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Seria o interesse crescente dos psicanalistas pelas diversas manifestações artísticas a busca de um novo lugar para a psicanálise na arte? Para a teoria da arte, que assiste hoje a uma tendência paralela de aproximação da psicanálise, gerando uma incorporação de noções lacanianas e freudianas, a ênfase da psicanálise na questão do desejo talvez seja, da mesma forma, um convite a deriva, ao movimento, posto que o desejo não se localiza ou nomeia, mas se esquiva sempre e ressurge em outra parte.

Tania Rivera (2006,p.68)

A cultura fora objeto de crítica mordaz do jovem Marcuse, que a denunciava como ideologia e mistificação, produtora de falsa consciência ao transferir para o plano espiritual um conceito irrealizável para as condições sociais existentes. Para o filósofo, essa cultura idealista cobria como um véu a revelação totalizante dessa condição, servindo muito mais a sua perpetuação. Era preciso, portanto, superar o plano imaginário da cultura e realizar suas promessas, ou seja, transformar a arte em vida. Mas ele retoma a distinção entre cultura e civilização anos depois, não mais para denunciar seu caráter idealista, mas a perda de sua autonomia, forjada pelas implicações da sociedade unidimensional.

O conceito de sociedade administrada e unidimensional começou a ser fundamentado quando Marcuse e pesquisadores da Escola de Frankfurt reconhecem a integração da classe operária no sistema produtivo e a introjeção dos valores do capitalismo como fatores decisivos para essa homogeneização. E, ainda, como dado mais determinante, o fato de que parte desse segmento, ou seja, o estamento gerencial e de chefias da produção industrial amplia seu ganho salarial, ao mesmo tempo em que se entranha na organização sindical. O fato é que se realiza a partir daí uma integração objetiva e não apenas ideológica, embora a classe trabalhadora tenha permanecido na centralidade do processo produtivo como agente histórico de transformação. No entanto “se continua sendo uma classe revolucionária „em si‟, não o é mais „para si‟, isto é subjetivamente” (ROUANET, 1998, p.202). Esse deslocamento fechou o espaço para a contestação radical e influenciou todas as demais formas de integração que caracterizam a sociedade unidimensional. Da mesma forma a cultura, premida pelos desígnios da expansão da sociedade industrial, sofreu um processo de relativização de sua autonomia.

Embaralharam-se os valores espirituais da esfera cultural com o mundo da necessidade e da reprodução material em um jogo de mistificação em que “arte e a

filosofia foram, não negadas, mas absorvidas pelo universo instrumental. Seus valores, outrora críticos, constituem hoje elementos de coesão social. (ROUANET, 1998, p.204).

A sociedade assim regida e administrada tenderia, como demonstrado pela Teoria Crítica18, a uma forma de organização unidimensional comprometedora de todo o universo político-social e, consequentemente, produtora de uma pletora de indivíduos de espírito reificado, e paradoxal quanto às possibilidades de emancipação. A civilização tecnológica secundariza os objetivos transcendentes da cultura ao privilegiar os seus fins estabelecidos, eliminando ou reduzindo sua força original de antagonismo.

A assimilação sem embate de trabalho e descanso, de renúncia e deleite, de arte e automação mudou a função tradicional desses elementos culturais, assim tornando-os afirmativos, ou seja:

[...] servem para consolidar a violência do existente sobre o espírito, aquele mundo existente que tornou acessíveis os bens culturais aos homens e levaram a reforçar o grau daquilo que é em face do que pode ser e do que deve ser do que deveria ser, se os valores culturais contiverem verdade. (MARCUSE, 2001, p. 84).

Para enfrentar novamente a questão da cultura, Marcuse precisou revisitar e criticar suas posições anteriores e retomar como dado constitutivo a alienação, que comporta cultura e arte, mas atribuindo-lhe uma positividade, uma alienação que testemunha contra a alienação objetiva da realidade.

Em seu último ensaio19 Marcuse afirma seu objetivo de contribuir para a estética marxista mediante a impugnação de sua ortodoxia, para a qual a concepção básica de transformação e autenticidade da arte residiria na ênfase ideológica. O eixo principal de seu argumento é axiomático: “o potencial político da arte baseia-se apenas na sua própria dimensão estética. A sua relação com a práxis é inexoravelmente indireta, mediatizada e frustrante” Marcuse (2007, p.11).

