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2 TEORIA DA OTIMIDADE

2.2 Restrições de fidelidade

Assim como as restrições de marcação, as restrições de fidelidade atuam na escolha do output, considerando sua interação com essas, no entanto, elas também atuam no

mapeamento do input, no processo de Otimização Lexical, funcionando de forma decisiva para o estabelecimento da compreensão.

A gama de restrições de fidelidade define o que é possível de ser mapeado no input. Apesar de haver na literatura alguns trabalhos que propõem a utilização de restrições de fidelidade que façam referência a outras estruturas fonológicas, além de traços e segmentos, como Velleman e Vihman (2002) e Grijzenhout e Jopen (2000), para muitos autores, como McCarthy (2002), restrições de fidelidade que indiquem estruturas fonológicas maiores são desnecessárias porque são gramaticalmente predizíveis pela atuação das restrições

propostas pela Teoria da Correspondência (McCarthy e Prince, 1995) em interação com restrições de marcação.

Conforme pode ser observado em (5)8, para que um segmento que apresente o ponto de articulação coronal seja adquirido, é necessário que a restrição *[coronal] seja demovida abaixo das restrições de fidelidade na hierarquia. Para que uma estrutura silábica seja adquirida, é necessário que restrições de estrutura silábica, como NoCoda, NotComplex (nucleus) e NotComplex(onset), dispostas no tableau em (6), sejam demovidas abaixo das mesmas restrições de fidelidade. É redundante postular a existência de restrições de fidelidade de sílaba, pois a interação entre Max I/O e as restrições de marcação é capaz de atestar a emergência de sílabas CVC, CVV e CCV.

(5)

/tete/ Max I/O Ident

[coronal] *[coronal] tete * Ee *!* Pepe *!*

(6)

/pas/ Max I/O NoCoda NotComplex

(nucleus) NotComplex (onset) pas * pa *! /pai/ paj * pa *! /prato/ pratu * patu *! 2.2.1 Fidelidade posicional

As restrições de fidelidade posicional foram propostas por Beckman (1998), ampliando, de forma significativa, a quantidade de restrições de fidelidade que constituem a gramática universal, pois cada restrição de fidelidade passa a possuir restrições de fidelidade posicionais a ela associadas9. Ainda assim, constitui-se em uma alternativa interessante de análise porque não tem o custo de postular a existência de restrições de fidelidade relacionadas a qualquer unidade fonológica, como àquelas já referidas na seção anterior.

A fidelidade posicional garante que determinados segmentos ou traços da forma do input sejam preservados em posições privilegiadas de proeminência fonética, fonológica e psicolingüística. O processamento é, então, favorecido por posições como sílabas iniciais de raízes, sílabas acentuadas, onsets de sílabas, raízes e vogais longas, e desfavorecido quando o contexto envolve sílabas átonas, segmentos posicionados no meio ou final de palavra, e afixos, por exemplo.

9 Esse aspecto será discutido no capítulo 3, em que proponho um resgate das características conexionistas que constituem o berço da OT.

De acordo com a autora, o privilégio posicional de determinadas unidades fonológicas é manifestado em três padrões distintos de assimetria fonológica: (i) manutenção de contrastes que são neutralizados em outras posições; (ii) gatilho posicional de processos fonológicos e (iii) resistência à aplicação de determinados processos.

Quanto a (i), é possível constatar, através das línguas do mundo, que uma maior gama de contrastes se estabelece em posições privilegiadas, sendo que o inventário de estruturas localizadas em posições de menor proeminência é apenas um subquadro do inventário maior formado por elementos não marcados; (ii) e (iii) estão totalmente interligados pois, quando localizados em posições proeminentes, segmentos podem servir como gatilho para determinados processos fonológicos e, consequentemente, resistir à aplicação de tais processos pois são seus desencadeadores.

Essas assimetrias são expressas, então, em um único padrão de interação no qual a restrição de fidelidade posicional domina restrições de marcação e a restrição de fidelidade livre de contexto.

Beckman (1998:11) propõe que restrições posicionais possam ser formalizadas e dispostas na hierarquia conforme (7a) e (7b) respectivamente:

(7a)

Ident – Position (F)

Deixe β ser um segmento de output em uma posição P privilegiada e α o input correspondente de β. Se β é [γ F], então α deve ser [γ F].

