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Riscos de saúde pública decorrentes das características

No documento Reutilização de Águas Residuais (páginas 48-51)

PARTE I – INTRODUÇÃO E CONCEITOS BÁSICOS

2. EFEITOS AMBIENTAIS E SANITÁRIOS NO PROCESSO DE REUTILIZAÇÃO

2.4 Microrganismos patogénicos veiculados pela água

2.4.3 Riscos de saúde pública decorrentes das características

A utilização de águas residuais tratadas implica a possibilidade de equi- pamentos, materiais, pessoas e o ambiente circundante ficarem expostos ao contacto com essa água e aos microrganismos patogénicos que esta contiver. As pessoas e os animais que contactarem com as águas resi- duais reutilizadas, ou com os equipamentos, materiais ou ambiente cir- cundante molhados por essas águas, podem contactar com patogénicos, podendo esse contacto proporcionar a ingestão directa dos patogénicos, a sua inalação, a sua penetração no organismo por outras vias, como o contacto com lesões corporais.

O risco de saúde inerente à reutilização de águas residuais tratadas pode ser praticamente nulo, mas também pode atingir níveis sérios, dependen- do fundamentalmente dos seguintes factores:

a) Concentração de microrganismos patogénicos na água reutilizada, o que depende do nível de tratamento das águas residuais e da fiabilida- de desse tratamento, sendo possível dispor de água para reutilização que vai desde um efluente primário, ou, mais frequentemente, de um efluente secundário típico, que apresentam teores de coliformes fecais da ordem de 106UFC/100 mL, até efluentes submetidos a desinfecção,

em que o teor deste indicadores apresenta níveis equivalentes ao da água para consumo humano (ver Quadro 2-4).

b) Características epidemiológicas dos diferentes patogénicos presentes nas águas residuais.

c) Da exposição da população ao contacto com a água reutilizada, que varia com a finalidade da reutilização, podendo ir da máxima exposição – com a ingestão de vegetais crus regados com essa água – até um exposição praticamente nula, como o caso da certas reutilizações industriais.

2.4.3.1 Características epidemiológicas dos microrganismos patogénicos

Os microrganismos presentes nas águas residuais possuem característi- cas epidemiológicas variáveis – persistência, latência e dose infectante –, o que origina riscos potenciais diferentes, embora estes também depen- dam da susceptibilidade da população exposta, determinada pelo seu estado de saúde e nível de imunidade.

A latência define-se como o intervalo de tempo decorrido entre a excre- ção de um patogénico e a infecção de um novo hospedeiro vertebrado.

Alguns microrganismos – entre os quais se incluem todas as bactérias, protozoários e vírus de origem fecal – não têm período de latência, tor- nando-se imediatamente infecciosos assim que são excretados. Outros, como os helmintas, apresentam um período de latência mais ou menos longo, dependendo do seu ciclo de vida incluir um ou mais hospedeiros intermediários, podendo tal ser necessário para que a fase excretada se desenvolva para uma fase infecciosa.

A persistência é a característica que traduz a viabilidade do microrganis- mo fora do seu habitat, isto é, avalia a rapidez da sua eliminação após a excreção pelo corpo humano ou, dito de outra forma, avalia a sua sobre- vivência fora do corpo humano.

A persistência dos microrganismos patogénicos varia com o tipo de orga- nismo e depende das condições ambientais, principalmente da tempe- ratura e da humidade: de um modo geral, os microrganismos persistem mais tempo a temperaturas mais baixas e em ambientes mais húmidos. Alguns patogénicos conseguem multiplicar-se fora do trato intestinal. É o caso das bactérias do género Salmonella, que se multiplicam nos produ- tos alimentares, e dos helmintas da classe dos tremátodos, que se multi- plicam no corpo de caracóis aquáticos.

A dose infectante de um determinado patogénico representa a quantida- de desse microrganismo que um indivíduo em bom estado de saúde necessitaria de ingerir para ficar doente.

