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Representações sociais

3.3 Representações sociais e mídia

A comunicação interpessoal foi considerada, por muito tempo, essencial para a construção das representações sociais. Assim, a linguagem, a principal forma de concretização da vida cotidiana, surgiu do pensamento de homens comuns e se tornou, dessa forma, real para eles. Em outras palavras, a própria subjetividade torna-se mais real pela linguagem. “Por meio da linguagem, um mundo inteiro pode ser atualizado a

67 qualquer momento” (Berger & Luckmann, 1995. p. 60), de modo que, ao mesmo tempo que constitui a realidade da vida cotidiana, também auxilia transcendê-la.

O papel do discurso na mudança social, compreendido como linguagem, e, portanto, na construção da sociedade, é analisado por Fairclough (2001) como “uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significação” (p. 91), de modo que a linguagem pode ser compreendida como uma forma de prática social.

Fairclough (2001) destaca elementos que podem revelar intenções ideológicas do produtor do discurso, conscientes ou não. Um deles, a nominalização, converte processos em nomes, sem especificar participantes das ações, e ações concretas se tornam assim, abstratas. Outro elemento revelador das intenções ideológicas do discurso é a democratização, que consiste na tentativa de diminuição das assimetrias entre os grupos

Um terceiro elemento é a comodificação, que, segundo Fairclough (2001), mais do que um conceito é descrição de um processo pelo qual as instituições sociais passam a ser definidas e organizadas em termos de produção e consumo de mercadorias,

assumindo um caráter universal, ou seja, passam a ser vistos e compreendidos como essenciais.

Um quarto e último elemento apontado pelo autor diz respeito à tecnologização, caracterizada por um planejamento bem elaborado para atingir objetivos predeterminados. É a realidade percebida sob o foco midiático.

Esse aparato da mídia sempre requer, e dele necessita, de um elevado grau de credibilidade social, considerada a dimensão mais importante na aquisição do conhecimento. Como o discurso da mídia é apreendido pelo senso comum como um discurso de autoridade, de quem sabe mais para quem sabe menos, ele conta com um elevado grau de credibilidade.

Segundo Mayo (2004), os conteúdos informativos são os mais intensamente voltados à construção social da realidade. Os meios de comunicação são, ao mesmo tempo, produto e parte integrante do tecido social, e provavelmente essa realidade dialética confere aos veículos de mídia o tão elevado grau de credibilidade, fazendo circular conteúdos simbólicos, mas também “possuindo um poder transformador de reestruturação dos espaços de interação propiciando novas configurações aos esforços de produção de sentidos” (Spink & Medrado, 2002. p. 58). A circulação de conteúdos

68 simbólicos garante aos veículos de mídia e a suas veiculações esse tão desejado grau de credibilidade de que a mídia carece para se construir como autoridade na construção de um discurso reconhecidamente válido.

Parece estranho falar em construção da realidade pelos veículos de comunicação quando ainda predomina a ideia de que a mídia simplesmente capta as nuances do real e a reproduz com a maior dose de objetividade possível. Significa dizer que é ingênuo afirmar que a comunicação, com toda a sua complexidade, apenas reproduza um discurso de forma objetiva. Os estudos sobre o papel da comunicação, como agente transformador da realidade indicam essa complexidade, que se reflete na amplitude das abordagens que envolvem os estudos da comunicação.

A primeira grande discussão que envolve as teorias da comunicação no âmbito das Ciências da Comunicação é o seu caráter híbrido, visto que o fenômeno comunicacional se posiciona quase sempre como agente catalizador de diversas áreas do conhecimento, nomeadamente a Sociologia, a Administração, a História, as Artes e a Psicologia, posicionando-se como uma ciência que objetiva, transforma relaealidade social e com ela colabora e nela interfere.

Nesse sentido, a disciplina pode ser definida como o “estudo sistemático dos processos de interação, através da permuta de mensagens entre os seres humanos, no seio de comunidades de pertença, quer estes processos ocorram diretamente, nas relações face a face, quer indiretamente e através de dispositivos de mediação, tais como a escrita, o telefone, o rádio, a televisão, as redes multimídia” (Rodrigues, 2000. p. 50). Assim, os estudos sobre as teorias da comunicação não dizem respeito a momentos cronologicamente definidos e sucessivos, mas coexistentes simultaneamente, contaminando-se, descobrindo-se reciprocamente, acelerando ou modificando o desenvolvimento do setor (Wolf, 1999).

