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Segundo Miles (2005), a partir de meados da d´ecada de 1990 a literatura de inova¸c˜ao come¸cou a reconhecer o papel exercido pelo setor de servi¸cos. Os estudos come¸caram a destacar as especificidades associadas `a inova¸c˜ao em servi¸cos. Via de regra, eles mostraram que existem diversos aspectos que tornam a inova¸c˜ao em servi¸cos diferente da inova¸c˜ao na ind´ustria (DREJER, 2004;MILES, 2005;EVANGELISTA, 2000;TETHER; HIPP, 2002;GUERRIERI; MELICIANI, 2005;BRYSON; DA-

NIELS; WARF, 2013;NORD˚AS; KIM, 2013).

As novas tecnologias de comunica¸c˜ao apresentaram uma mudan¸ca fundamental em rela¸c˜ao aos demais paradigmas tecnol´ogicos. Elas de- mandaram o surgimento de diversas atividades de servi¸cos especializa- das na fabrica¸c˜ao e disponibiliza¸c˜ao de conhecimentos.

Segundo Kon (2015, p. 259), a vis˜ao tradicional considera que a inova¸c˜ao segue car´ater linear. O processo produtivo pode ser dis- tinguido em diferentes partes, sendo constitu´ıdo por trabalhadores es- pecializados na realiza¸c˜ao de fun¸c˜oes distintas. Seguindo esta vis˜ao, o trabalhador de ch˜ao de f´abrica ´e respons´avel apenas pela execu¸c˜ao de atividades rotineiras, o gestor exerce atividades administrativas e o pesquisador realiza as atividades cient´ıficas que resultam em inova¸c˜oes. Esta vis˜ao concebe o processo produtivo como algo bem comportado no qual a inova¸c˜ao emerge da especializa¸c˜ao produtiva em atividades que ocorrem em paralelo, mas isoladas uma das outras. Para Kon (2015, p. 259), a inova¸c˜ao ´e realizada por um pesquisador que se encontra isolado do processo produtivo e que n˜ao depende do ch˜ao de f´abrica em si.

Esta vis˜ao tradicional de inova¸c˜ao ´e incompat´ıvel com o modo como realmente emergem as inova¸c˜oes e ´e incapaz de mensurar a ver- dadeira contribui¸c˜ao do setor de servi¸cos para a ocorrˆencia de inova¸c˜oes. Uma das caracter´ısticas distintivas do setor de servi¸cos ´e a intensa in- tera¸c˜ao deste com as demais atividades do setor industrial. A inova¸c˜ao em servi¸cos emerge como resultado natural desta intera¸c˜ao - Kline e Rosenberg (1986) apud Kon (2015, p. 259).

mismo, contribuindo para a emergˆencia e difus˜ao das novas tecnologias de comunica¸c˜ao. Uma s´erie de inova¸c˜oes radicais inter-relacionadas foi incorporada ao sistema econˆomico nas ´ultimas d´ecadas, inicialmente apenas na ind´ustria de semicondutores e mais tarde nos setores de soft- ware e telecomunica¸c˜oes. Estas inova¸c˜oes se difundiram rapidamente a partir da d´ecada de 1990 e resultaram na propaga¸c˜ao de um conjunto de inova¸c˜oes baseadas em Sistemas Multim´ıdia e Internet (FREEMAN; LOUC¸ ˜A, 2001).

Em linhas gerais, o setor de servi¸cos ´e muito heterogˆeneo. Al- guns servi¸cos s˜ao ofertados por profissionais com baixo n´ıvel de quali- fica¸c˜ao e n˜ao contribuem para a realiza¸c˜ao de inova¸c˜oes. Contudo, um conjunto amplo de servi¸cos, classificados pela literatura como servi¸cos de neg´ocios intensivos em conhecimento (Knowledge-intensive business services - KIBS) foge a esta regra. Eles s˜ao ofertados por profissionais com alto n´ıvel de qualifica¸c˜ao, contratados para a solu¸c˜ao de proble- mas espec´ıficos, e contribuem de diferentes formas para a realiza¸c˜ao de inova¸c˜oes.