(7b)

Posicionamento na hierarquia

Ident-Posição (F) >> Marcação >> Ident (F)

Observe-se em (8), um exemplo da aplicação do modelo aos dados do português brasileiro retirado de Battisti (2003).

(8a)

Problema: alternância dos ditongos nasais em sílaba átona – [fa´larãw)] ~[fa´laru)w)] ~ [fa´laru]

(8b)

Restrições utilizadas na análise

Ident-σ'(F): segmentos de output em sílaba acentuada e seus correspondentes de input devem ter especificações idênticas para o traço F.

Max-σ'(F): todo segmento de input tem um correspondente em sílaba acentuada. Harmony-VG: vogal e glide concordam em seus valores [aberto 1,2,3] e [ponto]. Coda-Cond *Ponto] σ: coda não pode licenciar traços de ponto.

(8c) Tableaux evidenciando a alternância

/falaraN/ Max-σ', Ident-σ' Harmony VG, Coda-cond Max IO, Ident IO a-)  fala´r´)w) * b-) fala´ru)w) *! c-) fala´ru *!* /falaraN/ Max-σ', Ident-σ' Harmony VG, Coda-cond Max IO, Ident IO a-) fa´lar´)w) *! b-) fa´laru)w) * c-) fa´laru **!

Em (8c), fica evidenciado, com a utilização de restrições posicionais relacionadas à preservação de segmentos e traços em sílabas acentuadas, por que os ditongos nasais átonos são passíveis de alternância em português, ao contrário dos ditongos nasais tônicos. Na verdade, a falta de alternância nestes é explicitada pela militância, acima na hierarquia do português, das restrições Max-σ'e Ident-σ', as quais não militam na produção de outputs como [fa´laru)w)] e [fa´laru], pois as violações de Ident e Max, nesse caso, ocorrem em sílabas átonas.

A restrição de fidelidade posicional ranqueada acima da restrição de marcação proíbe, pois, a emergência de determinados processos em posições privilegiadas, autorizando a sua realização em outros contextos.

2.3 Diferentes formas de explicitar a Marcação

Considerando que, de acordo com a OT, toda estrutura lingüística viola algum tipo de restrição de marcação, parece interessante substituir a dualidade estruturas marcadas x

estruturas não marcadas, por estruturas mais marcadas x estruturas menos marcadas. O

mesmo deve ser considerado sob uma perspectiva de marcação referente a uma determinada gramática quanto à marcação universal. Um output ótimo não marcado universalmente não deve ser considerado um output perfeito – falácia da perfeição (McCarthy & Prince, 1993) -, mas como um output menos marcado. A marcação também é refletida na OT pela proposta das subhierarquias universais e pela natureza afirmativa ou proibitiva das restrições:

(i) a proposta da existência de subhierarquias universais fornece à OT a possibilidade de dar conta da distinção entre estruturas universalmente mais marcadas e menos marcadas, ou seja, se um determinado segmento viola uma restrição de marcação de traço que está ranqueada acima na subhierarquia universal, esse segmento será universalmente mais marcado em detrimento de outro que viole uma restrição que esteja ranqueada mais abaixo na subhierarquia;

(ii) a utilização de restrições de marcação positivas e negativas, como Onset e NoCoda, por exemplo, também traz implicitamente o pressuposto de estruturas universalmente menos marcadas e mais marcadas, pois restrições positivas refletem estruturas universalmente menos marcadas.

Na OT, estruturas universalmente proibidas podem ser consideradas mesmo com a proposta de que todas as restrições podem ser violadas, pois determinados outputs não serão possíveis sob qualquer ordenamento de restrições.

Ainda, é possível afirmar que estruturas universalmente menos marcadas subjazem a estruturas universalmente mais marcadas atestadas em uma determinada língua porque violam restrições ranqueadas abaixo ou violam em menor quantidade determinadas restrições ranqueadas acima nas subhierarquias universais. Dessa forma, a presença, no português, de uma palavra como cuco [´kuku], que assinala violações para a restrição *[dorsal], ranqueada acima na subhierarquia universal de ponto de articulação (Prince & Smolensky, 1993), subjaz à possibilidade da existência de uma palavra como tete [te’te],

que viola a restrição *[coronal] quatro vezes, bem como a palavra te [´te] e e [e]10, que violam essa mesma restrição duas e uma vez, respectivamente.

A marcação também é evidenciada, em acordo com de Lacy (2002), pela preservação de estruturas, ou seja, elementos mais marcados são preservados em detrimento de elementos menos marcados.