18 Na acepção mais geral dois princípios orientaram a Teoria Crítica a despeito das diferenças teóricas dos membros da Escola de Frankfurt: o estudo, à luz de uma emancipação, das tendências estruturais do capitalismo e dos arranjos históricos em que esta lógica se expressa. E a teoria como expressão de um comportamento crítico quanto ao conhecimento produzido e as condições sociais capitalistas, tendo como fonte a reflexão orientada para a emancipação relativamente à dominação: “a teoria crítica não pode se confirmar senão na prática transformadora das relações sociais vigentes” (NOBRE, 2011, p.11).

Quando uma obra de arte apresenta claramente uma visão crítica ou um posicionamento concreto, isso pode facilitar seu acolhimento ou mesmo fortalecê-la esteticamente tornando-a mais real, mas de modo algum será o seu fator constitutivo por excelência. Ao desenvolver essa argumentação, o autor rejeita a conexão arte e classe social como possibilidade para determinar seu potencial transformador, e critica o que considera ainda mais grave, coincidir conteúdo revolucionário e qualidade estética. E ao fazê-lo, reforça a autonomia da arte perante as relações sociais, mas não a deixa estéril ou indiferente aos processos de superação das formas de exploração.

Para Marcuse, a arte pode vir a situar-se no cerne dessa oposição quando, em virtude da configuração estética, apresentar a opressão existente e a libertação como transcendência e abertura a um horizonte que permitiria romper com a realidade mistificada. Sua potência residiria no poder de cindir o monopólio da realidade estabelecida para definir o que é real. Nesta ruptura, a qual denomina formação estética, o mundo imaginário da arte apareceria como a verdadeira realidade:

A consciência e a figuração de verdades que aparecem como abstratas em relação ao processo de produção estabelecido também são funções ideológicas. A arte é uma destas verdades. Como ideologia, opõe-se à sociedade existente. A autonomia da arte contém o imperativo categórico: “as coisas têm de mudar” (MARCUSE, 2007, p. 22).

O contraditório com os estetas marxistas sustenta-se com a premissa da existência de uma universalidade da arte que não se poderia radicar na imagem de uma determinada classe social, uma vez que a arte articula a humanidade concreta, regida por um pathos que não se poderia dissolver: “tecido inexorável de alegria e de tristeza, celebração e desespero, Eros e Thanatos [...]. (MARCUSE, p. 24).

A emancipação da humanidade, ou seja, a condição para uma vida com autonomia, pressupõe uma transformação radical das pulsões e necessidades, um desenvolvimento orgânico dentro do sócio-histórico. Marcuse pondera freudianamente que a solidariedade teria um fundamento muito escasso sem os fios da estrutura pulsional do sujeito. Nesse campo, homens e mulheres são confrontados com forças psicogênicas, e não escapam de sua naturalidade; é o âmbito das pulsões primárias, da energia libidinal e destrutiva.

A percepção do potencial transformador dessa dimensão foi negligenciada durante muito tempo pelo marxismo e, segundo o autor, aqui residiria uma primeira e decisiva etapa para a mudança no sistema de necessidades, compreendida como

[...] o sinal de uma sociedade socialista como diferença qualitativa. A sociedade de classes conhece apenas a aparência, a imagem da diferença, do poder ser outro; esta imagem divorciada da práxis tem sido preservada no domínio da arte. (MARCUSE, 2007, p. 25).

A arte está atravessada pela dissociação do trabalho mental e material como resultado das relações dominantes do processo de produção. Não obstante, tal cisão mantém-se potencialmente como expressão de denúncia do poder e lócus de visibilidade às formas dissimuladas da subordinação.

É preciso ter-se em conta que, no mundo autônomo da arte, a sociedade se manifesta primeiro, como representação estética de caráter histórico, apreendida como matéria passada ou presente: “é a historicidade do material conceptual, linguístico e sensível que a tradição transmite aos artistas e com o qual ou contra o qual têm de trabalhar” (MARCUSE, 2007,p. 25). Só depois disso se manifesta como campo aberto de possibilidades de luta e libertação.

