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A situação da empresa

No documento A flor do campo (páginas 164-170)

FLOR DO CAMPO

É 25 de Abril de 1984, dez anos após a revolução dos cravos e a fábrica comemora meio século de existência!

3.3. A situação da empresa

No início dos anos sessenta, Portugal continuava a ser um país com um certo grau de pobreza, no contexto dos outros países da Europa ocidental. Mesmo assim, Portugal tinha, no início desta década, uma estrutura industrial mais moderna, mesmo sendo ainda um país essencialmente agrícola. E o facto dos produtos não serem ainda muito competitivos a nível internacional e o estreito mercado interno que possuíamos não possibilitou outro grau de desenvolvimento.

No sector secundário as indústrias têxtil, de madeira e de cortiça, eram, nesta época, as que apresentavam maior pendor exportador, o que se verifica também na "Flor do Campo".

Em meados da década de sessenta verificamos que a "Flor do Campo" passou das duas centenas de teares mecânicos para 650 teares automáticos perfeitamente instalados, sabendo-se que 500 eram marca Saure e estavam instados num salão e 150 sem lançadeira marca MAV encontravam-se noutro salão. Possuía 25.000 fusos de fiação média marca Plat (inglesa) e com máquinas Wintin (americanas) e ainda uma fiação grossa para aproveitamento de desperdícios com 2.500 fusos também ingleses. Acresce ainda referir que era política de Abílio de Oliveira possuir as melhores condições e maquinaria na sua fábrica e como ele dizia "onde via umas máquinas que me fossem vendidas em regimen de exclusivo já não as largava mais".

Também por esta altura a fábrica possuía uma secção de tufados (tecidos para colchas, robes, etc.) sendo a única em Portugal. Possuía ainda uma das maiores secções no fabrico de veludos canelados ou seja bombazines, também ela em regime de exclusividade e considerada na altura a maior da Europa, isto segundo o ponto de vista da empresa.

A "Flor do Campo, Lda " alcança nos anos sessenta o estatuto de primeira fábrica

do norte do país em que o algodão chega em fardos e é exportado em artigos manufacturados. A fiação, a tecelagem, as secções de tinturaria de fios e tecidos e a de acabamentos caracterizam-na como uma estrutura de cariz vertical, cujo culminar de todo esta estratégia empresarial é atingida pelo valor da sua produção. A título de

exemplo esclareça-se que só para os Estados Unidos eram vendidos 1,100 milhões de metros mensais de um tecido referenciado como Gingme, uma popeline fina.

Mas os anos sessenta trouxeram também algumas dificuldades à "Flor do Campo" e aos têxteis portugueses. Abílio de Oliveira recorda que no tempo em Kennedy se preparava para ser eleito, ainda durante a campanha eleitoral e para captar os votos dos industriais californianos prometeu tomar medidas sobre a concorrência estrangeira na área têxtil. Veio então a Portugal uma comissão americana composta por cinco industriais que se encontrou com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, que nessa altura era Franco Nogueira. Das negociações, às quais o próprio Abílio de Oliveira assistiu, ficaram apenas acordadas 500.000 jardas que Portugal podia exportar para os Estados Unidos, quando a "Flor do Campo" fabricava 1.500.000 por mês, o que colocava em perigo este mercado.

Mesmo em tempo de dificuldade as soluções podem surgir. Abílio de Oliveira foi por esta altura aos Estados Unidos da América onde contactou com um cliente, a Biltmore Textile C.e' , analisando a situação e acertando pormenores sobre a possibilidade de montar uma confecção, indo assim os tecidos já confeccionados. Mesmo antes de regressar acordou com uma companhia, a Marbore Chester Company, o fornecimento de 100.000 dúzias de camisas por mês, números mais específicos dava 1.200.000, cerca de 50.000 por dia.

Regressando a Portugal e passado algum tempo dirigiu-se a Paris onde se realizava uma feira de máquinas para confecção, tendo encomendado máquinas para instalar 12 linhas de montagem, fabricando cada uma 3.000 camisas por dia, o que perfazia 36.000 camisas diárias. Para concluir o processo faltava a construção de uma fábrica, o que viria a acontecer bem perto da estrada que liga o Porto à Póvoa de Varzim, numa bouça em frente ao restaurante Lidador, cujo terreno com 27.000 m2 foi adquirido por 1.200 contos a um tal sr. Ramalhão.

A "Flor do Campo, Lda " teve assim a sua continuação a nível de indústria de confecção ao nascer a Mantex - empresa de Confecções, SARL, pertença quase na sua totalidade com o capital da primeira. A Mantex fabricava camisas, pijamas, blusas, saias para senhora e fabricava ainda em exclusivo as calças e casacos de veludo marca "Miura". Nesta fábrica, considerada uma das maiores do norte do país no ramo da confecção, trabalhavam cerca de 800 pessoas do sexo feminino e 100 do sexo masculino. Abílio de Oliveira tinha observado o local onde foi implantada a fábrica e

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constatado que na zona de Angeiras, Lavra e Perafita havia muita mão-de-obra feminina e jovem disponível.

