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Segue-se uma caracterização económico-social do contexto geográfico mais vasto que é a cidade de Viseu, no centro do país, e escolhida por motivos associados à relativa facilidade de entrada no terreno. Esta caracterização julga-se útil, na medida em que a contextualização social da cidade onde decorreu o estudo pode ajudar a perceber o “retrato” das famílias dos alunos da turma escolhida.

Saliente-se então que, na região “Centro”, no 3º trimestre de 2006, altura em que se iniciou o trabalho de campo, o grupo socioprofissional com mais peso era o dos “Agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura e pescas”, com 284,5 milhares, seguindo-se-lhe os “Operários, artífices e trabalhadores similares”, com 240,5 milhares de inquiridos aí enquadrados, sendo ainda de destacar os 173,9 milhares de inquiridos pertencentes ao grupo socioprofissional “Pessoal dos serviços e vendedores”, sendo notória a baixa qualificação da população residente no “Centro”, que se torna mais evidente quando comparada com o “Norte” e “Lisboa”. Atente-se, pois, nas diferenças entre estas regiões nos grupos socioprofissionais mais qualificados: a) “Quadros superiores da administração pública, dirigentes e quadros superiores de empresa”: Norte – 150,0; Centro – 69,4; Lisboa – 114,9; b) “Especialistas das profissões intelectuais e científicas”: Norte – 127,6; Centro – 79,9; Lisboa – 193,9; c) “Técnicos profissionais de nível intermédio”: Norte – 118,1; Centro – 79,4; Lisboa – 170,5 (Fonte: INE, Estatísticas do Emprego - 3º trimestre de 2006; anexos, p. 521).

O baixo nível de qualificações da população da região Centro – “baixo”, relativamente ao Norte e à região de Lisboa – está bem patente na tabela apresentada em anexo, referente ao nível de escolaridade completo (Fonte: INE, Estatísticas do Emprego - 3º trimestre de 2006; anexos, p. 522). Já no que diz respeito à população residente por sexo e idade (Fonte: INE, Estimativas de população residente, por idades ano a ano, segundo o sexo NUTS II, em 31/XII/2006), refira-se que, apesar de residirem, no total centro, mais mulheres que homens (Total HM - 2.385.891, H - 1.153.369, M - 1.232.522), nas faixas específicas dos cinco aos nove anos (Total HM - 113.016, H - 57.630, M - 55.386) e dos dez aos catorze anos (Total HM - 116.510, H - 59.379, M - 57.131), crianças e adolescentes, a tendência geral não é regra,

uma vez que neste nível etário contam-se bastantes mais indivíduos do sexo masculino (H) do que do sexo feminino (M).

Esta prévia caracterização da região Centro é importante, na medida em que a turma escolhida para o estudo, correspondendo de certa forma a estas tendências, tem mais rapazes do que raparigas, doze rapazes e oito raparigas, e os pais das crianças têm qualificações médias baixas, sobressaindo, no total, apenas um pai com licenciatura. Assim, apesar de a turma apresentar uma estrutura social bastante diversificada, as baixas qualificações das famílias dos alunos da turma poderiam constituir uma limitação21 (quadros, pp. 82-83). No entanto, a investigação prosseguiu, uma vez que a escolha da turma foi feita a partir dum contacto privilegiado com um dos professores da turma e anterior ao início das aulas, para que a investigadora pudesse estar presente na primeira reunião de apresentação com o director de turma e com os encarregados de educação.

Antes de mais, deverá contextualizar-se a análise da intervenção familiar sobre o processo de construção das identidades de género nas crianças pré-adolescentes, com base numa caracterização das famílias dos alunos da turma seleccionada para o estudo. Diga-se que, num total de dezanove alunos – sendo que para as entrevistas apenas entraram em linha de conta os alunos que fizeram parte da turma o ano lectivo completo, sem interrupções –, apenas oito viviam com ambos os pais na altura do estudo, com a particularidade de que num destes casos o pai trabalhava fora do país e vinha apenas nas férias (pai de Natacha) e outro caso em que o pai começou a trabalhar em Espanha a meio do ano lectivo e vinha a casa aos fins-de-semana (pai de Rodrigo).

