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6.4 CONCEITO DE POLUIÇÃO

7.2.2 Responsabilidade civil objetiva

Evidenciamos o surgimento da responsabilidade objetiva, mais precisamente no final do século XIX, quando Saleilles dispõe enfoque opositivo à teoria clássica de responsabilidade, evidenciando a Teoria do Risco, sendo posteriormente desenvolvida por Josserand no início do século XX, em que Gomes (2000, p. 141) define como sendo a idéia básica, a seguinte: “[...] toda atividade que faça nascer um risco para outrem torna seu autor responsável pelo dano que pode causar, sem que tenha de comprovar falta em sua origem”.

A teoria da culpa e a responsabilidade subjetiva tornaram-se a concepção predominante nos ordenamentos jurídicos ocidentais nos dois séculos passados, e no direito brasileiro, conforme já substanciado, está disposto no artigo 186 do Código Civil vigente, e, em relação a esta assertiva sobre nosso ordenamento jurídico, explícita o Pereira (1993, p. 262) auferindo que “consagrou o nosso Direito à teoria subjetiva ou da culpa como sendo a doutrina legal brasileira, posto que perfurada por numerosos dispositivos que impõem a reparação do dano com fundamento na doutrina objetiva”.

A teoria objetiva surge face à crescente insatisfação com a responsabilidade subjetiva predominante, restando demonstrado sua incompatibilidade frente ao impulso desenvolvimentista presente em nossa época vigente, onde tal circunstância trouxe, além de oportunidades, também multiplicações de causas de danos, sendo assim percebido que a responsabilidade subjetiva já não era plenamente capaz de propiciar sua reparação.

Neste sentido, Pereira (1993, p. 262) salienta que:

especialmente a desigualdade econômica, a capacidade organizacional da empresa, as cautelas do juiz na aferição dos meios de prova trazidos ao processo nem sempre logram convencer da existência da culpa, e em conseqüência a vítima remanesce não indenizada, posto se admita que foi efetivamente lesada.

Frente à situação fática que se apresentava, houve o posicionamento de vários renomados juristas no sentido de buscar técnicas e meios satisfatórios para

produzir de forma mais abrangente a reparação do dano, resultando no surgimento da doutrina objetiva.

Porém, apesar de tomarmos por base algumas obras que marcaram o senso evolutivo desta teoria, não podemos afirmar com exatidão plena e rigorosa da ordem cronológica, sendo apresentado os aspectos mais marcantes que, conjunta ou seqüencialmente, chegam ao conceito atual. Destaca-se como um dos aspectos técnicos que contribuiu para o desenvolvimento da doutrina subjetiva e para uma concepção mais moderna, a teoria da “culpa presumida”, aqui definida por Pereira (1993, p. 263), como sendo:

[...] uma espécie de solução transacional ou escala intermédia, em que se considera não perder a culpa a condição de suporte da responsabilidade civil, embora aí já se deparem indícios de sua degradação como elemento etiológico fundamental da reparação, e aflorem fatores de consideração da vítima como centro da estrutura ressarcitória, para atentar diretamente para as condições do lesado e a necessidade de ser indenizado.

Em relação à presença da teoria da culpa presumida, podemos afirmar que ainda subsiste a conceituação genérica da culpa como fundamento de responsabilidade civil, porém, distanciando-se da concepção subjetiva tradicional em relação ao onus probanti, em que é observada uma inversão, de que em certas circunstâncias, presume-se a conduta culposa do agente causador do dano, cabendo-lhe demonstrar a ausência de culpa para desobrigá-lo a indenizar.

A eclosão da responsabilidade objetiva com base na teoria do risco e o declínio da responsabilização como sendo a única caracterizadora para que se apurasse a responsabilização civil, deve-se a três aspectos evidenciados aqui por Luiz Roldão de Freitas Gomes:

Alguns se atêm à evolução dos dados de fato, outros à das mentalidades, sem contar o desenvolvimento do seguro. No tocante à primeira, três se apresentam as razões. De início a importância assumida pelas atividades coletivas (sociedades, empresas, equipes, etc.), nas quais o acidente é de certa forma anônimo, de sorte que é tentador fazê-los suportarem seu ônus. Em seguida, porque a atuação da responsabilidade subjetiva colide, na prática, com o fato de que o prejuízo provocado por uma falta é difuso: ele atinge uma coletividade de indivíduos que normalmente, não dispõe do direito de agir a título individual [...], ainda que a lei conceda muitas vezes hoje um direito de ação a grupos, em se tratando de interesse coletivo. Em terceiro lugar exsurge o desenvolvimento do maquinismo e a

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superveniência da sociedade industrial. Aparelhos e máquinas de todo o tipo multiplicam os danos, ao mesmo tempo que aumentava sua gravidade, ao passo que a vítima experimentava muitas vezes dificuldade em demonstrar a falta que pudesse ser causa deles (GOMES, 2000, 141).

Dentre todas as situações, evidencia-se com considerável amplitude a do desenvolvimento dos seguros, sendo que atualmente a responsabilidade objetiva liga-se a possibilidade de que algum indivíduo seja segurado, tendo como responsável àquele que traz um seguro para a vítima, e, sendo este desconhecido, não segurado ou insolvável, uma outra forma de socialização dos riscos é considerada, que é a intervenção de fundos de garantia organizados pela lei (GOMES, 2000, p. 143).

Considerando, então, o ciclo evolutivo que culminou com o surgimento da teoria objetiva, temos que esta ao invés de considerar para caracterização da responsabilidade civil os elementos tradicionalmente encontrados na doutrina subjetiva, que são o dano, a culpa e o nexo de causalidade entra a culpa e o dano, enseja sua responsabilização no dano causado e na autoria do dano.

