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A Revolução Industrial

No documento A flor do campo (páginas 45-52)

A INDÚSTRIA ALGODOEIRA EM PERSPECTIVA

PROPRIEDADES TÊXTEIS

2. A MEMÓRIA DÕ ALGODÃO NA PERSPECTIVA DA INDÚSTRIA ALGODOEIRA NACIONAL

2.4. A Revolução Industrial

Numa fase pré-industrial (meados do séc. XVIII), a Inglaterra era, juntamente com a França e a Holanda, um dos países mais ricos do mundo. A economia britânica apresentava características típicas de uma economia a caminho da industrialização: a disponibilidade de terra, mão-de-obra e capital. Por outro lado, o carvão e a máquina a vapor fornecem o combustível e a energia para a manufactura em grande escala. Existindo estas disponibilidades de mão-de-obra e de capitais, estavam igualmente reunidas as condições para que o espírito inventivo do homem desse os seus frutos fazendo jus às palavras de ASHTON (1977, p.33) quando diz que "a invenção é mais susceptível de surgir numa sociedade que se interessa por problemas de espírito do que numa que só se preocupa com problemas materiais".

E os inventos surgiram e aplicaram-se numa primeira fase tanto à lã quanto ao algodão, embora num processo moroso em ambos os casos. Desses muitos, alguns dos mais significativos foram:

1 ) a lançadeira de Kay (1733);

2) a máquina de fiar de Lewis Paul (1738);

3) a máquina de estirar algodão de Dubreuil (1742); 4) a "spinning-jenny" de Hargreaves (1764);

5) a "water-frame" de Arkwright (1769);

6) a "mule-jenny" de Samuel Crompton (1775); 7) o tear mecânico a vapor de Cartwright (1785)..

O sucesso das máquinas de fiar era evidente. Não sendo ainda máquinas perfeitas, a produção de fio era satisfatória e os preços bastante em conta. Um exemplo da "Spinning- Jenny", de James Hargreaves podemos observar na figura n.°1.

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FIGURA N.° 1

Spinning-Jenny (1764) de James Hargreaves

Já a invenção de Arkwright (figura n.° 2) a fiandeira hidráulica, produzia fibra de algodão suficientemente forte, o que não era de estranhar atendendo a que foi preferida desde o início para fins industriais.

FIGURA N.° 2

A "Mule Jenny", aperfeiçoada por S. Crompton a partir das máquinas "Jenny" de Hargreaves e da "Water-frame" de Arkwright

As máquinas libertam o homem de certas dependências das forças da natureza, mas por outro lado elas vão condicionar toda a sua vida futura. Como referiu MAIO (1996, p.101), «os proprietários das máquinas obtiveram grandes benefícios com os resultados dos bens produzidos, mas forçaram os artesãos a converterem-se em operários, trabalhando dentro das unidades fabris, por vezes longe das suas residências e com um ritmo de trabalho não definido por si, mas pela máquina. Não foi fácil, foi bem difícil, a transformação de artesão para operário que a máquina originou. Mas aos poucos o trabalho do operário foi dignificado e relativamente gratificante e "compensador" ».

Na indústria manufactureira, a transformação técnica foi mais notória e mais completa nas indústrias têxteis, especialmente na algodoeira, a mais revolucionária do séc. XIX. A primeira máquina de tecer idealizada pelo ao reverendo Edmund Cartwright (1785), que se encontra no Museu da Ciência , em Londres, é um exemplo significativo dos avanços tecnológicos verificados na época {figura n.° 3).

FIGURA N.° 3

Máquina de tecer da autoria de Edmund Cartwrigt

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A nova indústria inglesa de algodão tinha o seu grande centro em Lancashire, onde o clima húmido favorecia as fibras de algodão e onde se dispunha de energia hidráulica e combustível barato.

Nos fins do séc. XVIII e inícios do séc. XIX., segundo BORGES DE MACEDO (1982, p. 243), "na tecelagem de algodão e estamparias, a concorrência inglesa eliminou, quase por completo, a produção portuguesa". Por outro lado, como refere ALVES (1999, p. 86), "apesar do reconhecido avanço tecnológico, Portugal acaba por reconhecer relativamente

A Flor do Campo, L 39 cedo os principais inventos da indústria têxtil algodoeira, a "spinning jenny" foi adoptada em 1784 em Azeitão, em 1797 já havia várias "jennys" a trabalhar em diversas fábricas, tal como se introduziu a "mule-jenny" em Alcobaça ou a "water-frame" na Fábrica de Fiação de Tomar".