Um elemento que explica a relutˆancia da literatura de inova¸c˜ao em reconhecer a contribui¸c˜ao destes servi¸cos para a realiza¸c˜ao de inova¸c˜oes ´

e a sua complexidade e as caracter´ısticas espec´ıficas possu´ıdas pelas diversas atividades que comp˜oem os KIBS. Estas destoam considera- velmente das atividades industriais. As caracter´ısticas que elas pos- suem demandam o desenvolvimento de todo um ferramental anal´ıtico espec´ıfico e, muitas vezes, completamente diferente do ferramental uti- lizado para analisar a contribui¸c˜ao da ind´ustria para a realiza¸c˜ao de inova¸c˜oes.

A mensura¸c˜ao das inova¸c˜oes realizadas pela ind´ustria se baseia na identifica¸c˜ao de caracter´ısticas espec´ıficas associadas positivamente ao desenvolvimento de inova¸c˜oes. Por exemplo, tamanho da empresa; existˆencia de um setor de P&D interno e desenvolvimento de patentes. Devido `a sua natureza, muitas das firmas especializadas na presta¸c˜ao de servi¸cos n˜ao possuem estas caracter´ısticas. No entanto, esta ausˆencia n˜ao significa que elas n˜ao realizam inova¸c˜oes, significa apenas que a mensura¸c˜ao da contribui¸c˜ao deste setor para a realiza¸c˜ao de inova¸c˜oes precisa seguir abordagem diferenciada. Esta deve se “libertar” do fer- ramental anal´ıtico tradicional e olhar para os aspectos espec´ıficos assu- midos pela inova¸c˜ao realizada pelos KIBS. Dada esta ressalva, a an´alise que segue identifica as diferentes peculiaridades associadas `a realiza¸c˜ao de inova¸c˜oes em servi¸cos.

Conforme enfatizado por Hertog (2000), os servi¸cos intensivos em conhecimento influenciam de diversas formas na realiza¸c˜ao de inova¸c˜oes.

Eles exercem influˆencia indireta, funcionando como facilitador ou trans- portador de inova¸c˜oes, e influˆencia direta quando s˜ao fontes de inova¸c˜ao ou quando atuam como coprodutores de inova¸c˜ao.

Os KIBS, al´em de realizar inova¸c˜oes e contribuir para a sua re- aliza¸c˜ao na ind´ustria, tamb´em possuem outra tarefa. Eles s˜ao res- pons´aveis por fornecer conhecimento especializado. Esta ´e a princi- pal diferen¸ca observada entre o setor de servi¸cos intermedi´arios e a ind´ustria. A ignorˆancia desta diferen¸ca resulta em subestima¸c˜ao da contribui¸c˜ao do setor de servi¸cos para o desenvolvimento de inova¸c˜oes e, de forma an´aloga, em sobre estima¸c˜ao da contribui¸c˜ao da ind´ustria

(GALLOUJ; WEINSTEIN, 1997; WINDRUM; TOMLINSON, 1999; CAGNO;

MELICIANI, 2005;GUERRIERI; MELICIANI, 2005).

De acordo com Miles (2005), os KIBS se diferenciam conside- ravelmente dos servi¸cos tradicionais. Eles representam um conjunto de servi¸cos desenvolvidos para realizar a fabrica¸c˜ao e transferˆencia de conhecimentos relacionados `as novas tecnologias. Para Czarnitzki e Spielkamp (2003, p. 26), eles podem ser vistos como “pontes para a inova¸c˜ao”, pois surgiram para facilitar a aquisi¸c˜ao e aplica¸c˜ao dos conhecimentos mais complexos, associados `as novas tecnologias de co- munica¸c˜ao e `as diversas inova¸c˜oes trazidas por elas.

Desta forma, O’Farrell e Moffat (1995) defendem que os servi¸cos s˜ao atividades desempenhadas por uma unidade econˆomica em be- nef´ıcio de outras. A mensura¸c˜ao das inova¸c˜oes realizadas no setor de servi¸cos n˜ao deve olhar apenas para o interior deste setor. Muitas vezes ´e preciso olhar para as mudan¸cas que eles provocam em seus clientes, sejam estes outros servi¸cos ou atividades industriais.

