente. Elas buscam o consenso de uma forma livre de toda a coação externa e interna. (Gonçalves, 1999; Iarozinski, 2000).

O posicionamento radical de Habermas (1994) contra aquilo que o autor denomina de universalização (reificação) da ciência e da técnica, em contraposição a uma racionalidade comunicativa, faz surgir, com base nas comunicações que os sujeitos estabelecem entre si, mediados por atos de fala, três mundos: o mundo objetivo das coisas, o mundo social das normas e instituições e o mundo subjetivo das vivências e dos sentimentos.

A cada um desses mundos correspondem diferentes pretensões de validade. Ao mundo objetivo, correspondem pretensões de validade referentes à verdade das afirmações feitas pelos participantes no processo comunicativo. Ao mundo social

64 correspondem pretensões de validade referentes à correção e à adequação das normas, e, ao mundo subjetivo, das vivências e sentimentos, correspondem pretensões de veracidade, o que significa que os participantes do diálogo estejam sendo sinceros na expressão dos seus sentimentos.

No entanto, essas pretensões de validade podem ou não ocorrer. Ghiglione (1984) demonstra, com base na teoria do contrato de comunicação, ao descrever o percurso de um ato comunicativo indo das situações potencialmente comunicativas (SPC) até ao efetivo contrato comunicacional (CC) como essas pretensões podem (ou não) ser validadas. (Izquierdo, 2008). Propondo uma reflexão sobre a noção de contrato de comunicação, Ghiglione (1984) distingue o que ele próprio denomina de situação potencialmente comunicativa e de contrato de comunicação efetivo. Para determinar as condições fundamentais que validam o processo interlocutório como um diálogo regular, o autor aponta os interesses que pré-validam a interação entre o emissor e o receptor, de forma a definir as condições de validação exigidas por um contrato de comunicação para que ele se torne efetivo.

Ao contrário de Charaudeau (2006), para quem a validade ocorre no reconhecimento da situação comunicacional que combina o ato de linguagem ao dizer e ao fazer, ou seja, parceiros do ato de comunicação, sujeito comunicante e sujeito interpretante, Ghiglione (1984) levanta uma questão que parece fundamental para a validade de funcionamento da situação comunicacional. O autor aponta as situações potencialmente comunicativas existentes em situações interlocutivas e monolocutivas, questionando o conceito de validação.

Para Ghiglione (1984), uma situação é potencialmente comunicativa (SPC) quando os sujeitos A e B (interlocutores) são ligados por interesses, tal é a condição mínima e suficiente para que haja uma SPC (Ghiglione, 1984). Contudo, para que uma SPC se transforme em contrato de comunicação efetivo, certo número de regras devem ser observadas, e, sobretudo, colocadas em operação (regras conversacionais, leis do discurso, saberes compartilhados etc.).

A fim de que o contrato de comunicação seja validado por meio de um diálogo regular, é preciso que o enunciado de um interlocutor A seja validado pelo interlocutor B. Além disso, na interação produzida, há a necessidade de estabelecer um sistema de validação que atue em diferentes momentos na enunciação, de modo que permita

65 constatar a constituição efetiva de um contrato. Só assim uma SPC transforma-se em contrato de comunicação efetivo. Ghiglione (1984) tem razão quando afirma que se um interlocutor não valida um momento da interação, corre-se o risco de que se perca o diálogo regular e se instale a ruptura. Os jogos de validação que intervêm em diferentes momentos de uma interação colocam em evidência acordos e negociações sobre a construção do sentido entre os interlocutores.

Uma situação é potencialmente comunicativa quando ela consegue reunir as condições necessárias para ligar os interlocutores por interesses comuns pela interação. A partir de então, cada momento pode evidenciar a seleção de parâmetros contratuais (temas, maneiras de dizer, posicionamentos, saberes e valores compartilhados, respeito a certas regras conversacionais etc.). Uma vez validados, os momentos da interação efetivam o contrato de comunicação. Se não validados, rompem esse processo, exigindo ajustes.

Entretanto, numerosas situações não permitem uma validação efetiva no momento em que ocorrem as enunciações. Em situações de comunicação não interlocutivas, ou seja, situações monolocutivas (imprensa escrita, rádio, pronunciamentos na televisão, livros impressos, discursos políticos, peças publicitárias etc.), é mais difícil analisar o processo de validação, já que a instância de produção do discurso e a instância de recepção se encontram separadas no tempo e no espaço. Embora validações possam ser medidas a posteriori, elas não são capazes, como no caso das interlocuções, de modificar o curso da produção e evitar, por exemplo, que certos temas sejam introduzidos ou, ainda, que sejam tratados de uma maneira e não de outra.

Nessas situações, a validação efetiva geralmente não se concretiza, ou se dá de forma indireta e diferenciada no tempo e no espaço, como no caso de um discurso político, em que a validação geralmente se dá por meio dos votos obtidos em um momento posterior. Ghiglione (1984) sugere, assim, que as situações não interlocutivas supõem uma validação a priori, tratando as situações potencialmente comunicativas como se fossem, imaginariamente, contratos de comunicação efetivos.

Tartaglia e Greganti (2002), Orientación política y representación de um suceso

em la prensa italiana. El caso Del G-8, afirmam que Ghilgione (1984), quando fala de

contrato de comunicação, autoriza e oferece a possibilidade de interpretar como as diversas representações elaboradas e discutidas por Serge Moscovici são construídas com

66 base em diferentes contratos estipulados entre a mídia e os seus públicos. Muitas vezes locutores e instituições de comunicação comportam-se na ilusão de que os contratos de comunicação sejam efetivados e, portanto, validados, mas na realidade, na maior parte das vezes, o que ocorre é uma situação potencialmente comunicativa (Cohen, 2007).

Nesse sentido, os atos comunicativos, propagação, propaganda e difusão, identificados por Moscovici (1978), representam uma possibilidade privilegiada de compreender o estudo das representações sociais e identificar quais os sistemas de comunicação atualizam ou favorecem os funcionamentos cognitivos, e os contextos em que ocorrem (Doise, 2002).

A perspectiva de que todo ato comunicativo pretende validar verdades que, de forma direta ou indireta, representam atos de partilha, portanto, veículos de formação do consenso, parece colocar a mídia em uma relação intercambiável de partilha com as representações sociais. Ao mesmo tempo em que constrói uma teoria sobre determinado fenômeno, de uma forma ou de outra, torna este fenômeno de conhecimento público (Rouquette, 1999), indicando uma interdependência e correspondência das representações sociais e a comunicação social.

Torna-se inegável, para os estudos das representações sociais, que a cobertura midiática amplifica o aspecto social do fenômeno, ou ainda, constrói uma opinião pública (Allain e Camargo, 2007) favorável ou não, em relação ao assunto. Tanto a teoria das representações sociais como a Comunicação Social estudam tipos de representações (Marková, 2006).