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Revista Claudia – comunicação e subversão significante

No documento UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO (páginas 133-136)

4 AMIGA LEITORA: FEMINILIDADE COMO MASCARADA EM

4.1 A intrusão do desejo no campo da comunicação

4.1.1 Revista Claudia – comunicação e subversão significante

Conforme Mira (2001), a imprensa feminina surge no século XVII na Inglaterra, no esteio da Revolução Industrial, com forte incidência nas camadas urbanas e burguesas daquele país, ocasionando o surgimento dos primeiros magazines135 dedicados à adaptação aos novos

135 Segundo a autora, a palavra magazine se origina dos chamados grands magazins, lojas nas quais eram expostos artigos de luxo frequentemente adquiridos pelas mulheres da burguesia, tais como chapéus, sapatos e sombrinhas. É daí que nos países como França e Inglaterra os primeiros folhetos propagandísticos desses estabelecimentos

tempos industrializados. As primeiras publicações destinadas às mulheres dividiam-se em dois segmentos mais comuns: aquele destinado à veiculação de artigos de moda e as publicações escritas por mulheres que conclamavam as leitoras a tomarem parte na discussão acerca dos novos papéis sociais concernentes ao lugar da mulher na sociedade burguesa; esses últimos eram chamados “escritos feministas” (MIRA, 2001, p. 47).

Vê-se que desde o princípio a mensagem que se destina às mulheres pela via da imprensa guarda relação com os temas envolvidos com a feminilidade concebida como mascarada pela teoria de Riviere: tanto o disfarce feminino pela via da vaidade como a conclamação às lutas feministas permitem que pensemos numa feminilidade definida entre a ostentação de uma feminilidade exagerada pelo artifício e a luta por igualdade e emancipação feminina perante os homens, tema este que aparece no artigo de Riviere de 1929136 não como mero pano de fundo para as questões que a autora desenvolve, mas como elemento de importância fundamental para os argumentos defendidos no seu trabalho.

No pós-guerra e com as influências da indústria cinematográfica de Hollywood, as revistas femininas começam a abordar mais fortemente outras temáticas que não necessariamente os assuntos concernentes aos ideais feministas: é a era dos folhetins, cujo foco central é a aparência e a imagem de feminilidade, vinculadas aos cuidados gerais com a beleza e com uma suposta melhoria dos dons naturais ditos femininos, temas que já vinham tomando muito espaço nas publicações137 havia certo tempo. Associada a essa nova tendência editorial, as revistas femininas, sobretudo as veiculadas nos Estados Unidos, passam a contar com uma seção intitulada Confidences, destinada a criar uma relação de proximidade entre as publicações e as leitoras. Estas eram convidadas a expor seus dilemas e seus segredos a fim de receber

receberam seu nome (MIRA, 2001, p. 46). Buitoni (1990) sustenta que tanto a palavra inglesa magazine como o termo francês magazin derivam da palavra árabe al-mahazen, significando “armazém”, aplicado a publicações cujos temas eram variados (VIDUTTO, 2010, p. 25). Já a palavra “revista” aparece pela primeira vez em 1705, derivada da palavra inglesa review, cujo significado comporta: “resenha, crítica literária” (ALI, 2009 apud VIDUTTO, 2010, p. 25).

136 Esse viés emancipatório do artigo A feminilidade como mascarada (1929), apesar de não ter sido aprofundado pela autora, não pode ser ignorado e tampouco tomado apenas como pano de fundo em que o artigo é escrito. Riviere diz: “De todas as mulheres dedicadas atualmente a uma profissão liberal seria difícil dizer, observando seu modo de vida ou seu caráter, se a maioria é mais claramente masculina ou feminina. No meio universitário ou científico, assim como no mundo dos negócios, se encontram constantemente mulheres que parecem responder a todos os critérios de uma feminilidade realizada. São boas esposas, excelentes mães [...]. Mas ao mesmo tempo são capazes de assumir as responsabilidades de sua vida profissional, pelo menos tão bem quanto qualquer homem”. (Of all the women engaged in profesional work to-day, it would be hard to say whether the greater number are more feminine than masculine in their mode of life and character. In University life, in scientific professions and in business, one constantly meets women who seem to fullfil every criterion of complete feminine development. They are excelent wives and mothers [...]. At the same time they fullfil the duties of their profession at least as well as the average man).(RIVIERE, 1929/1991, p. 91, tradução nossa).

