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Processo de trabalho e repercussões do Covid-19

O trabalho do dentista é considerado como serviço essencial, uma vez que consiste na atuação de um dos componentes da fisiologia humana que é a saúde bucal. Não menos diferente das outras áreas da saúde, a odontologia compreende um grande papel no combate ao COVID-19 enquanto exerce sua função no dia a dia, seja na prática de próteses, restaurações, no combate às doenças bucais e da gengiva, na realização de cirurgias, limpezas, clareamentos e orientação da higiene bucal no ambiente clínico-hospitalar público ou privado4.

Neste contexto de pandemia, a assistência odontológica apresenta um considerável risco ocupacional para a equipe de saúde bucal, por causa da disseminação do SARS- CoV-2 pelas características peculiares do ambiente de trabalho5. Além do alto grau de infectividade do vírus, verifica-se que os indivíduos contaminados, pré-sintomáticos ou sintomáticos, possuem elevada carga viral nas vias aéreas superiores, o que aumenta em muito a exposição do profissional através da geração de aerossóis durante os procedimentos odontológicos nos consultórios. Estes fatos levaram a OMS, MS, AssociaçãoDentária Americana (ADA), Centros para Controle de Doenças e Prevenção (CDC), Conselho Federal de Odontologia (CFO), entre diversos outros órgãos nacionais e internacionais, a recomendarem que os procedimentos odontológicos eletivos sejam adiados e restritos aos casos de urgência5.

É notório que a prática profissional odontológica apresenta como uma de suas principais características o risco ocupacional em virtude de hábitos, posturas e demandas advindas do processo de trabalho, despontando nesse contexto como uma das mais insalubres profissões, segundo a OMS, podendo levar o cirurgião-dentista às doenças, invalidez ou à morte6. Dessarte, esses riscos são reconhecidos como aqueles que permeiam o ambiente de trabalho e que, em função de sua natureza, concentração, intensidade e tempo de exposição, são capazes de causar danos à saúde do trabalhador7. Tendo em vista as diferentes classificações adotadas pela literatura, os fatores de risco para a saúde dos odontólogos podem ser distribuídos em grupos de acordo com sua natureza química, física, biológica, ergonômica e mecânica, e seus agravos decorrentes advindos, ainda, por falta de conforto e higiene7,8.

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Diante disso e em virtude das características do atendimento odontológico, para a prática de saúde bucal é extremamente relevante o seguimento de protocolos com medidas de proteção e prevenção, a fim de que o contágio seja minimizado.

Medidas de proteção e prevenção

Com a ascensão da pandemia, foi imperativo a necessidade de adoção de novos protocolos de atendimento, tendo como finalidade barrar a disseminação do SARS-CoV-29. Diante das formas de transmissão do vírus, e visto que o trabalhador e paciente podem estar em risco, um ponto bastante interessante utilizado como parâmetro para avaliação de contágio configura-se pela aferição de temperatura e uma breve anamnese para consideração dos sinais, sintomas e elaboração de medidas efetivas, como a higienização previamente da boca do paciente por meio de escovação e/ou bochecho com peróxido de hidrogênio a 1,0%, o mais recomendado para combater o vírus10.

As agências de saúde, como o CFO e MS, recomendam que os pacientes febris e na fase aguda da doença não recebam tratamento odontológico, e em caso de não cumprimento desta regra, é importante que o dentista seja capaz de identificar casos suspeitos de COVID- 19. Para esse fim, a temperatura corporal é o primeiro parâmetro analisado, através de um termômetro digital de testa que não requer contato físico. Além disso, um questionário com perguntas pré-estabelecidas deve ser aplicado aos pacientes antes que eles se sentem na cadeira odontológica2.

Diante disso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), junto ao CFO, instituiu uma nota técnica que orienta, no que tange os atendimentos odontológicos, o adiamento de procedimentos eletivos e, em caso de procedimentos de urgência e emergência, estes devem ser realizados em unidade de isolamento respiratório com pressão negativa e filtro HEPA, uma vez que a maioria dos processos odontológicos tendem a gerar aerossóis, aumentando as chances de contaminação do vírus11.

Quanto às mudanças em relação a higienização, para a limpeza de ambiente foi instruído que, a cada atendimento, deverá ser realizada a limpeza correta de maçanetas, mesa, cadeiras e qualquer outro objeto que possa entrar em contato com o paciente, com o auxílio de hipoclorito de sódio a 0,1%, peróxido de hidrogênio a 0,5%, álcool á 70% ou desinfetante,

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tendo em vista que o vírus possui uma taxa de sobrevivência de 2 a 9 dias em superfícies. Em relação à limpeza de instrumentos, segue a mesma regra de higienização de ambiente, usando hipoclorito de sódio, peróxido de hidrogênio, álcool a 70% além da esterilização de todos os instrumentos manuais. No que diz respeito à higienização pessoal, o odontólogo, assim como seus auxiliares e secretários, deverá utilizar equipamento de proteção individual (EPI), como o gorro, óculos de proteção, máscara, jaleco (de preferência descartável) e luvas. Ademais, após qualquer procedimento, o profissional deve fazer a higienização das mãos com água e sabão por 2 a 3 minutos, e, caso não haja sujidade, utilizar álcool a 70% friccionando por pelo menos 20 segundos10.