Os estudos da Escola de Chicago, que se iniciaram em 1915, postulavam a ideia de que a sociedade é resultante da organização dos sujeitos em territórios; que as relações são essencialmente simbólicas e, a comunicação seria, portanto, resultante da diversidade humana. A Escola de Chicago privilegiou a comunicação interpessoal como sendo prioritariamente importante para os estudos sobre a comunicação como área de conhecimento, atribuindo-lhes um sentido biológico. (Matterlart & Matterlart, 1999)

69 O advento da Primeira Grande Guerra fez surgir nos Estados Unidos da América uma nova abordagem para tentar compreender o resultado da comunicação sobre o comportamento dos sujeitos. A teoria hipodérmica, ou teoria da bala mágica, é mais do que um modelo de comunicação, pode-se falar de uma teoria da ação elaborada pela Psicologia behaviorista. O seu objetivo é o estudo do comportamento humano com os métodos de experimentação e observação das ciências naturais e biológicas. O sistema de ação que distingue o comportamento humano deve ser decomposto, pela ciência psicológica, em unidades compreensíveis, diferenciáveis e observáveis. Na relação complexa que existe entre o organismo e o ambiente, o elemento crucial é representado pelo estímulo, que inclui os objetos e as condições exteriores ao sujeito que produzem uma resposta.

A posição defendida por esse modelo teórico pode ser sintetizado na afirmação segundo a qual cada elemento do público é pessoal e diretamente atingido pela mensagem, ou seja, a unidade estímulo/resposta exprime, portanto, os elementos de qualquer forma de comportamento.

Entre os anos de 1940 e 1950 os Mass Comunication Research (Matterlart & Matterlart, 1999) originados com base em estudos desenvolvidos por Lasswell, em 1927, defendem a ideia de que a propaganda é o único meio de conquistar a adesão das massas. Para eles, a audiência é amorfa e se cria o desenho metodológico do que seria a comunicação: quem diz o que, por meio de que canal e com que efeito? Lasswell propõe um processo comunicativo de três funções: vigiar o meio social, estabelecer relações sociais e transmitir a herança social.

Na década seguinte, Lazarsfeld (Martin-Barbero, 2001) iniciou uma série de pesquisas na tentativa de explorar os aspectos de manipulação de conduta das pessoas por meio da propaganda. Concomitantemente aos estudos de Lazarsfeld, Claude Shannon apresentou à sociedade norte-americana, em 1948, a teoria Matemática da Comunicação, na qual propunha um sistema geral de comunicação visando explorar os aspectos técnicos da mensagem: codificação, decodificação e recodificação, redundância, ruído e liberdade de escolha. Com essa proposta, Shannon, em 1948, resume a comunicação a um conjunto de instrumentos propondo uma abordagem tecnicista, e a inspiração do autor para elaborar o modelo foi o sistema nervoso humano, originário das Ciências Biológicas. A

70 abordagem de Shannon percebe a comunicação como um instrumento (Martin-Barbero, 2001; Matterlart & Matterlart, 1999).

Ainda em 1948, Norbert Wiener lançou a tese de que a sociedade do futuro seria a sociedade da informação, criando-se o conceito de cibernética e de inteligência artificial. Segundo o autor, as máquinas teriam a mesma fluidez mecânica que os homens, e, portanto, poderiam pensar como os homens.

O período posterior à Segunda Guerra Mundial de fato foi fértil. Adorno, Horkheimer e Marcuse (Wolf, 1999) desenvolveram já nos EUA a teoria crítica ou como ficou também conhecida a Escola de Frankfurt. Os teóricos dessa escola inserem a comunicação no universo da exploração capitalista e definem o papel dos mass media como sendo: responsáveis por uma escala de valores, cunhagem artificial das diferenças, imposição de valores, hábitos e comportamentos, reducionismo da liberdade de escolha. A indústria cultural, nessa perspectiva, é a responsável pela submissão da humanidade.

Considerado herdeiro da teoria crítica, Habermas (1994) propõe a teoria da ação comunicativa, segundo a qual a comunicação possui três vértices que formam a razão: os aspectos técnicos que definem as diretrizes, os aspectos práticos que resultam da interpretação do mundo e os emancipatórios, que nascem da busca pelo bem-estar.

Roland Barthes, no ano de 1964, em seu estudo intitulado Elementos da

Semiologia, com inspiração nos estudos de Saussure, afirma serem os estudos da

comunicação como sendo fundamentalmente os estudos do discurso. O autor destaca os binômios que caracterizam o discurso dos veículos de comunicação: significante significado e denotação conotação. Para ele a ideologia dominante utiliza as palavras cotidianas para expressar-se.