Entre os ditados populares há um que diz "não há duas sem três" e foi o que aconteceu com o número de empresas geridas por Abílio de Oliveira. Querendo seguir um pouco as pegadas do pai, o filho Narciso Fernando Ferreira de Oliveira comunicou- Ihe que tinha comprado um alvará para montar uma fiação e como ele mostrou algum desagrado, uma vez que havia já património suficiente para o filho se dedicar, Narciso Oliveira ter-lhe-á dito que o seu sogro e o tio Carlos, ambos proprietários da firma Carlos Marques Pinto & Sobrinho Lda , importadores de rama de algodão situados na

cidade do Porto, seriam os seus financiadores. Refira-se que Narciso Fernando Ferreira de Oliveira tirara o curso de engenharia em Manchester.

O negócio complicar-se-ia pois os dois financiadores alertaram Abílio Oliveira para o facto de ser necessário 20% do valor total das máquinas compradas e eles não se mostraram disponíveis para tal. Vendo um pouco a situação complicada e depois de ter dormido sobre o assunto, Abílio de Oliveira haveria de montar a Sofil, Sociedade de Fiação de Vizela, Ld.a, com a condição de corresponder 50% do capital para cada um

dos filhos, Narciso e Maria Fernanda, já que segundo palavras do pai um tostão que tivesse seria cortado a meio sendo metade para cada um deles. Passados dois ou três anos desentendimentos levaram a que a fábrica ficasse só para Narciso Fernando, tendo Abílio de Oliveira compensado a filha com 1.2000.000$00.

Falando de uma quarta fábrica, a Empresa Industrial da Cuca, Ld.a, também esta

seria adquirida por Abílio de Oliveira, por proposta do Presidente da Caixa Geral de Depósitos, instituição que possuía um certo crédito da empresa. Abílio de Oliveira possuía já uma quota na referida empresa e quando soube que o crédito era de 10.5000.000$00 mais 2.000 contos de juros em atraso mandou logo ir um cheque da "Flor do Campo" para o hotel onde se encontrava em Lisboa, pagou os juros e fez a escritura. Comprando os créditos a outros credores e a bom preço (25% do seu valor), Abílio de Oliveira chegou a ter quase 95% do valor da ex-empresa da Cuca.

Dando continuidade a este negócio deixou que o Tribunal de Guimarães resolvesse vender o património que era da fábrica (um bairro com 18 casas, uma quinta anexa e uma central, a de Espinho, com o nome de Sociedade do rio Vizela, Ld.a) indo tudo à praça por 22.000 contos. O oficial esteve cerca de três horas a leiloar

mas ninguém teve o arrojo de oferecer mais, até porque notou-se a presença de Abílio e Oliveira. Havendo lugar a uma segunda praça com uma redução de 50%, o valor

passaria para 11.000 contos e o comendador licitaria por mais 50 contos, arrematando o referido património por 11.050.000$00.

Após este negócio ainda pensou em vender a Empresa da Cuca, mas um entendimento em família levou a que Abílio de Oliveira entregasse esta empresa a Abílio Jorge, filho mais novo e fruto do segundo casamento do comendador (a mulher ficaria com 25, ficando as outras duas (Mantex e Flor do Campo) para os dois filhos do primeiro casamento, Narciso Fernando e Maria Fernanda, ficando mais tarde a Mantex para o primeiro e "A Flor do Campo" para a segunda.

Os destinos das fábricas adquiridas e montadas pelo comendador Abílio Ferreira de Oliveira estavam assim definidos, parecendo que o trabalho de uma vida teria uma continuação natural na pessoas dos seus três filhos. Mas o comendador passaria ainda por situações marcantes, como marcantes foram também os anos setenta.

No ano a seguir ao 25 de Abril, o sector têxtil, outrora uma das referências nacionais, começa a dar sérios sinais de crise. O jornal semanário da Intersindical, dirigido por Avelino Gonçalves publica nas páginas centrais um artigo intitulado "Crise na indústria têxtil" e que no seu desenvolvimento esclarece que "a situação da indústria têxtil põe-se em termos de crise, que já levou 50 000 trabalhadores ao desemprego, num sector que emprega 300 000 operários divididos pelo têxtil laneiro, algodoeiro e vestuário. Não obstante a gravidade da situação, não vemos da parte do Governo tomadas de posição consequentes". Para além da constatação da situação da indústria têxtil (recorde-se que na altura a dependência do estrangeiro a nível de importação de matérias-primas cifra-se nos 70%, sendo igualmente dependente do estrangeiro a colocação de produtos manufacturados e que alcança os 65%), a crítica à governação (socialista) está bem visível e espelham um momento muito próprio da política e da economia nacionais.