A realiza¸c˜ao de inova¸c˜oes na ind´ustria exige o dom´ınio de um conjunto de habilidades e conhecimentos. O setor de servi¸cos dota a ind´ustria destas habilidades e conhecimen- tos necess´arios. Deste modo, em muitos casos ´e a presen¸ca de servi¸cos intermedi´arios espec´ıficos que viabiliza o desen- volvimento de inova¸c˜oes na ind´ustria. A grande maioria das inova¸c˜oes emerge como resultado de uma rela¸c˜ao simbi´otica, como produto da intera¸c˜ao entre a ind´ustria e o setor de servi¸cos.

A forma¸c˜ao desta rela¸c˜ao de simbiose entre o setor de servi¸cos e a ind´ustria, mais do que apenas influenciar, determina a capacidade de realiza¸c˜ao de inova¸c˜oes na ind´ustria. Em sentido mais rigoroso, ´e poss´ıvel se afirmar que a capacidade de realiza¸c˜ao de inova¸c˜oes da ind´ustria depende das caracter´ısticas assumidas pelos servi¸cos adquiri- dos por este setor. Os pa´ıses que possuem um setor de servi¸cos desen-

volvido, altamente especializado, e que contam com uma vasta oferta de servi¸cos intensivos em conhecimento possuem uma ind´ustria mais inovadora. Por outro lado, os pa´ıses que possuem setor de servi¸cos intensivos em conhecimento pequeno, pouco especializado e pouco di- versificado apresentam taxas de inova¸c˜ao sensivelmente inferiores na ind´ustria (HOWELLS, 2000).

Peneder (2003) tentou identificar padr˜oes na utiliza¸c˜ao de KIBS. O autor mostra que os pa´ıses desenvolvidos s˜ao os principais utilizado- res destes servi¸cos e que o padr˜ao de utiliza¸c˜ao varia bastante entre os pa´ıses. Ademais, o autor mostra que estes padr˜oes de uso refletem, em parte, a estrutura industrial dos pa´ıses. Contudo, ele consegue identi- ficar alguns padr˜oes:

1) Publicidade e pesquisa de mercado s˜ao amplamente utilizados pelos setores orientados para os consumidores finais. 2) Servi¸cos de inform´atica s˜ao utilizados por fabricantes de computadores; ind´ustrias de m´aquinas de escrit´orio e equipamentos; ind´ustrias de equipamen- tos de comunica¸c˜ao; e de edi¸c˜ao e impress˜ao. 3) Servi¸cos de P&D s˜ao utilizados pela ind´ustria qu´ımica e de equipamentos de precis˜ao, em alguns pa´ıses o setor p´ublico tamb´em utiliza estes servi¸cos. 4) Consul- toria arquitetˆonica e t´ecnica ´e utilizada pelos setores de constru¸c˜ao e engenharia civil e pela ind´ustria de transporte e de produtos qu´ımicos e farmacˆeuticos.

Segundo Miles (2008), grande parte do crescimento do setor de servi¸cos ´e explicada pelo aumento no n´umero de atividades de servi¸cos intensivos em conhecimento. O surgimento de novas atividades evi- dencia a demanda crescente que existe por servi¸cos especializados no fornecimento de conhecimento avan¸cado para a ind´ustria. A explica¸c˜ao para este aumento na demanda ´e a complexidade cada vez maior dos ambientes organizacionais, o que resulta na necessidade de se trabalhar com um volume crescente de informa¸c˜oes. Tamb´em se deve `a intensi- fica¸c˜ao na divis˜ao do trabalho. Pois, o surgimento de uma gama cada vez maior de especialistas exige novas capacidades de coordena¸c˜ao, in- tegra¸c˜ao e sintese do conhecimento possu´ıdo por estes.