Se a arte pode apresentar-se como força progressista, essa contribuição para a luta libertária não está necessariamente vinculada às origens do artista e ao seu horizonte ideológico, nem pela presença de sinais da opressão em suas obras. Quando uma situação social degradante estiver presente na obra, o caráter progressista, se houver, será dado pelo conjunto, ou seja, naquilo que expressa e como é apresentado. Isso só é possível quando a forma estética revelar dimensões de realidade interditas e reprimidas como aspectos da emancipação. Sob esta perspectiva é possível trazer como exemplo extremo a poesia de Mallarmé, à medida que:

[...] os seus poemas evocam modos de percepção, audição, gestos – uma festa de sensualidade que destrói a experiência de todos os dias e antecipa um princípio de realidade, uma sensibilidade, radicalmente diferentes. (MARCUSE, 2007,p. 26).

Nas obras literárias, o afastamento da práxis é particularmente perceptível e, de certa forma, parece impor uma barreira contrária:

Walter Benjamin rastreou isso nas obras de Poe, Baudelaire, Proust e Valéry. Elas exprimem uma consciência de crise (Krisenbewusstsein): um prazer na decadência, na destruição, na beleza do mal; uma exaltação do antissocial, do anômico – a rebelião secreta da burguesia contra sua própria classe. (MARCUSE, 2007, p.26)

O vigor contestatório dessa literatura que, de certa forma opera em um registro hermético quanto às contradições sociais emuladas no texto, é introduzido por meio das forças erótico-destrutivas primárias que desregulam o universo da comunicação e do comportamento. No entanto, em termos de práxis política, essa literatura pode ser taxada de elitista e decadente e nada significar para a superação da opressão social:

[...] exceto ao desvendar as zonas interditas da natureza e da sociedade em que mesmo a morte e o diabo se incluem como aliados na recusa de se submeterem à lei e à ordem de repressão. [...] A arte não pode abolir a divisão social do trabalho que veda aos explorados o acesso a esta dimensão, mas também não se pode popularizar, sem tornar inofensivo ou ocultar todo o âmbito da emancipação. (MARCUSE, 2007,p. 27).

As qualidades críticas e autônomas da arte afirmam-se, assim como na forma estética, fora do domínio da práxis e da produção material. Na forma estética a arte tem a sua linguagem própria que ilumina a realidade, seja afirmativamente ou em negação, compondo uma dimensão que não se pode ordenar relativamente ao processo produtivo ou mesmo à episteme20.

Quando um roteirista adapta um clássico de uma obra de Shakespeare e transfere as ações dos conflitos da nobreza e da corte para as situações da vida cotidiana de gente comum, pretendendo manter o propósito do texto original de mediar a verdade que abala e compreende a realidade, o fundamental é que essa tradução mantenha o alcance estético da obra. Os personagens podem falar a linguagem do contexto popular, mas o que será determinante, além da construção e qualidade dos diálogos, é que cada frase tenha seu ritmo e consequência, manifestando enfim o elemento universal naquele particular social. Imprescindível

20 A arte tem tanto que ver com o prazer assim como com o conhecimento: não é o passatempo de um público passivo, que se contrapõe à ciência, lugar do conhecimento fundado em demonstrações e experimentos. Como expresso por Nelson Goodman, o filósofo que com maior ênfase recusou esta distorção: “Alcançar a compreensão de uma pintura ou de uma sinfonia em um estilo nada familiar, reconhecer o trabalho de um artista ou de uma escola, e ver ou escutar de maneiras novas, constitui um desenvolvimento cognitivo semelhante a aprendera a ler, escrever ou a somar” (IBARLUCÍA, 2012, p. 66) (tradução nossa).

será o componente subjetivo em todo o plano objetivo. A força que revoluciona tem os seus limites e resíduos nessa permanência fixada no radical da arte:

[...] não como uma posse, não como um pedaço de natureza inalterável, não como uma recordação de algo que do contrário seria reprimido: recordação de uma vida entre ilusão e a realidade, entre a falsidade e a verdade, entre a felicidade e a morte. (MARCUSE, 2007, p. 30).

O que sucede é que o denominador social específico da obra de arte, compreendido como o mundo da vida dos protagonistas, é precisamente o universo que transcende – “tal como os burgueses de Stendhal transcendem o mundo burguês, os pobres de Brecht o mundo do proletário” (Marcuse, p. 30). Ocorre uma superação a partir da colisão com o seu mundo da vida pela via dos acontecimentos nos contextos sociais particulares, ao mesmo tempo em que ela revela outras forças não pertinentes a essas condições.