Concluímos então que até finais do séc. XVIII, em Portugal, como na Europa, as fibras utilizadas com maior frequência e importância económica eram a lã, o linho e a seda. O aparecimento do algodão e os inventos realizados em Inglaterra no séc. XVIII contribuíram de forma decisiva para um desenvolvimento e expansão extraordinários da indústria têxtil. Portugal seguiu esta tendência, tendo para isso contribuído a política industrialista pombalina instituída entre 1770-1777 e continuada no reinado de D. Maria. Das artes que necessitavam ser desenvolvidas, os têxteis (lã, algodão e seda) e o ferro eram as que mais se distinguiam na política económica de então.

Estes surtos industrialistas tiveram vários contratempos já no século seguinte, em parte contextualizado pela convulsão política em que viveu o país, em parte também explicável pela existência de diferentes correntes na área do desenvolvimento económico.

2.5. O século XIX

Na mesa-redonda realizada há cerca de duas décadas atrás, sobre o liberalismo português no séc. XIX e livre campismo/proteccionismo, Miriam Halpern Pereira referia-se à expansão colonial como um factor que facilitou a acumulação capitalista, tal como aconteceu com outros países europeus. Esse facto terá sido fundamental para o desenvolvimento industrial, tanto no séc. XVIII como mais tarde no final do séc. XIX. A mesma historiadora afirmou ainda a propósito do novo império colonial que, "no entanto, este surto industrial tem os seus limites. Por exemplo, a grande expansão do têxtil no final do séc. XIX vai sofrer estrangulamentos sucessivos, já nos princípios do séc. XIX" (1981, p.49).

A indústria de tecelagem, uma das que necessitavam ser desenvolvidas e protegidas, foi a nível legislativo defendida pelo Decreto de 26 de Agosto de 1807, que determinou deverem os fios que constituem matéria-prima para esta indústria pagar apenas 10% dos direitos de impostos. Também a reforma pautal de Mouzinho da Silveira (1832) e a pauta alfandegária promulgada por Manuel da Silva Passos (Passos Manuel), em 10 de Janeiro

de 1837, procuraram proteger a nossa indústria da concorrência estrangeira. A pauta alfandegária que saiu do governo setembrista marcou, por assim dizer, uma nova fase na política industrial portuguesa e quanto mais não fosse conseguiu atingir o objectivo fiscal de duplicar esta carga sobre as importações inglesas.

Os números do Mapa Geral Estatístico de 1814 (quadro n.° 5) referem a certa altura os seguintes estabelecimentos industriais:

QUADRO N.° 5

Estabelecimentos industriais em 1814

Tecidos de seda e algodão 2

Tecidos de seda 33 Tecidos de algodão 20 Lanifícios 31 Meias de algodão 1 Fiação de algodão 3 Fiação de seda 1

Podemos verificar que a expansão algodoeira era já significativa em Portugal, havendo no entanto um certo equilíbrio entre o número de estabelecimentos dedicados às três matérias-primas: algodão, lã e seda. Notória era igualmente a importância da região norte na indústria têxtil algodoeira, concretamente a cidade do Porto, como têm demonstrado os estudos efectuados por Jorge Ferreira Alves. Nesta actividade, cerca de 80% dos estabelecimentos estão associados à actividade têxtil e como diz ALVES (1999, p.90) "7 eram claramente de algodão, mas quase todas as restantes dizendo-se de lã ou de seda declaravam consumir fio de algodão e produzir panos de algodão ou mistos".

Chegados a meados do séc. XIX verifica-se que os arranques industriais de Lisboa e Porto começam a mostrar os seus efeitos, sendo notória a aceleração do ritmo da industrialização. Entre 1845 e 1852 foram fundadas 82% das unidades, na média de 58 fábricas por ano, o que revela um significativo crescimento. A indústria têxtil em geral ocupa um lugar de relevo, e em particular a algodoeira ao crescer acima de 90%. Neste panorama, o Porto revela uma supremacia, que levou Oliveira Marreco a chamar-lhe "a Manchester portuguesa", havendo a realçar dois aspectos interessantes: o primeiro trata- se da maior participação de mão-de-obra feminina na actividade industrial, a segunda é a deslocação da indústria dos centros urbanos para a periferia. Saliente-se ainda que a tecelagem era igualmente realizada em escala apreciável em teares domésticos, quer nos

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arredores de Guimarães, quer do Porto, os centros motores da actividade industrial da têxtil algodoeira.

O anúncio oficial da Exposição Internacional Portuguesa (documento n.°1 do anexo B) realizada de 21 de Agosto a fim de Dezembro de 1865, na cidade do Porto, faz um apelo à participação na mesma, ao mesmo tempo que salienta a fama da cidade Invicta: "O

Porto, já tão aftamado e conhecido pela excellencia e singularidade de seus vinhos, ufana-se de primeiro na península ibérica saudar a confraternização internacional das industrias. Respondei à saudação, povos da terra; vinde à festa da civilização".Ha exposição os produtos da indústria foram distribuídos por quatro grandes

divisões, sendo a terceira a de produtos manufacturados e processos correlativos, cuja 21a classe era a do algodão em fio e tecidos, havendo já a referência a três grandes fábricas da região do Ave: a Fábrica de fiação do rio Vizella, a Fábrica de fiação d'algodao de S. Thomé de Negrellos e a Fábrica de fiação de Santo Thyrso, todos de fio de algodão (ver a listagem das firmas representadas no anexo n.° ).