Antonelli (1999) argumenta que os KIBS surgiram como resposta `

a forma¸c˜ao de um mercado real para conhecimento. O aumento na apropria¸c˜ao do conhecimento viabilizou a especializa¸c˜ao de firmas in- dependentes na sua fabrica¸c˜ao. As firmas de servi¸cos empresariais in- tensivas em conhecimento desempenham fun¸c˜ao fundamental no sis- tema econˆomico. Elas s˜ao respons´aveis pelo aumento dos n´ıveis globais de produtividade do trabalho, uma vez que viabilizam o acesso ao co- nhecimento tecnol´ogico e cient´ıfico que se encontra disperso no sistema

econˆomico.

Miles (2005, p. 37) ressalta a diferen¸ca entre a troca de in- forma¸c˜oes e o desenvolvimento de conhecimentos. At´e ent˜ao a lite- ratura econˆomica considerava que os KIBS eram respons´aveis apenas pela troca de informa¸c˜oes. Uma vez que eles eram utilizados para ge- rir redes de informa¸c˜oes. No entanto, conforme ressaltado pelo autor, os KIBS n˜ao se limitam `a transferˆencia de informa¸c˜oes. Eles tamb´em viabilizam a aprendizagem atrav´es de redes, sendo respons´aveis pelo desenvolvimento e difus˜ao de conhecimen- tos.

Conforme enfatizado por Miles (2008) e O’Farrell e Moffat (1995), os KIBS muitas vezes s˜ao utilizados para solucionar proble- mas enfrentados pelos seus clientes, desenvolvendo inova¸c˜oes para estes. Eles tamb´em podem ser respons´aveis por implantar e de- senvolver o conhecimento gen´erico necess´ario, contribuindo para que seus clientes desenvolvam inova¸c˜oes.

Ademais, conforme destacado por Windrum e Tomlinson (1999), em contraste com as firmas industriais, que produzem bens com alto grau de conhecimento codificado, KIBS produzem bens com alto grau de conhecimento intang´ıvel ou t´acito. Deste modo, KIBS n˜ao s˜ao respons´aveis apenas por disponibi- lizar informa¸c˜oes espec´ıficas, mas por realizar a liga¸c˜ao entre a base de conhecimento t´acito dos seus clientes e a base de conhecimento mais amplo da economia. A intera¸c˜ao entre o conhecimento t´acito possu´ıdo pelos clientes e o conhecimento gen´erico (cient´ıfico) possu´ıdo pelos KIBS viabiliza a solu¸c˜ao de problemas e a realiza¸c˜ao de inova¸c˜oes.

Segundo Strambach (2001), o processo de fabrica¸c˜ao e difus˜ao do conhecimento pelos KIBS pode ser discriminado em trˆes fases princi- pais. Os KIBS realizam a aquisi¸c˜ao de conhecimentos, recombinam este conhecimento e, s˜ao respons´aveis pela sua transferˆencia para as firmas. O conhecimento existente ´e combinado com o conhecimento adquirido a partir de intera¸c˜oes sucessivas com os clientes. O resultado ´e a gera¸c˜ao de novos conhecimentos.

Segundo Hauknes (1998), os KIBS desempenham um papel im- portante ao facilitar a gera¸c˜ao e difus˜ao de inova¸c˜oes atrav´es da sua intera¸c˜ao di´aria, comunica¸c˜ao e comercializa¸c˜ao de informa¸c˜oes com firmas. Deste modo, os KIBS desempenham v´arios pap´eis diferentes. Conforme destacado por Miles (2008), eles diagnosticam a natureza dos problemas, contribuem para a sua solu¸c˜ao e apoiam a realiza¸c˜ao das inova¸c˜oes necess´arias.

Apresentada a literatura que evidencia a contribui¸c˜ao dos servi¸cos intermedi´arios para a realiza¸c˜ao de inova¸c˜oes, a pr´oxima se¸c˜ao revisa a literatura de cadeias globais de valor. Ela mostra que existem con- dicionantes hist´oricos e internacionais que influenciaram no padr˜ao de crescimento do setor de servi¸cos intermedi´arios e no padr˜ao de especi- aliza¸c˜ao produtiva e inser¸c˜ao dos pa´ıses.

2.5 FORMAC¸ ˜AO DAS CADEIAS GLOBAIS DE VALOR E CRESCI-