Será de destacar o elevado número de famílias monoparentais na turma, vivendo os(as) filhos(as) a maior parte do tempo com a mãe; e também a existência na turma de algumas famílias recompostas, sendo que, no caso das gémeas, a família recomposta é do lado do pai – tendo já um meio-irmão e relatando frequentemente episódios com a família do lado do pai, apenas convivem nesse núcleo aos fins-de-semana, de duas em duas semanas – e, nos casos de Sónia e de Francisco, é recomposta do lado da mãe, com quem vivem. Há, depois, três rapazes

21 É de referir que a maior parte dos pais dos alunos da turma escolhida para o estudo tem apenas o 3º ciclo do

ensino básico ou secundário e enquadra-se nos grupos socioprofissionais “Pessoal dos serviços e vendedores”, “Operários, Artífices e Trabalhadores Similares” e “Trabalhadores Não Qualificados”. A família de origem destes sujeitos pais e mães dedica-se amiúde à agricultura (grupo 6, pela Classificação Nacional de Profissões), contrastando com os pais dos professores entrevistados, muitos deles “Especialistas das profissões intelectuais e científicas”. De notar que muitas das mães dos pais dos alunos e professores entrevistados eram (ou continuam a ser) domésticas, havendo nos casais mais jovens uma aproximação entre a escolaridade e situação profissional dos cônjuges, pelo que “o desfasamento tradicional de género, que dava aos homens alguma vantagem sobre as mulheres, tende a esbater-se” (in Wall, 2005: 70).

institucionalizados, que vivem no Lar Escola de Santo António (Instituição de Solidariedade Social), sendo que David e Paulo têm os seus irmãos também nessa instituição; como já foi referido anteriormente, foi neste âmbito entrevistada a directora do lar. São ainda de relevar as situações particulares de Jorge, que vive com os tios padrinhos, e de João, que vive com uma avó adoptiva, iletrada, de oitenta e três anos na altura, um meio-irmão e duas meias-irmãs.

Entrevistaram-se, então, as pessoas mais próximas das crianças, independentemente de se tratar da mãe ou do pai, biológicos ou não. Foram então efectuadas entrevistas a quatro pais, treze mães, à tia-avó do Jorge, à avó do João e à directora do lar, sendo que o baixo número de pais entrevistados se deve ao número avultado de recusas, por alegadas razões de falta de tempo que descortinavam outro tipo de razões; isto quando a investigadora se disponibilizou para ir a casa das famílias das crianças ou a qualquer local da conveniência do entrevistado, tal como fez com os pais do Nuno, tendo aplicado as entrevistas a ambos em casa dos próprios.

A partir dos quadros de caracterização social das famílias dos alunos da turma população, prestando particular atenção à profissão dos pais (pp. 82-83), e apesar do baixo nível de qualificações, podemos antever vários perfis de famílias. Destacaram-se os seguintes grandes grupos socioprofissionais, segundo a Classificação Nacional das Profissões (CNP): “Pessoal dos Serviços e Vendedores” (cozinheira, ajudante de cozinha, empregada de balcão), “Operários, Artífices e Trabalhadores Similares” (mecânico, carpinteiro, pedreiro) e “Trabalhadores Não Qualificados” (auxiliar de limpeza, feirante ou vendedor ambulante). Ainda assim, alguns dos sujeitos (pais ou outros) com quem vivem as crianças da turma pertencem a grupos socioprofissionais que os fazem situar-se em lugares de classe social mais elevados: “Pessoal Administrativo e Similares” (recepcionista), “Técnicos e Profissionais de Nível Intermédio” (assistente de medicina dentária), “Especialistas das Profissões Intelectuais e Científicas” (técnico superior da administração pública - economista) e ainda “Quadros Superiores da Administração Pública, Dirigentes e Quadros Superiores de Empresa” (empresário). A par desta diversidade, saliente-se que nenhuma família corresponde ao modelo familiar tradicional e mais conservador, com a mãe dona de casa, tendo realçado inclusivamente nas entrevistas um pai que, devido ao seu horário de trabalho, tinha mais disponibilidade do que a mãe para ir buscar a filha à escola e que com ela passava mais tempo (caso de Paula). Daqui poderá concluir-se um contexto familiar bastante diversificado e de ambiguidades vividas dentro dessa variedade económica, social e cultural.