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RESPONSABILIZAÇÃO DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES: TIPICIDADE

4 A APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA E A RESPONSABILIZAÇÃO

4.2 RESPONSABILIZAÇÃO DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES: TIPICIDADE

Nos termos da teoria do Direito Penal, há o entendimento geral de que pessoa jurídica não é passível de cometer o crime, considerando a falta de capacidade natural de ação. Todavia, prevalece-se o entendimento contrário, ao ponto que se pode imputar a pessoa jurídica pelo ilícito penal, sob algumas condições. (LENZA; ESTEFAM; GONÇALVES, 2015).71

O artigo 135, III, CTN, determina que:

Art. 135. “São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: [...]

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. (BRASIL, 1966)

Logo, conforme Paulsen (2019) preceitua, necessita-se de uma violação ao disposto legal, contrato social ou estatuto para determinar a responsabilidade tributária dos diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica. Todavia, nota- se que tal responsabilidade é pessoal e decorre de práticas ligadas a real administração da empresa. Portanto, não há a atribuição de responsabilidade por responsável legal apenas “no papel”. É necessário o âmbito de agir como gestor, de ter a conduta delitiva dentro deste panorama. 72

71 Nossos tribunais, com razão, têm condicionado a instauração de um processo penal contra uma

pessoa jurídica à descrição concomitante dos atos delitivos praticados pelos dirigentes da empresa e em benefício dela (teoria da dupla imputação). Isto porque, sempre que se puder cogitar da responsabilização criminal de uma pessoa jurídica, exige-se, ex ante, que tenha havido um comportamento delitivo (capaz de subsumir-se a um crime ambiental) cometido por seu representante e em seu interesse ou benefício. Dá-se, então, um concurso necessário de agentes, de modo que a denúncia deve descrever a conduta da pessoa jurídica e da pessoa física (ainda que esta, excepcionalmente, não tenha sido identificada). (LENZA; ESTEFAM; GONÇALVES, 2015, p. 188)

72 Sendo a responsabilidade, assim, do diretor, gerente ou representante, e não do simples sócio sem

poderes de gestão, também não é possível responsabilizar pessoalmente o diretor ou o gerente por atos praticados em período anterior ou posterior a sua gestão. Assim, sócios que não tenham tido

Conforme os estudos sobre a área de Direito Empresarial, entende-se sobre a responsabilidade limitada dos sócios e administradores. À luz deste entendimento, o STJ consolidou a Súmula 430, in verbis: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente. ” (BRASIL,2010)

Todavia, infelizmente, verifica-se cada vez mais frequente a dissolução irregular da pessoa jurídica, gerando quase como uma consequência automática a desconsideração da personalidade jurídica, prevista nos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil. Portanto, conforme Coelho ensina:

Com efeito, o procedimento extintivo da sociedade empresária é prescrito pelo direito de resguardo dos interesses não apenas só dos sócios, como também dos credores da sociedade. Se aqueles deixam de observar as normas disciplinadoras do procedimento extintivo, responderão pela liquidação irregular, de forma pessoal e, consequentemente, ilimitada. Não há dispositivo específico que preveja esta hipótese, mas basta a invocação da teoria clássica da responsabilidade civil por danos decorrentes de atos ilícitos, para se concluir pela possibilidade de responsabilização dos sócios da sociedade dissolvida de fato pelas obrigações pendentes, sem que tenha aplicação qualquer regrra de limitação desta responsabilidade, visto se tratar de ato ilícito perpetrado pessoalmente por eles, sócios.

(COELHO, 2016, p. 172)

Logo, a própria dissolução irregular abre pressuposto para a responsabilização dos sócios-administradores em diversas frentes do direito, de modo que também é usada como fundamento para a responsabilização tributária, nos termos da Súmula 435, STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente. ” (PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/04/2010, DJe 13/05/2010).

