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A responsabilidade do devedor origina-se no momento em que ele descumpre uma obrigação previamente estabelecida com o titular do direito de crédito. Configurada a situação de inadimplência, surge para o credor o direito de recorrer ao Estado para que esse, se utilizando do método da sub-rogação, mediante a execução forçada, transfira a titularidade dos bens pertencentes ao patrimônio do executado para a esfera de patrimonialidade do exequente ou entregue a esse a quantia proveniente da alienação de referidos bens ou do usufruto de bem móvel ou imóvel.

Desse modo, a apreensão dos bens do devedor mediante a execução forçada se mostra necessária quando o direito de crédito não houver sido satisfeito por ato deliberativo espontâneo de quem estava obrigado a fazê-lo.

A responsabilidade patrimonial corresponde, portanto, ao estado de sujeitabilidade em que se encontram os bens do devedor ou de um terceiro responsável, com o propósito de assegurar posterior constrição judicial e viabilizar futura expropriação. É instituto que torna legítima a apreensão de bens do executado por parte do Estado.9

9 Luiz Fux, ao discorrer sobre o tema da responsabilidade patrimonial, ensina que: “A obrigação assumida pelo devedor gera-lhe um vínculo com o credor que adquire, por força da mesma, o direito de exigir o implemento da prestação convencionada. É o que se denomina, ao ângulo material de ‘crédito’ e ‘débito’, respectivamente. À míngua do cumprimento espontâneo da prestação, surge para o credor o direito secundário de exigir que a obrigação seja satisfeita às custas do patrimônio do devedor. Essa submissão dos bens do devedor à satisfação da obrigação, sujeitando-os até à expropriação, para que, com o produto da alienação judicial, se implemente a prestação, é que se denomina de ‘responsabilidade’.” FUX, Luiz. O novo processo de execução. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.75.

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Em razão da própria nomenclatura atribuída ao instituto, depreende-se, sem muita dificuldade, que a responsabilidade do devedor incide apenas sobre os bens pertencentes ao seu patrimônio material, e não sobre sua pessoa. Nesse sentido, não há que se pensar em caráter pessoal da execução, ou seja, a obrigação do devedor deve possuir a característica da patrimonialidade ou, de outra maneira, a responsabilidade tem caráter puramente patrimonial.

O aspecto patrimonial concernente à responsabilidade do devedor representou grande avanço na esfera dos direitos fundamentais, sobretudo no que diz respeito à dignidade da pessoa humana e ao direito de locomoção, na medida em que a liberdade individual passou a não mais ser restringida para forçar o cumprimento da obrigação com o pagamento da dívida, como o era antigamente. 10

Como exceção à característica da patrimonialidade, cita-se a hipótese da prisão do devedor, em decorrência do não cumprimento de obrigação fundamentada em dívida de caráter alimentício.11 Mesmo nesse caso, no entanto, a pressão que se exerce contra a pessoa do executado tem cunho psicológico, de maneira a forçá-lo a satisfazer aquilo pelo qual se obrigou. 12

Vale ressaltar, todavia, que as recentes reformas do CPC procuram mitigar o princípio da patrimonialidade, na medida em que admite a prática de atos executivos incidentes não

10 Na Roma antiga, o devedor que não honrasse o pagamento de sua dívida deparava-se com a restrição de sua liberdade individual e se tornava propriedade do credor, que poderia forçá-lo judicialmente a trabalhar para ele até que o fruto proveniente do trabalho fosse suficiente a cobrir o valor do débito ou o credor poderia vendê-lo como escravo e, com o produto da venda, satisfazer uma parte ou a integralidade do seu crédito. No mesmo sentido, Antônio Carlos de Araújo Cintra em: ARAÚJO CINTRA. Antônio Carlos de. Comentários ao código

de processo civil. vol. IV. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.363.

11 Antes de o Supremo Tribunal Federal proferir julgamento no recurso extraordinário n. 466.343-1, verificava- se a possibilidade da realização da prisão civil por dívida, em se tratando de depositário infiel. Referido entendimento foi modificado em virtude de os tratados internacionais ratificados pelo Brasil somente admitirem a prisão civil por dívida de natureza alimentícia, não obstante a Carta Constitucional estender essa previsão para o caso do depositário infiel. Nesse sentido: PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito. (RE 466343/SP – TRIBUNAL PLENO – Relator (a): Min. CEZAR PELUSO, Julgado em 03/12/2008, DJ 05/06/2009).

12 Araken de Assis sustenta a indispensável contribuição trazida pela prisão civil do devedor de prestação alimentícia para a efetivação do direito fundamental à tutela jurisdicional de alimentos. Nas palavras do autor: “contra o meio executório da coação pessoal se opõe tenazmente a força do preconceito, ignoradas a utilidade e a natureza do mecanismo. Entretanto, o estudo científico dos meios executórios, avaliados e pesados como expedientes práticos, predispostos com o único propósito de realizar as operações materiais destinadas ao implemento executivo da eficácia sentencial condenatória, revela a verdade. A prisão civil do alimentante não merece a pátina de coisa obsoleta, entulho autoritário e violento só a custo tolerado e admitido no ordenamento jurídico contemporâneo”. ASSIS, Araken de. Da execução de alimentos e prisão do devedor. 6. ed. São Paulo:

apenas sobre o patrimônio, e sim sobre a vontade do executado, de forma que a ele seja mais benéfico o cumprimento da determinação judicial do que se submeter à atividade sub- rogatória. Constituem exemplos dessa mitigação as multas estipuladas pelos parágrafos 4º a 6º do art. 461; a multa do caput do art.475-J e a redução dos honorários do advogado, prevista no parágrafo único do art. 652-A.13

Não obstante constatar-se a mitigação da patrimonialidade, por meio da previsão de medidas coercitivas, não se deve entender que esse fato configure retrocesso para o princípio da dignidade da pessoa humana, visto que referidas medidas incidem apenas sobre a vontade do executado e não sobre sua liberdade de locomoção.