E o crescimento considerável das tecelagens conduziu à necessidade de matéria- prima em quantidade significativa, motivando a sua importação. Este factor levou a que em momentos de crise a indústria algodoeira fosse fortemente penalizada. E isso aconteceu, por exemplo, com a Guerra da Secessão (1861-1865) nos EUA, em que se falava em fome do fio, mas em que a fome dos operários era ainda mais evidente com o seu mendigar peias ruas. A isto não é menos alheio um novo conceito de indústria que surgiu com a Revolução Industrial e com o aparecimento das fábricas, sendo uma das primeiras e mais relevantes alterações a substituição do homem pela máquina, havendo no entanto entre eles uma relação de interdependência.

Ao aproximar-se o fim do século XIX, a situação da indústria têxtil recompõe-se e continua a ocupar um lugar de destaque sob diversos pontos de vista, como comprovam os dados que se seguem:

1. pelo Inquérito Industrial de 1881 consta a existência de importantes fábricas têxteis na região norte:

- de Fiação e Tecidos de Rio Vizela, em Negrelos (1845) - de Asneiros, no Porto (1850)

- de Crestuma, no lugar das Hortas (1857) - da Balsa, em Sobrado (1860)

- de Montebelo (só fiação) (1863)

- da Retorta, em Vila do Conde (1879)

- das Devesas, em Gaia (1880) - de Salgueiros, no Porto (1880)

2. para além do núcleo do Porto, o mais forte, e que em 1881 produzia 2500 toneladas de tecidos, há ainda a referir as importantes fábricas de Fiação e Tecidos Lisbonense, de Fiação e Tecidos de Alcobaça e de Fiação do Bugio (Fafe)

3. em 1873 estão contabilizados 50 000 fusos, 400 teares e uma produção de fio estimada em 1 800 000 quilos, números que em 1880 passam de forma surpreendente para 108 000 fusos, 1000 teares e 3 200 000 quilos de fio.

Aspecto igualmente relevante é o facto de permanecerem ainda muitas unidades oficinais em que as manufacturas para crescerem concentram a mão-de-obra, mas em que a força motriz continua a ser a braçal. Digamos que é uma solução de complementaridade muito adoptada em zonas rurais, onde o próprio trabalho domiciliário era algo natural, muito usual no norte do país. Segundo alguns autores, esta prática de características pré-industriais está eminentemente relacionada com as verificadas no sector têxtil. A este propósito, ALVES (ibid., p.99) refere que para "esta multiplicação do trabalho domiciliário na segunda metade do séc. XIX, que na realidade recupera e expande práticas pré-industriais de forma quase epidémica, muito terá contribuído a crise da agricultura, com a baixa dos preços dos cereais e a quebra na exportação de gado, a criar a necessidade de novos rendimentos para o agricultor, que muitos vão buscar complementarmente ao tear".

No que diz respeito à mão-de-obra, o trabalho de mulheres e de menores, pelo seu peso na indústria algodoeira, merecem a atenção dos governos, que, pelo Decreto de 14 de Abril de 1891 e pelo regulamento para o trabalho de menores e das mulheres, datado de 16 de Março de 1893, regulamentam o trabalho nos estabelecimentos industriais, só podendo ser admitidos para serviços na dobadoura e fiação de algodão os que tivessem mais de 10 anos de idade.

Como curiosidade, o ensino técnico ligado à actividade industrial do sector têxtil era na década de 90 e na zona norte ministrado nas seguintes escolas, através dos seguintes cursos:

- Infante D. Henrique (Porto): costureira, bordadeira, modista. - Brotero (Coimbra): modista e costureira

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- Francisco de Hollanda (Guimarães): modista, costureira, tecelão, tintureiro, bordadeira e rendeira

- Bartholomeu dos Martyres (Braga): modista e costureira - Faria Guimarães (Porto): tecelão

- Passos Manuel (Vila Nova de Gaia): rendeira, modista, costureira e tecelão

O progresso da indústria algodoeira, que se acentuou a partir do termo da Guerra Civil americana (1865), fica comprovado pelo número de fábricas criadas, pela produção e pelo número de operários em actividade. Em 1896 os estabelecimentos do sector industrial do algodão eram 125, com um número de fusos a rondar os 230 000 com 11 732 operários (uma média de 94 operários/estabelecimento).

Mas os inícios do novo século trariam realidades bem diferentes...

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