• Nenhum resultado encontrado

Reutilização de águas residuais tratadas para a rega paisagística

No documento Reutilização de Águas Residuais (páginas 100-110)

PARTE I – INTRODUÇÃO E CONCEITOS BÁSICOS

3. APLICAÇÕES DA REUTILIZAÇÃO DE ÁGUAS RESIDUAIS TRATADAS

3.4 Reutilização de águas residuais tratadas para a rega paisagística

A chamada rega paisagística consiste na rega de espaços verdes orna- mentais, como: parques e jardins, separadores de auto-estradas, relva- dos de campos desportivos, nomeadamente de campos de golfe. Em termos de volume de água, a rega paisagística constitui a segunda maior aplicação de reutilização de águas residuais tratadas em países de-

senvolvidos. Os EUA são o grande exemplo de reutilização para rega paisagística, a qual tende a aumentar significativamente noutras regiões, como a Europa e o Extremo Oriente. Em Portugal assiste-se a um interes- se crescente pela reutilização de águas residuais tratadas na rega de campos de golfe, principalmente nas regiões do Algarve e do Oeste. Os factores que condicionam a reutilização para rega paisagística são os mesmos referidos para a rega agrícola, isto é, características químicas favoráveis ao desenvolvimento das plantas regadas e características mi- crobiológicas compatíveis com a adequada protecção da saúde pública, embora geralmente este último aspecto seja considerado primordial, dada a elevada probabilidade de contacto humano com os relvados, nomeadamente no caso dos campos de golfe e também pelo facto de não estar em causa o valor da produção agrícola.

3.4.1 Breve descrição da situação mundial

Na categoria de reutilização de águas residuais para rega paisagística in- clui-se a rega de parques e jardins, faixas de separação de pistas em auto-estradas, relvados de campos desportivos, nomeadamente de cam- pos de golfe. Esta aplicação da reutilização da água atinge uma expres- são relevante em alguns estados norte-americanos, principalmente na Florida, seguida da Califórnia, onde se encontram numerosos exemplos de diversos tipos de reutilização para rega paisagística, alguns dos quais citados no Quadro 3-9.

Um tipo particular de reutilização para rega paisagística – a rega de campos de golfe – tem suscitado um interesse significativo, não só nos EUA, mas tam- bém em muitos países europeus, designadamente em Portugal e Espanha, visto que se trata de uma aplicação em projectos de investimento de elevado valor sócio-económico. Pela importância desta aplicação para a economia portuguesa, o tema é abordado especificamente na secção 3.4.5. O interesse da reutilização para rega paisagística pode ser determinado predominantemente por motivos de índole económica, como no caso dos campos de golfe e dos empreendimentos imobiliários em zonas onde se verifica uma elevada procura de água para uso paisagístico e onde esta, por conseguinte, atinge custos elevados; mas também pode ser estimu- lado por razões de protecção ambiental, que exijam a redução da descarga de efluentes nos meios receptores em que só são licenciadas descargas de águas residuais submetidas a tratamento muito exigente, que pode- rão, em alternativa, ser reutilizados.

O foco do interesse da reutilização da água para rega paisagística em Portugal centra-se actualmente na rega de campos de golfe, com parti- cular destaque nas regiões do Algarve e do Oeste. Na primeira destas regiões existem 31 campos de golfe, estando prevista a instalação de mais 18 em breve [Martins et al., 2007]. A autorização para instalação das novas unidades tem sido condicionada à reutilização dos efluentes das ETAR.

Quadro 3-9 – Exemplos no mundo de reutilização de ART para rega paisagística [US EPA, 2004; ASANO et al., 2007; EUWI, 2007]

Cerca de 40 milhões de m3/ano reutilizados na rega de St. Petersburg, Florida espaços verdes residenciais e comerciais e de campos

de golfe. O projecto inclui também reutilização para combate a incêndios em zonas não residenciais. El Paso, Texas Rega de campos de golfe, parques municipais e recintos

escolares com efluentes secundários e terciários. El Dorado Hills, 58 mil m3/d aplicados na rega de jardins residenciais

Califórnia e 2 campos de golfe.

60% do volume de águas residuais produzidas nas Chipre cidades de maior dimensão são reutilizadas na rega

de jardins, parques, recintos de hotéis, campos de golfe. Irvine Ranch Water 41 milhões de m

3/ano reutilizados para rega de parques,

District, Califórnia campos de golfe e outros campos desportivos, recintosescolares. Denver, Colorado 41 milhões de m

3/ano para rega de parques, campos

de golfe, recintos escolares.

5,7 milhões de m3/ano (15% das águas residuais

produzidas) reutilizados em 13 projectos, na rega de campos de golfe, rega de espaços verdes urbanos, rega agrícola, recarga de aquíferos.