Acerca do direcionamento da responsabilidade criminal a crimes omissivos, como é o caso da apropriação indébita tributária (art.2º, II, Lei 8.137/90), Assis apresenta que:

Seguindo essa lógica calcada em considerações de direito penal, para determinar o detentor do dever previsto nos tipos penais tributários seria necessário identificar qual é o bem jurídico tutelado por quais tipos e de que forma essa tutela é realizada. Então, seria necessário determinar quem está em posição de realizar o injusto previsto no tipo penal. Esse raciocínio nos

nenhuma ingerência sobre os fatos não podem ser pessoalmente responsabilizados pelos créditos tributários decorrentes. (PAULSEN, 2019, p.229)

levaria novamente ao responsável tributário e, nos casos em que este for uma pessoa jurídica, novamente às pessoas que a controlam. A razão para tanto não seria mais, porém as normas de direito societário, mas o domínio sobre o fundamento do resultado exercido por eles. Se a empresa é uma fonte de perigo para os bens jurídicos tutelados pelos tipos penais tributários, quem a controla domina esse risco. Com isso, é possível dizer que os sócios e administradores da empresa possuem ao círculo de possíveis autores dos delitos tributários omissivos.

(ASSIS, 2018, p. 597)

Desta forma, apresentados alguns requisitos primordiais, entende-se que há a possibilidade de responsabilização criminal dos sócios-administradores. Todavia, estes devem exercer a atividade de gestão da empresa, ao ponto de possuírem o animus dentro das ações da pessoa jurídica, sendo responsáveis por suas ações, estratégias, bem como consequências.

4.3 DO POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL

A análise jurisprudencial que se encontra como a espinha-dorsal deste trabalho é a do Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. º 163.334/SC, de relatoria do Ministro do Supremo Tribunal Federal Dr. Luiz Roberto Barroso, que fixou a tese como segue:

O Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. Revogada a liminar anteriormente concedida. Em seguida, por maioria, fixou-se a seguinte tese: “O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990”, vencido o Ministro Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 18.12.2019.

(BRASIL, 2019)

Trata-se de processo que imputou os sócios administradores da empresa acusada no crime de apropriação indébita tributária, previsto no artigo 2º, II, da Lei n. º 8.137/1990. No julgado apresenta-se a discussão sobre a caracterização do dolo (elemento subjetivo do tipo), ao ponto de não se apresentar como mero inadimplemento fiscal. Assim, deve-se haver o animus do “cobrar” o tributo.

A cobrança do tributo, conforme a própria decisão apresenta, consiste no cálculo do preço com a inferência da parte consistente no tributo, para posterior repasse aos cofres públicos. No caso, na figura do responsável, conforme já apresentado, demonstra-se uma obrigação decorrente de previsão legal. Neste

sentido, demonstra-se que, no momento em que o responsável declara a existência do tributo, porém não o repassa conforme previsto, finda por acarretar em ter consigo recursos que não são seus, ou seja, apropria-se indebitamente.

O ICMS corresponde ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços e está previsto no artigo 155, II, CF, bem como nos parágrafos 2º ao 5º do referido artigo. Dentre as suas principais características estão a não cumulatividade73, seletividade74, obediência à legalidade, a capacidade contributiva75, anterioridade76, observância à noventena.77 (PAULSEN, 2019).

Cabe-se ressaltar que a decisão aqui discutida levou em consideração a capacidade contributiva do consumidor, haja vista que este cumpriu o seu papel na cadeia do tributo. Logo, é imperioso dizer o papel de relevância que os tributos possuem tanto para garantir a subsistência do estado, quanto para o desenvolvimento da sociedade como um todo. Desta forma, corrobora a decisão que, quando caracterizada a apropriação indébita tributária, ultrapassa-se o mero inadimplemento fiscal e considera-se a responsabilização criminal ante a intenção de não recolher o ICMS.