A arte, na forma estética, segue afirmativa por meio de suas verdades trans- históricas e universais, a evocar a consciência humana, dos seres humanos enquanto seres genéricos21, convocando todas as suas faculdades de valorização da vida. Essa autonomia da arte afirma-se de uma forma extrema e intransigente neste aspecto. A própria obra de arte pode surgir como elitista ou alienada, ou ainda como sintoma de decadência, mas isso por si só não anula sua verdade e não contraria a sua promessa. As estruturas econômicas, no entanto, “afirmam-se a si próprias. Determinam o valor de uso (e com ele o valor de troca) das obras, mas não que elas são e o que dizem” (MARCUSE, 2007, p. 35).

Marcuse se acerca criticamente da estética marxista para questionar as possibilidades de uma arte revolucionária de filiação ideológica de classe, mas o faz reafirmando o poder subversivo da arte de atingir uma consciência coletiva, e, mais especificamente, de indivíduos ligados por uma consciência da necessidade universal de superação, independentemente de posições de classe. No discorrer de suas teses, o autor faz inumeráveis referências a autores e obras artísticas e

21 Em muitos ensaios, Marcuse usa este conceito referindo-se a determinação do homem como ser genérico tomando como referência o conce

mas também na medida em que se relaciona consigo mesmo como gênero vivo, presente, na medida em que se relaciona consigo mesmo como um ser universal, e, portanto livre” (MARX, 1844 apud MARCUSE, 1972, p.22).

filosóficas, e nesse ponto ilustra sua argumentação sobre a universalidade da arte com a epígrafe de Nietzsche no Zaratustra: “Für Alle und Keinen (Para todos e ninguém), que também se pode aplicar à verdade da arte.” (MARCUSE, 1972, p. 35).

Mas se tiver ainda alguma significância falar de uma base de massa para a arte no capitalismo avançado, é possível, com alguma ironia, referir-se à arte pop e aos best-sellers. Isto porque, nesse estágio da sociedade capitalista, a regência tácita do sistema é monopólio de uma classe mercantil-financeira que encaminha nesse universo administrado a primazia dos seus interesses. Na totalidade das necessidades arquitetadas encontram-se contempladas as aspirações manipuladas da classe trabalhadora, e, mais adequadamente podemos dizer, da classe popular, ou seja, do povo. A arte pop é tributária da estética publicitária, esse mimo-de-vênus sofisticado e aprimorado constantemente pelos estrategistas de produtos culturais e, ainda assim, isso não a esvazia de sua verdade de tornar consciente a necessidade de mudança. O problema é que, em algumas modalidades, seus artistas, embora mantenham o espírito criativo e qualidades originais, quase sempre são elevados ao poder de guia estético e moral das massas e, a partir dessa metamorfose, o autor posto em cena pode esterilizar a força de sua arte. Sujeito às mesmas vicissitudes, o best-seller, produto midiatizado da indústria editorial literária, frequentemente impregnado por um discurso tematizado e merdoso, ainda assim comporta o paradoxo de uma perturbadora ironia.

De outra ordem, as posições de uma determinada burocracia de esquerda que insiste em condenar a abertura radical para a transformação da subjetividade, da imaginação e da razão, radicalizada pelos movimentos sociais dos anos 60, são criticadas por Marcuse. Essa ampla manifestação contestatória de caráter existencial e político, operada como revolução cultural, segundo o autor teria permitido o ingresso de valores da superestrutura na base22. Esta posição esquerdista teria como fundamento a insistência regressiva à figura paternal coletiva do proletariado que, compreensivelmente, nem sequer mostra interesse por essa questão: uma arte proletária orientada para o povo. A palavra povo como designação de trabalhador,

22 Marx e Engels utilizaram a metáfora do edifício para apresentar a ideia de que a estrutura econômica da sociedade, a base ou infraestrutura, condiciona a existência e as formas do Estado e da consciência social, a superestrutura (MARX, 1859).

uma expressão, ou melhor, uma denominação há muito apropriada por todas as correntes políticas populistas:

[...] falar do povo em vez de proletariado [...] exprime o fato de, sob o capitalismo monopolista, a população explorada ser muito maior do que o proletariado e de compreender uma grande quantidade de estratos [...]. Se o povo é incorporado no sistema prevalecente de necessidade, então só a ruptura com este sistema pode transformar o povo num aliado contra o barbarismo. (MARCUSE, 2007, p. 39).