A dose infectante é extremamente variável em função do tipo de micror- ganismo, sendo relativamente elevada para muitas bactérias e protozoá- rios patogénicos e bastante baixa para outros. O conceito de dose infec-

tante é de difícil quantificação, pois os voluntários para os estudos de quantificação são, em geral, indivíduos adultos, bem alimentados e de áreas não endémicas. As doses infectantes assim determinadas devem ser cautelosamente extrapoladas para o caso de crianças subnutridas, de zonas endémicas. Refira-se, a propósito, que nestas regiões muitos indi- víduos são portadores sãos, que não manifestam sinais clínicos de doen- ça, mas que excretam no ambiente grandes quantidades de patogénicos. No Quadro 2-5 apresenta-se um resumo das características epidemiológicas dos principais microrganismos patogénicos presentes em águas residuais urbanas.

Quadro 2-5 – Características epidemiológicas dos principais microrganismos patogénicos presentes nas águas residuais urbanas. Fonte: [Feachem et al., 1983]

Patogénico Carga Latênciab Persistênciac Dose

excretadaa infecciosa

mediana (DI50)

VÍRUS

Enterovírusd 107 0 3 meses 1 – 10

Vírus hepatite A 106 0 ? Baixa (?)

Rotavírus 106 0 ? Baixa (?)

BACTÉRIAS

Campylobacter

fetus ssp. jejuni 107 0 7 dias Elevada (?)

E. coli patogénica 108 0 3 meses 106– 1010

Salmonella typhi 108 2 meses Elevada

outras salmonelas 108 0 3 meses Elevada

Shigella spp. 107 0 1 mês 10 – 20

Vibrio cholerae 107 0 1 mês (?) Elevada

Yersinia

enterocolitica 105 0 3 meses Elevada (?)

PROTOZOÁRIOS

Giardia lamblia 105 0 25 dias < 20

Entamoeba histolytica 105 0 25 dias 10 – 20

Balantidium coli ? 0 ? Baixa (?)

Cryptosporidium 1 – 10

HELMINTAS

Trichuris trichura 103 20 dias 9 meses Baixa

Ascaris lumbricoides 104 10 dias 1 ano 1 – 10

Enterobius vermicularis * 0 7 dias Baixa

Hymenolepis nana ? 0 1 mês Baixa

Taenia saginata e

Taenia solium 10

4 2 meses 9 meses Baixa

Baixa (< 102); Média (

– 104); Elevada (> 106); ? Ainda existe incerteza.

a

Valor médio de microrganismos por grama de fezes (com excepção dos que ocorrem na urina);

b

Tempo mínimo médio entre a excreção e a infecção;

c

Máxima vida estimada da fase infecciosa à temperatura ambiente de 20-30ºC;

d

Incluidos os polio-, eco- e coxaquievírus; e Inclui a E.coli enterotoxigénica, a E.coli enteroinvasiva e a E.coli enteropatogénica.

2.4.3.2 Vias de exposição

A exposição dos seres humanos ao risco induzido pela reutilização de águas residuais tratadas pode ser muito variável. Na Figura 2-5 apresen- ta-se um esquema ilustrativo do percurso do risco associado à presença de microrganismos patogénicos na água a reutilizar. A forma de exposi- ção aos patogénicos varia consoante a finalidade e a forma da reutiliza- ção, conforme indicado no Quadro 2-6, podendo ser uma exposição má- xima se houver ingestão de culturas regadas com água reutilizada, con- tacto directo do corpo com superfícies molhadas com essa água ou ina- lação de aerossóis com essa origem. Mesmo nestas situações de máxima exposição, a intensidade pode ser muito reduzida, se o nível de trata- mento das águas residuais reduzir a presença de microrganismos indica- dores a teores muito baixos.

No documento Reutilização de Águas Residuais (páginas 48-51)