Sainte-Maxime, França 10000 m

3/d de efluente terciário reutilizado na rega

de campo de golfe.

Figura 3-10 – Localização dos campos de golfe no Algarve (fonte: [Martins, 2007]) Consorci de la Costa

Brava, Catalunha, Espanha

3.4.2 Critérios de qualidade de águas residuais tratadas utilizadas para rega paisagística

3.4.2.1 Nota preliminar

Um sistema de reutilização de águas residuais para rega paisagística é análogo a um sistema de reutilização para rega agrícola, com a diferença de as plantas serem, neste caso, de interesse ornamental. A água de rega deve satisfazer as necessidades hídricas das plantas, proporcionar o seu bom desenvolvimento vegetativo (qualidade agronómica) e, quando fo- rem utilizadas na rega águas residuais tratadas, a qualidade dessas águas deve cumprir os requisitos de protecção da saúde pública.

3.4.2.2 Aspectos agronómicos da qualidade de águas residuais tratadas utilizadas para rega paisagística

Do ponto de vista agronómico, os requisitos de qualidade das águas residuais a utilizar na rega paisagística são análogos aos da rega agrícola (ver 3.3.2.2). A salinidade é a característica mais relevante, sendo importante que as plantas seleccionadas para um projecto paisagístico, cuja água de rega provenha de uma ETAR, sejam pelo menos medianamente tolerantes à salinidade. No Quadro 3-10 apresenta-se uma lista de plantas ornamentais e da sua tolerância a esta propriedade [Asano et al., 2007]. A manutenção de boa aparência é importante nos espaços paisagísticos, pelo que devem ser evitados problemas de fitotoxicidade. O boro é o elemento mais susceptível de provocar efeitos a curto prazo. Outros elementos tóxicos, como certos metais pesados – cádmio, cobre, níquel –, encontram-se presentes apenas em teores vestigiais, pelo que só a longo prazo poderão originar impactes. Merecem ainda consideração as características químicas relacionadas com a possível geração de odores ofensivos, que pode ocorrer durante a estagnação da água em condutas e reservatórios, mais provavelmente quando a concentração de sulfatos for superior a 50 mg/L SO4

=e a CQO

exceder 20 mg/L [Asano et al., 2007].

O baixo teor de matéria orgânica e de nutrientes é importante para prevenir o desenvolvimento de algas nos reservatórios abertos (campos de golfe, por exemplo) e de biofilmes nas condutas.

O controlo dos efeitos da salinidade no solo e nas águas subterrâneas orienta-se pelos mesmos fundamentos expostos em 3.3.2.2.2 para a reu- tilização para a rega agrícola.

O controlo de elementos tóxicos para as plantas efectua-se de forma análoga à descrita em 3.3.2.2.3 para a rega agrícola

Quadro 3-10 – Tolerância de plantas de ornamentação paisagística à salinidade (Adaptado de [Asano et al., 2007])

Tolerância à salinidade

Muito Sensível Medianamente Tolerante Muito sensível sensível tolerante tolerante Pinheiro Pinus

 do alepo halepensis

Aradeira canariensisHedera  Cordyline

 indivisa

Buganvília Bougainvilleaspectabilis  Mirtilo Syzygium

 vermelho paniculatum

Abrunheiro Prunes

 dos jardins cerasifera

Rosa da Hibiscus

china -sinensisRosa-  Vassoura- Dodonaea

 -vermelha viscosa

Palmeira das Chamaerops

 vassouras humilis

Abélia x grandifloraAelia  Alfenheiro Ligustrum  do Japão lucidum Avenca Nandina  japonesa domestica Pinheiro- Pinus pinea  -manso Pinheiro Pinus preto thunbergiana  japonês Buxus Buxo microphylla  var. japonica Faia da Pittosporum  Holanda tobira Folhado VIburnum  dos Açores Tinus

Karanda grandifloraCarissa 

Bauínia-de- Bauhinia

 hong-kong purpurea

Loendro oleanderNerium 

Maónia aquifoliumMathonia  Nome

comum

Nome botânico

3.4.2.3 Aspectos de saúde pública na qualidade de águas residuais tratadas utilizadas para rega paisagística

Os riscos de saúde pública associados à rega paisagística com águas residuais tratadas podem ser originados por:

– Exposição humana à água de rega e contacto com plantas e superfícies molhadas pela mesma;

– Ligações cruzadas entre os sistemas de abastecimento de água de rega e de água para consumo humano.

Quadro 3-10 – Tolerância de plantas de ornamentação paisagística

à salinidade (Adaptado de [Asano et al., 2007]) (Cont.)