Para Marcuse, é fundamental insistir que superar a ordem estabelecida demanda uma ampliação da consciência política, uma vez que a transformação do sistema de necessidades dependerá das operações e das propriedades da sensibilidade, imaginação e razão emancipadas, qualidades estas do reino da estética.

Esta emancipação e as vias que a ela conduzem, subtraem-se à propaganda. Não são traduzíveis de forma adequada para a linguagem da estratégia política e econômica. A arte é uma força produtiva qualitativamente diferente do trabalho; as suas qualidades essencialmente subjetivas afirmam-se contra a dura objetividade da luta de classes. (MARCUSE, 2007, P. 39).

Mesmo quando o artista desdenha da forma estética e prioriza a comunicação de sua obra com o proletariado, ainda assim permanecerá à margem da classe, independentemente de sua extração social ou cultural. A questão fundamental deste problema diz respeito ao conflito intermitente entre arte e práxis política. O período revolucionário do surrealismo não tardou a provocar os cânones do realismo político que, por sua vez, em determinado momento, de arte foi elevado à condição de propaganda.

Um brado da teoria marcuseana é então lançado como desafio que remete diretamente a uma das nossas perspectivações enunciada como hipótese derivada:

A possibilidade de uma aliança entre “o povo” e a arte pressupõe que os homens e as mulheres administrados pelo capitalismo cosmopolita desaprendam a linguagem, os conceitos e as imagens desta administração, que experimentem a dimensão da mudança qualitativa, que reivindiquem a sua objetividade, a sua interioridade. (MARCUSE, 2007, p.40).

A rejeição do indivíduo como conceito burguês sofre de um reducionismo ideologizado e vulgar que, de forma errática, atinge o potencial antagônico da

subjetividade na sociedade capitalista, segundo Marcuse. Uma advertência expressa por Marx adverte sobre a impropriedade de jogar com a sociedade como grandeza independente contra indivíduos isolados: “É preciso evitar, acima de tudo, fixar a sociedade novamente como abstração em contraposição ao indivíduo. O indivíduo é o ser social”. (MARX, 1844 apud MARCUSE, 1972, p. 41).

Esse conceito de indivíduo burguês, desfigurado como sujeito econômico competitivo e autoritário, tornou-se o contraponto do indivíduo que se desenvolve livremente em solidariedade com outros, e que só poderia tornar-se realidade em uma sociedade socialista: “Mas, o período fascista e o capitalismo monopolista mudaram decididamente o valor político destes conceitos.” (MARCUSE, 2007, p. 40).

A subversão da experiência propiciada pela arte como força e curso para a emergência de outro universo requer a dilatação e a recuperação do espaço da interioridade e a da subjetividade como valores transformadores da consciência política e social.

Temos, portanto, que enfrentar algumas questões, tomando-se em conta a arte e suas qualidades transformadoras diante do princípio da realidade estabelecida. Um ponto fundamental seria o enfrentamento preliminar da dificuldade em traduzir esse potencial que reside na transcendência radical da arte para a práxis política, supondo uma representação na obra de arte como um fator de transformação da consciência.

Essa questão leva a mais reflexões do que propriamente a respostas e avança com outras e novas perguntas. Ocorre que, ao preservar sua autonomia, o diferencial qualitativo da arte não constitui a si mesmo e não pode avançar sobre áreas da cultura desintegradas da totalidade existente. O exemplo de ativismo nessa direção seria a tentativa de a arte de ocupar-se com os temas da obscenidade e da pornografia como campos não-conformistas. Seja ingenuidade ou voluntarismo, aqui não há ativismo político, uma vez que são temas mercantilmente integrados que mediatizam o existente. Não há vazio temático para a ocupação de resistência pela arte. Basta ver que a publicidade já explora esse território e, voltamos a insistir, sua potência é de outra natureza.

A autonomia na arte é abstrata, ilusória e vai muito além da questão de tema, assunto ou estilo. É ato de livre criação e descompromisso, que não se manifesta

por causa da técnica e do conteúdo, sendo, em princípio, forma sem matéria. No

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