As décadas seguintes foram predominantemente influenciadas pelos estudos da Escola de Birmingham (cultural studies), cujo fundamento se origina no conceito de hegemonia, ou seja, a habilidade que a classe dominante tem de impor uma direção intelectual e moral para o resto da sociedade. A construção de um sistema de alianças sociais ocorre, não apenas pelo poder econômico, mas também em razão de aspectos culturais e ideológicos.

Nos anos seguintes as abordagens de inspiração matemática, biológica e política foram abandonadas e a comunicação passou a ser pensada como sendo, antes de tudo, uma atividade formadora do social. Dito de outro modo: os meios de comunicação

71 determinam a evolução da humanidade e os meios eletrônicos vão tornar a humanidade ágil e flexível. Lopes et al. (2004) reafirmam que a comunicação é, antes de tudo, tornar algo comum, é partilhar um novo conhecimento gerado pela troca de informação, é uma relação cognitiva sem negar o papel da tecnologia.

No novo cenário, já midiatizado, surgiu a agenda-setting sobre a audiência. Iniciada na década de 1970, sobretudo nos EUA, defende a hipótese de que, em consequência da ação dos jornais, da televisão e de outros meios de informação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou descuida, realça ou negligencia elementos específicos dos cenários públicos (Shaw, 1979)

Segundo a hipótese da agenda setting, as pessoas (de uma forma geral) têm tendência para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que os mass

media incluem ou excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público tende a

atribuir àquilo que esse conteúdo inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos mass media aos acontecimentos, aos problemas e às pessoas.

A hipótese da agenda-setting não postula que os mass media pretendem persuadir. Para Shaw (1979), “ os mass media, descrevendo e precisando a realidade exterior, apresentam ao público uma lista daquilo sobre que é necessário ter uma opinião e discutir” (p. 101). O pressuposto fundamental da agenda-setting é que a compreensão que as pessoas têm de grande parte da realidade social lhes é fornecida, por empréstimo, pelos

mass media.

Nesse aspecto, a Comunicação Social aproxima-se da teoria das representações sociais e subsidia em partes ou no todo o que Rouquette (1996) define como a compreensão dos processos de formação de conduta e a circulação das representações sociais nas sociedades contemporâneas, nas quais o fluxo comunicativo é o resultado global derivado da rede de interações que une as pessoas (Wolf, 1999).

As pesquisas realizadas no Brasil sobre a influência da comunicação na construção das representações sociais indicam um vasto campo de trabalho (Camargo, Goetz, & Bárbara, 2005; Camargo, Goetz, & Justo, 2007; Citeli, 2001; Ferreira & Mamede, 2003; Nascimento & Rodrigues, 2003; Schpun, 2002; Secchi, 2006; Strazzacappa, 2001; Veloz, Nascimento-Schulze & Camargo, 1999).

De fato, como originalmente explorado por Moscovici (1978) na segunda parte do seu livro La psychanalyse, son imagem et son public e posteriormente sistematizado por

72 Rouquette (1996), é reservado aos meios de comunicação – mass media – um papel de destaque na compreensão dos processos de formação e circulação das Representações Sociais nas sociedades contemporâneas (Sá, 1998).

Retomando a ideia de que os mass media descrevem e precisam a realidade exterior, apresentando à audiência uma lista a respeito do que é necessário ter uma opinião (Shaw, 1979), e, que, portanto, prescreve a ação, ecoa como um guia de leitura da realidade conferindo às representações sociais o que Campos (2005) denomina dimensão normativa. Dito de outro modo: as representações sociais definem o que é para um grupo e não para o outro (Campos, 2005), assim como a comunicação.

Nesse sentido, a ideia de que o discurso da mídia é o discurso do senso comum, - elaborado e veiculado como verdade, com base na ideia de autoridade - marca definitivamente a relação entre coisa e signo (objeto e representação), pois ambos (representação e comunicação) são essencialmente enunciados, e muito mais do que representações, definidos cada vez mais pelo contexto comunicacional (Campos, 2005).

Rouquette (1999) discute o papel da comunicação na construção das representações sociais, afirmando que elas são elaboradas e transmitidas pela comunicação. Assim como a comunicação não se restringe apenas à manifestação da linguagem, pois são também formadoras de sentidos, também as representações sociais são indicadoras de um caminho de análise, oferecendo à Comunicação Social um lugar privilegiado na compreensão das representações sociais.