Além disso, a Sociedade Brasileira de Anestesiologia12 estabeleceu que, se essencial, os procedimentos de sedação e anestesia devem ser realizados através de circuitos de aspiração fechado e no caso de pacientes suspeitos de Covid-19, deve ser feito o tratamento com aparelho de anestesia específico; somado a isso, os materiais anestésicos reutilizáveis devem passar por processamento estabelecido pela Comissão de Controle de Infecção Hospitalar. Entretanto, é válido ressaltar que a sedação realizada em consultórios odontológicos durante a pandemia merece cuidado especial, uma vez que nos principais métodos, como a sedação inalatória com óxido nitroso e oxigênio, há grande produção de aerossóis, contaminando uma raio de até dois metros, atingindo móveis, profissional e equipe envolvida no processo13.

Aspectos psicológicos, econômicos e sociais dos profissionais odontólogos

A rotina e dinâmica de práticas do trabalhador odontólogo foi diretamente impactada pela pandemia do COVID-19. Além das mudanças técnicas, os profissionais dentistas, e da saúde como um todo, estão vivenciando uma ampla situação de vulnerabilidade, decorrente da exposição ao contágio pelo coronavírus, predispondo a consequências da ordem emocional, psicológica e comportamental com efeitos imediatos e tardios. O medo da contaminação, a preocupação em transmitir aos seus familiares e pacientes, o sofrimento de estar longe de parentes e amigos, a angústia com a duração da pandemia, sensação de perda de controle e de desvalorização são sentimentos facilmente presentes nesta categoria que atua no combate ao coronavírus. Tais dificuldades não são novidade. Também foram reportadas em outros momentos difíceis da história, como na epidemia do Ebola, 1995, e na epidemia de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS)em 200314.

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Na esfera emocional, os profissionais da saúde sofrem o impacto da impotência diante de óbitos em larga escala, da doença ainda não possuir um tratamento eficaz ou uma vacina, fatores que influenciam diretamente no bem-estar pessoal e profissional dos trabalhadores que estão na linha de frente desta pandemia, a exemplo dos cirurgiões dentistas que trabalham em Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Este grupo está mais propenso à alterações comportamentais que chegam a afetar a rotina do sono, o apetite, a disposição física e o humor15. As mudanças bruscas na rotina aliadas ao isolamento e distanciamento social podem gerar desdobramentos importantes na saúde mental predispondo a ansiedade, depressão, crises de pânico, estresse agudo transitório e outros transtornos mentais no profissional. Ainda é possível elencar efeitos tardios quando vivenciadas situações de perda de amigos e familiares pela doença, como o luto, estresse pós- traumático, exposição ao abuso de álcool e outras drogas15.

Outro importante problema advém do impacto econômico provocado pela pandemia na sociedade brasileira. É sabido que parte dos profissionais da odontologia enfrentam o desafio da significativa redução de trabalho e renda, visto que uma importante fatia dos atendimentos são eletivos e estão suspensos, o que gerou uma redução de 90% do movimento nos consultórios odontológicos, de acordo com o Sindicato dos Odontologistas do estado de São Paulo16. Por conseguinte, estão com dificuldades para manter as despesas devido as portas praticamente fechadas e pouca demanda de trabalho17. É importante lembrar que como liberais empregadores, esses não possuem direito a benefícios trabalhistas como seguro desemprego, ou férias remuneradas, benefícios que geram uma mínima estabilidade16.

Essas condições impactam diretamente na qualidade de vida e saúde do profissional odontólogo, que também precisa ser incluído em políticas públicas de incentivo econômico em tempos de emergência em saúde pública.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o atual cenário pandêmico pelo COVID-19 e tendo em vista sua alta capacidade de transmissibilidade social, todas as medidas, orientações e ajustes dos protocolos preexistentes para os serviços de saúde são fundamentais na prevenção da contaminação dos odontólogos durante o atendimento, bem como controlar e conter as infecções já estabelecidas. Outro fator destacado foi a saúde mental dos profissionais e de todos os envolvidos.

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As repercussões do novo coronavírus no processo de trabalho dos profissionais da odontologia durante a fase de pandemia baseou-se em afirmações contidas em referências científicas e protocolos sobre o COVID19, podendo as mesmas serem modificadas mediante o surgimento de novas evidências científicas que podem resultar em alterações expressas no protocolo de atendimento e devem ser motivo de atualização técnica constante pelos pesquisadores, gestores e profissionais de saúde.

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CAPÍTULO 10