Conforme estabelece o art. 591 do CPC, preceito normativo que disciplina o instituto da responsabilidade patrimonial, “o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”.

Infere-se dessa norma processual que, enquanto o devedor não satisfizer por completo o objeto da tutela executiva, ficará passível de sofrer constrição judicial de todos os seus bens, presentes e futuros, não sendo permitido que ele se desfaça deles, sob pena de configurar fraude à execução.

Resta saber qual o propósito do legislador ao se utilizar do fator temporal para identificar os bens que se encontram no estado de sujeitabilidade para com a satisfação do direito de crédito, ou seja, qual foi o intuito que norteou o legislador ao determinar que a responsabilidade patrimonial incidisse sobre os bens presentes e futuros.

Em verdade, não há que se falar em qualquer relação de contemporaneidade entre a sujeição patrimonial do devedor e o momento em que a obrigação foi contraída. Ocorre é que, enquanto a obrigação não se encontrar inteiramente satisfeita, qualquer acréscimo que vier a se suceder no patrimônio do devedor restará comprometido com a satisfação do direito de crédito.14

Destarte, mesmo que o devedor assuma uma obrigação em momento no qual não possua patrimônio suficiente a satisfazê-la, seus bens estarão sujeitos a sofrer constrição

13 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva. vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2008, p.19.

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judicial se, após o transcurso do tempo, ele vier a adquirir outros bens e a obrigação ainda não houver sido cumprida. O bom resultado da execução por quantia certa, portanto, depende diretamente da existência de bens no patrimônio do devedor, sejam eles presentes ou futuros.

Sucede que o simples fato de o devedor possuir bens em seu patrimônio não é suficiente para garantir a satisfação do direito de crédito postulado em juízo.

O direito fundamental à dignidade da pessoa humana atua no processo executivo no sentido de impedir que o devedor e sua família sejam privados dos bens necessários a lhes proporcionar uma existência digna. Assim, aplicando-se a dignidade à sistemática da execução, deve-se entender que se deve preservar o direito do devedor de viver dignamente na sociedade.

Desse modo, a responsabilidade patrimonial enunciada pelo art. 591 não pode ser absoluta, e o legislador reconheceu esse fato, ao estabelecer uma exceção no próprio dispositivo, o qual determina que nem todos os bens pertencentes ao patrimônio do devedor são passíveis de penhora, visto que enquadrados no rol dos bens considerados impenhoráveis.

A regra geral da impenhorabilidade estabelece que os bens considerados impenhoráveis ou inalienáveis por determinação legal não podem estar sujeitos à execução.15 O propósito do art. 64916, ao arrolar os bens considerados absolutamente impenhoráveis, está intimamente relacionado à concretização, no âmbito executivo, do princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que objetiva preservar os valores reconhecidamente importantes para a existência digna do ser humano. Nesse sentido, “a impenhorabilidade de bens tem por

15 Art. 648. Não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis.

16 Art. 649. São absolutamente impenhoráveis: I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida; III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor; IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste

artigo; V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; VI - o seguro de vida; VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas; VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família; IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança; XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político.

fundamento a tendência histórica da humanização da execução, a proteção da dignidade do cidadão, da pessoa humana”.17

A impenhorabilidade relativa, por sua vez, constitui atributo de alguns bens que em princípio são tidos por impenhoráveis, mas que podem abandonar essa característica quando estiverem diante de determinadas circunstâncias em que não haja outros bens sobre os quais possa recair a ordem judicial de penhora. Nesse sentido, como estabelece o art. 650, “podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados à satisfação de prestação alimentícia”.

Em qualquer dos casos de impenhorabilidade ora descritos, quando o magistrado estiver diante do caso concreto que lhe for apresentado, deve se valer da ponderação de interesses para solucionar o impasse eventualmente observado entre o mínimo de dignidade necessária a assegurar uma existência íntegra ao devedor e a dignidade do credor em receber o direito que lhe foi reconhecido.

A responsabilidade patrimonial do devedor, portanto, deve ser avaliada em conformidade com o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva do credor, na medida em que a concretização desse direito deriva substancialmente da existência de bens pertencentes ao patrimônio do devedor, suscetíveis de responder pelo cumprimento da obrigação.

A penhora consiste, justamente, no instituto responsável pela apreensão dos bens do devedor e, em vista disso, responde em grande parte pela concretização da efetividade da tutela jurisdicional executiva. Em verdade, a execução por quantia certa somente se torna realizável por meio da constrição patrimonial de bens. É precisamente sobre esse relevante instrumento que passam a tratar os parágrafos seguintes.