Tolerância à salinidade

Muito Sensível Medianamente Tolerante Muito sensível sensível tolerante tolerante Biota da Platycladus

 China orientalis

Photínia Photinia xfraseri  Goiaba- Feiojoa  -serrana Sellowiana Cacto- Lamprathus  -margarida productus Espinho de Pyracantha  Fogo fortuneana Roseira Rosa sp. 

Alecrim Rosarinusofficinalis  Magnólia grandifloraMagnolia 

Evónio Euonymus

 dos jardins japónica

Jasmim Trachelos- estrelado jasminoidespermum 

Medronheiro ArbutusUnedo  Liquidambar Lquidamber

 da América Styraciflua

Oleagno Elaeagnuspungens  Tulipeiro LiriodendronTulipifera 

Calistemon Callistemonviminalis  Cambará Lantanacamara 

Nome comum

Nome botânico

De um modo geral, as águas residuais utilizadas em rega paisagística são tratadas ao nível de tratamento terciário, menos frequentemente a trata- mento secundário, e quase sempre submetidas a um processo de desin- fecção. Consequentemente, neste tipo de reutilização e com águas resi- duais tratadas a este nível, são muito reduzidos os riscos de saúde públi- ca por ingestão acidental da água de rega ou por contacto com plantas e superfícies regadas.

Não obstante, é possível distinguir dois níveis de risco, aos quais se pode atribuir requisitos de qualidade microbiológica diferentes, consoante os espaços regados são de acesso sem restrições ou de acesso limitado. Entre os espaços paisagísticos de acesso sem restrições encontram-se os seguintes:

– Parques públicos;

– Relvados de campos desportivos;

– Espaços verdes de ornamentação paisagística em instalações públicas e comerciais;

– Jardins de residências individuais e multifamiliares; – Campos de golfe.

Os espaços paisagísticos de acesso limitado incluem: – Faixas laterais e separadoras de auto-estradas;

– Espaços verdes de ornamentação paisagística em instalações industriais; – Cemitérios.

A protecção da saúde pública assegura-se por meio das seguintes ini– ciativas:

– Utilização de água de rega com qualidade microbiológica adequada, o que pressupõe tratamento apropriado e operação fiável;

– Minimização da exposição humana aos factores de risco. Este último factor é conseguido pelos seguintes meios:

– Gestão do processo de rega – desde a selecção do próprio método de rega, procurando os que minimizam contacto da água de rega com os operadores de rega e com o público em geral e evitando os métodos que originam a formação de aerossóis, até à execução das regas durante a noite;

– Estabelecimento de restrições de acesso, como a vedação de canteiros regados com águas residuais tratadas.

3.4.3 Métodos de rega paisagística

Os princípios de projecto de um sistema de rega paisagística são análo- gos ao da rega agrícola, na medida em que o objectivo é fornecer a água necessária ao bom desenvolvimento das plantas, o que depende das condições climáticas do local e do tipo de planta.

A determinação da dotação de rega pode fazer-se segundo a eq. 3.8, afectando a evapotranspiração ET0de um coeficiente KL que traduz as

especificidades do local do espaço paisagístico: o efeito da diversidade das espécies7(k

s); o efeito da densidade da vegetação (kd); o efeito do

microclima do local (kmc).

KL= ksx kdx kmc (eq. 3.9)

ETL= KLx ET0 (eq. 3.10)

Embora a selecção das plantas seja da responsabilidade de técnicos pai- sagistas, será recomendável a opção, tanto quanto possível, por espécies resistentes à salinidade e ao boro, dada a proveniência da água de rega. No Quadro 3-11 apresentam-se valores de ks, kde kmcpara cálculo de KL

[Asano et al., 2007].

Os métodos de rega correntemente utilizados neste domínio da rega pai- sagística são a aspersão, a gota-a-gota e a rega subsuperficial. A rega por aspersão é muito utilizada nos relvados. Desde que bem projectados e adequadamente mantidos, qualquer destes métodos de rega pode apre- sentar elevadas eficiências de rega, da ordem de 65 a 90%.

O sistema de distribuição deve ser dimensionado de modo a disponibili- zar as pretendidas condições de caudal e de pressão aos diversos utiliza- dores, sendo importante avaliar as solicitações de ponta, bem como a possível necessidade de capacidade de armazenamento.

7 Um espaço verde de ornamentação paisagística inclui geralmente uma mistura de espé-

cies, enquanto a produção agrícola se refere ao cultivo de plantas da mesma espécie.

Quadro 3-11 – Valores típicos dos coeficientes de plantas paisagísticas.