Neste sentido Pereira (1993, p. 269) explicita que: “sem cogitar da

imputabilidade ou investigar a antijuridicidade do fato danoso, o que importa para assegurar o ressarcimento é a verificação se ocorreu o evento e se dele emanou o prejuízo. Em tal ocorrendo, o autor do fato causador do dano é o responsável”.

Em relação a quem se considera responsável, temos para uns que é aquele que tira o proveito, com pensamento voltado no sentido de onde está o ganho está o encargo, sendo esta teoria denominada teoria do risco proveito, entretanto, para outros, existe a concepção de que é prevalente a teoria do risco profissional, onde o fato a ser considerado para indenização é decorrente do exercício de uma atividade ou profissão do lesado.

Temos ainda, a teoria do risco excepcional, em que a responsabilização se dá em virtude de um fato que ocorre estranhamente à função normal e atividade da vítima. Uma outra tese, se reporta a teoria do risco integral, que reparte por todos os integrantes da coletividade os danos atribuídos ao Estado.

Temos ainda a teoria do risco criado, que muitos doutrinadores acreditam ser a mais indicada para ser adotada, por ser a que mais se adaptaria, segundo este pensamento, às condições de vida social. Partindo desse posicionamento Pereira (1993, p. 270)define que:

[...] O conceito de risco que melhor se adapta às condições de vida social é o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco criado.

Deste modo, evidenciamos aquela que entendemos ser a mais indicada, principalmente em se tratando de matéria ambiental, que é a teoria do risco integral, haja vista a natureza difusa do bem ambiental, ressaltando-se que esta é a predominante, tendo em vista que muitas vezes se faz praticamente impossível especificar quem é o causador do dano ambiental, principalmente se houver mais de um agente causador, fazendo-se necessária tal adoção doutrinária para imputação da responsabilização civil ambiental.

Face ao crescimento da teoria objetiva, a teoria subjetiva vem sofrendo várias críticas hostis, perdendo assim vários adeptos em razão da insatisfação que a mesma gerava por não conseguir atribuir responsabilidade a todos os casos que surgiam, porém, o posicionamento de que a teoria subjetiva deveria ser totalmente substituída, não deve prevalecer, devendo a mesma subsistir juntamente com a teoria objetiva, observando-se a convivência de ambas em nosso ordenamento jurídico.

Os doutrinadores que defendem a teoria subjetiva o fazem sob o argumento de que, pela demasiada atenção à vítima, cerceia o princípio da justiça social, determinando o dever de reparar de forma imperativa, levando-o deste modo à equiparação do comportamento jurídico e antijurídico do lesionador. Em posicionamento enérgico em relação às críticas, em verdade, afirmam estar as legislações voltando aos primórdios do Direito, ao acompanharem a inovação da teoria do risco, remetendo-nos a regressão do período da Lei das XII Tábuas.

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Por sua vez, aqueles que defendem a doutrina da responsabilidade objetiva, mesmo reconhecendo as críticas que são tecidas à referida teoria, afirmam que ao menos reconhecem e se interam de tal equívoco, afirmando tratar-se de uma questão de se resolver os casos em que a teoria da culpa não possui o condão de promover justiça.

O que se conclui é que as duas teorias devem conviver em harmonia, devendo ser ressalvado que a teoria subjetiva deve ser encarada como regra geral, e a teoria objetiva como exceção a ser observada em determinados casos especiais, como se apresenta nas questões ambientais, sendo que, mesmo que a teoria do risco tenha chegado com grande entusiasmo no meio jurídico, o certo é que esta não substituiu a teoria da culpa, que se adequa melhor em outras tantas situações.

No ordenamento jurídico brasileiro impera a responsabilização subjetiva em direito privado, porém, alguns setores jurídicos são regidos pela teoria do risco, como é o caso dos direitos difusos e coletivos, especificamente ao tratar de matéria de meio ambiente e consumidor, convivendo assim, as duas teorias em perfeita harmonia.

Sendo regra a responsabilidade subjetiva e tendo-se a responsabilidade objetiva em caráter de exceção, esta última é observada nos casos legalmente previstos e especificadamente enunciados, ou, nos casos em que o dano provém da criação de um risco, tendo a vítima sido exposta em razão de atividade ou exercício profissional do agente, sendo alargado a obrigação de reparação do dano.

Observamos casos de responsabilidade objetiva naqueles em que o agente age em legítima defesa, em estado de necessidade, ou ainda, no exercício regular do direito, porém, causando danos a alguém não poderá deixar de ser responsabilizado, onde, se analisado pela teoria da culpa, o agente causador do dano não seria obrigado a ressarcir pelo fato de ter agido dentro da legitimidade. Porém, pela responsabilidade objetiva, não obstante a ausência de culpa, a responsabilidade será apurada com base na relação entre fato e dano.

Apresenta-se nesses casos, o conflito de dois direitos, sendo o de quem danifica a coisa de outrem e o que tem sua coisa danificada, porém, a ordem jurídica é no sentido de que seja o agente lesionador condenado a ressarcir sem

considerações a natureza subjetiva, tendo como limite o preceito de que o causador do dano não exceda a razoabilidade que atesta a relevância social de seu direito, onde, mesmo sem aludir a culpabilidade do agente, este deverá indenizar (PEREIRA, 1993, p. 277).

A responsabilização objetiva é de suma importância para as questões ambientais, pois, na responsabilidade civil por danos ao meio ambiente, como já afirmado, muitas vezes é difícil identificar o agente lesionador, bem como, pode ser difícil individualizar as vítimas, principalmente por tratar-se de um direito difuso, o que justifica em matéria ambiental a consagração da teoria do risco integral.