137 Maluf e Mott (1998) remetem à seção Belleza feminina e a Cultura physica, veiculada em um número da

Revista Feminina de 1918, onde se lê: “Nosso fim é a beleza. E a beleza só pode coexistir com a saúde, com a robustez e com a força” (MALUF; MOTT, 1998, p. 371).

conselhos de pessoas supostamente profissionais; esse convite à confidência deu origem ao modelo de seções chamado de Consultório sentimental, presente em muitas das revistas ditas femininas138.

No bojo das transformações ocorridas no segmento de revistas destinado ao público feminino, surge a necessidade de dar às publicações capas estampadas com um rosto de mulher, um rosto para representar a “mulher média” a quem a publicação deveria se dirigir. As revistas femininas ganham um modelo de formatação semelhante ao que se conhece atualmente, ostentando em sua capa um rosto feminino, um esboço das versões de feminino que passam a ser produzidas em série para as mulheres que deveriam responder a este convite de proximidade – e confidência – que lhes era feito a cada nova edição de sua publicação favorita.

Estampado o rosto de mulher, restava dar à revista um nome feminino para que a proximidade desejada com as leitoras pudesse, de fato, ser mais facilmente alcançada. Por meio do mecanismo da identificação, usar um nome de mulher como título da publicação, um nome comum, parece ser a estratégia mais garantida de penetrar nos recônditos da chamada “alma feminina”, fortalecendo ainda mais a relação de fidelidade a partir do mote consumista139, marca da época em que o segmento de revistas femininas encontra seu melhor momento no mercado editorial. As leitoras se fidelizam à revista ao se sentirem compreendidas por ela, tal como poderiam se sentir em relação a uma amiga.

Nesse breve resumo das características fundamentais das publicações destinadas ao leitor-alvo feminino, têm-se os principais elementos que tornam a revista feminina um interessante meio de enunciação social a partir do qual nossa análise se estabelece e se justifica. São esses pontos, que sucintamente abordamos, o que nos permite pensar no esboço de uma primeira versão de mulher forjada pelas revistas femininas e sua relação com o tema da feminilidade como mascarada, mobilizador de nossa pesquisa.

A partir desse ponto, podemos perceber a oportunidade de criar uma relação entre essas versões de feminino em revista com o que a leitura de Lacan da feminilidade como mascarada de Riviere forjou também, a seu modo, a respeito da feminilidade e do feminino em geral, pois é no campo do simbólico que alguma coisa pode ser dita a respeito desse feminino, pelo menos até o limite no qual a linguagem derrapa. É assim que abordamos Claudia, uma revista brasileira que segue o modelo aqui apresentado, composta pelos mesmos elementos comuns às

138 De acordo com Buitoni (1990), a seção Consultório Sentimental surge originalmente em 1693, no período inglês Lady’s Mercury, o primeiro periódico feminino de que se tem notícia.

139 Esse “sonho consumista” pode ser atestado pela quantidade excessiva de páginas das revistas dedicadas à publicidade, outra indústria em constante expansão à época (COSTA, 2009).

publicações a que fizemos menção: a inspiração na forma de viver das francesas modernas, o convite à confidência entre leitora e revista (representada pelos editores, em sua maioria homens nos primeiros anos de sua existência), o nome próprio de mulher e o rosto feminino estampados em sua capa140, além de o conteúdo versar sobre as mesmas temáticas frequentemente associadas à feminilidade.

No documento UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO (páginas 133-136)