Valor

Factor relativo a Espécies

de plantas Densidade Microclima

ks kd kmc

Elevado 0,7 – 0,9 1,1 – 1,3 1,1 -1,4

Moderado 0,4 – 0,6 1,0 1,0

Baixo 0,1 – 0,3 0,5 – 0,9 0,5 – 0,9 Muito baixo < 0,1

3.4.4 Metodologias de controlo dos SRART para rega paisagística

Tal como referido para a rega agrícola, a gestão da rega, em termos de método de rega, volume de água aplicada, frequência das regas e método de rega, constitui uma ferramenta versátil na mitigação de impactes sani- tários e ambientais. As águas residuais tratadas utilizadas em rega paisa- gística passam geralmente por uma exigente fileira de tratamento, mini- mizando assim eventuais impactos adversos, tanto ambientais como de saúde pública. O tipo de método de rega pode também concorrer para minimizar a exposição aos constituintes da água de rega, excepto no caso da rega de aspersão. Neste caso, a interdição da rega quando o vento soprar a velocidades moderadas a elevadas [NP 4434, 2005] cons- titui uma eficaz medida de controlo dos riscos para a saúde pública. Além disso, a gestão do horário das regas pode eliminar a exposição à água de rega, pois é possível programar a temporização das regas para horários nocturnos (por exemplo a partir das 22 horas até às 6 da manhã). Algumas aplicações de reutilização para rega paisagística, como os jar- dins de residências individuais ou colectivas, dispõem também de sistemas de abastecimento de água potável. Nesses casos, podem ocorrer liga- ções cruzadas entre os dois sistemas de abastecimento, risco que é necessário prevenir.

Para isso, a tubagem e acessórios do sistema de abastecimento de águas residuais tratadas devem ser claramente identificados com marcação do fluido que transporta (água reutilizada) e com uma cor distinta da tuba- gem da água potável. Sendo a cor da púrpura adoptada nos EUA para a tubagem de transporte de águas residuais tratadas para reutilização, é recomendável que, por uma questão de uniformização tendente à padro- nização, seja também esta a cor adoptada em Portugal para a tubagem dos sistemas de distribuição de água reutilizável.

A distância das áreas regadas com águas residuais a zonas habitadas cons- titui outra barreira que se deve considerar na protecção da saúde pública.

3.4.5 Rega de campos de golfe com águas residuais tratadas

A rega de campos de golfe constitui a aplicação de rega paisagística que mais água consome, embora o consumo de água dos campos de golfe dependa, logicamente, das características climáticas da região. Em alguns estados norte-americanos é obrigatória a utilização de águas residuais tratadas na rega de campos de golfe [Asano et al., 2007].

Em Portugal, onde os campos de golfe constituem um atractivo muito importante para a actividade turística, o consumo médio anual consumido na rega de campos de golfe de 18 buracos é de 0,3 hm3, valor que chega

a duplicar no mês de máxima necessidade de rega [Martins et al., 2005]. O sistema de rega de um campo de golfe inclui o sistema de distribuição da água, reservatórios de armazenamento (geralmente constituídos por pequenos lagos), o sistema de rega (por aspersão) e o sistema de drena- gem (Figura 3-12).

As espécies de relva são quase todas tolerantes a águas com salinidade até 3 dS/m (ou cerca de 2000 mg/L de SDT), o que significa que os efluen- tes das ETAR não são problemáticos quanto a esta característica, pois em média a sua salinidade é da ordem de 1,235 dS/m [Marecos do Monte, 1996]. No entanto, deve ser tido em conta que a relva dos tees e dos

greens é mais sensível à qualidade da água de rega, pois são plantas

sujeitas a mais stress, por serem mais pisadas e mais curtas. No Quadro 3-12 apresenta-se a tolerância à salinidade de diversas espécies de relva utilizadas em campos de golfe (adaptado de [Sala e Millet, 1997]).

Do ponto de vista agronómico, os relvados dos campos de golfe são bem compatíveis com efluentes secundários, embora os efluentes terciários sejam mais apropriados. De facto, a redução de nutrientes assegurada pelo tratamento terciário minimiza o indesejável crescimento de algas nas lagoas de armazenamento da água de rega. O inconveniente, associado ao trata- mento terciário, da perda de valor fertilizante do efluente a reutilizar na rega pode ser relevante, devendo ser considerado na análise do quadro de quali- dade a satisfazer pelas águas residuais tratadas a reutilizar como água de rega. Não obstante a boa qualidade agronómica, a qualidade do efluente pode ter de ser afinada para prevenir problemas de corrosão na rede de rega. A preservação da boa qualidade da relva pode obrigar à instalação de um sistema de drenagem, para prevenir a salinização do solo, especialmente na zona dos greens e dos tees. Ocasionalmente, pode fazer-se uma rega de lavagem do solo com água doce. A água recolhida no sistema de drenagem contem sais, pesticidas e fertilizantes, pelo que deve ser enviada para a estação de tratamento ou considerado o seu lançamento nos reservatórios de armazenamento.

3.5 Reutilização de águas residuais tratadas

No documento Reutilização de Águas Residuais (páginas 100-110)