73 A não cumulatividade é uma técnica de tributação que visa impedir que incidências sucessivas nas

diversas operações de uma cadeia econômica de produção ou comercialização de um produto impliquem ônus tributário muito elevado, decorrente da tributação da mesma natureza diversas vezes. Em outras palavras, a não cumulatividade consiste em fazer com que os tributos não onerem em cascata o mesmo produto. (PAULSEN, 2019, p. 164)

74 Dentre as técnicas para tributação conforme a capacidade contributiva de cada pessoa está a

previsão de alíquotas conforme a natureza ou a finalidade dos bens, produtos ou mercadorias. Selecionar é distinguir, separar, escolher. A seletividade implica múltiplos tratamentos tributários, adequados a cada objeto. (PAULSEN, 2019, p. 161)

75 A capacidade contributiva não constitui apenas um critério de justiça fiscal capaz de fundamentar

tratamento tributário diferenciado de modo que seja considerado como promotor e não como violador da isonomia. Configura verdadeiro princípio a orientar toda a tributação, inspirando o legislador e orientando os aplicadores das normas tributárias. (PAULSEN, 2019, p. 74)

76 A ideia de anterioridade da lei visa garantir que o contribuinte não seja surpreendido com um novo

ônus tributário de uma hora para outra, sem que possa se preparar para nova carga tributária, ou seja, concretiza um comando que tem como fundamento a segurança jurídica e como conteúdo a garantia de certeza do direito, assegurando o conhecimento prévio da lei. (PAULSEN, 2019, p. 143)

77 De pronto, podemos perceber que a norma de competência apresenta materialidades de natureza

distinta, permitindo a cobrança de impostos sobre operações relativas a circulação de mercadorias, de um lado, e sobre a prestação de determinados serviços, de outro. É dizer, o ICMS, no que diz respeito ao “S” da sua sigla, é um imposto sobre a prestação de serviços também, embora só incida relativamente àqueles expressamente apontados: “transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações. ” Operações são negócios jurídicos; circulação é a transferência de titularidade, e não apenas movimentação física; mercadorias são bens objeto de comércio. (PAULSEN, 2019, p. 386).

Sobre o tema, ensina Ruivo (2018):

Assim, o inciso II somente tem relevância penal quando a omissão de recolhimento coloca em perigo a receita tributária, lesar, simultaneamente, a verdade informacional. Caso contrário, a declaração do tributo cobrado ou descontado sem o recolhimento no prazo legal caracteriza-se ilicitude fiscal pela natureza meramente administrativo-tributária (ausência de fraude). O reconhecimento do merecimento de tutela penal da verdade informacional nas hipóteses de perigo de lesão à receita tributária tem levado ordenamentos europeus contemporâneos a estabelecerem patamares de dano mínimo à receita tributária, para que a sonegação fiscal supere a ilicitude administrativo-tributária e caracterize ilícito penal.

(RUIVO, 2018, p. 444)

Por todo o exposto, nota-se a extrema relevância dos crimes contra a ordem tributária, em especial ao de apropriação indébita tributária, em virtude dos bens jurídicos violados em razão do cometimento do ilícito. O Brasil está engatinhando em um processo de desenvolvimento econômico, ao ponto de trazer à tona uma relevância maior aos crimes tributários, ante a ampla consequência causada em diversas frentes da sociedade.

A arrecadação tributária é a fonte primordial para a manutenção do Estado como mantenedor dos serviços públicos como saúde, educação, segurança, bem como é o ponto chave para a subsistência de toda a engrenagem pública. No momento em que um particular, incumbido legalmente de efetuar o recolhimento de tributo, acaba por cobrá-lo, porém não o repassa aos cofres públicos, torna-se detentor de quantia de terceiros, de modo que se apropria de montante que não é seu. Portanto, verifica-se o alcance que os cometimentos dos crimes contra a ordem tributária podem causar, bem como as consequências acarretadas aos cofres públicos. Logo, é imperioso afirmar a necessidade de se firmar o entendimento, bem como de se reconhecer a relevância dos crimes tributários e suas consequências sociais, haja vista o comprometimento tanto da ordem tributária, quanto da integridade do erário público, da arrecadação tributária e da verdade informacional. (RUIVO, 2018).

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