Ao chegarmos ao final da década de setenta a região situada no triângulo dos municípios de Santo Tirso, Famalicão e Guimarães continua a ser o principal pólo industrial da indústria têxtil nacional. Só na freguesia de S. Martinho do Campo, onde situamos o nosso estudo ascende a mais de cinco milhares o número de trabalhadores neste sector industrial, englobando gente de S. Martinho e das freguesias limítrofes, mas também outras pessoa oriundas de outros concelhos, numa área geográfica que se estende ao triângulo composto pelas cidades do Porto, Braga e Guimarães.

Em 1978, por exemplo, num artigo de jornal podemos observar uma referência a S. Martinho do Campo reconhecendo que das maiores exportadoras de têxteis

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portuguesas cinco são empresas com fábricas nesta freguesia, que são ao mesmo tempo cinco das maiores empresas exportadoras nacionais e a Flor do Campo era uma delas.

Dois anos mais tarde deflagraria um violento incêndio com avultados prejuízos, mas os postos e trabalho (mais de mil) ficaram assegurados.

Já nos anos oitenta, um conjunto de problemas e desafios decorrentes de uma realidade socio-económica diferente e acelerada em todo o Mundo, logo também no espaço europeu, no nosso país e na região do Vale do Ave. Portugal entra na Comunidade Europeia e assiste-se ao fluxo de fundos comunitários em diversos sectores da economia. Por outro lado, a economia mundial está em mutação, assistindo-se à reestruturação das principais economias do planeta, concretamente a dos Estados Unidos, mas também à ascensão da bacia do Pacífico como região em crescimento económico e à libertação política e económica da Europa de Leste.

A situação descrita e a própria evolução da Comunidade Económica Europeia para União Europeia são alguns dos factores mais marcantes nesta década e inevitavelmente com reflexos no panorama socio-económico nacional e concretamente na região do Vale do Ave. A modernização que se impunha para acompanhar um mundo em mudança e a forte concorrência dos mercados de Leste e do Oriente faz-se notar mas a par de alguma instabilidade no sector têxtil e de alguns problemas laborais, concretamente o desemprego. A Flor do Campo e outras fábricas de grandes dimensões sentiram de perto estas dificuldades.

A terminar este item gostaríamos de esclarecer e fundamentar o facto de não serem incluídos dados estatísticos específicos de produção sobre as décadas de setenta e oitenta, pelo facto de a empresa não possuir um arquivo organizado que tivesse facilitado o trabalho de investigação. Por outro lado, grande parte da documentação da época encontrava-se numa dependência exterior que sofreu problemas de infiltrações, que motivaram estragos irreparáveis em algumas fontes e a total destruição da maior parte. Há a acrescentar a conturbação politico-social que marcou estas décadas.

3.4. As notícias nos jornais

Ao chegar aos cinquenta anos de vida, a fábrica, tendo agora à sua frente D. Fernanda Ferreira de Oliveira, filha do comendador Abílio Ferreira de Oliveira, parece continuar num bom percurso laboral e financeiro, disso dando conta os jornais da

época. Dois dias após as comemorações o Jornal de Santo Thyrso enaltece este acontecimento com as seguintes palavras: "hoje a Flor do Campo continua a sua carreira brilhante tendo à sua frente a Exma Sr8 D. Fernanda Ferreira de Oliveira que,

de todas as melhores qualidades, tem tornado ainda maior a fábrica que seu saudoso pai fundou. A Câmara Municipal de Santo Tirso, tendo em consideração os altos serviços que tem prestado ao concelho e ao país, condecorou, por deliberação de 12 de Abril do ano corrente, a Sociedade Têxtil "A Flor do Campo, SARL", com a MedaJha de Honra, de Ouro, do concelho".

Ainda no mesmo jornal, o jornalista Alfredo Gomes relata a grandeza das comemorações deste cinquentenário da fábrica. Começa por recordar que "a freguesia de S. Martinho do Campo esteve em festa para comemorar o cinquentenário de "A Flor do Campo", uma das maiores e florescentes empresas do ramo têxtil, no concelho de Santo Tirso e que distribui o pão por mais de 1400 famílias, incentivando o progresso em toda aquela vasta região que depressa trocou o arado pelo matraquear de portentosas máquinas industriais". Algumas ideias-chave são aqui bem expressas no artigo de jornal e que correspondem a um sentimento ainda hoje constatável entre as pessoas:

• a "Flor do Campo" foi um empresa que teve o condão de fazer a transição do trabalho agrícola para o industrial, empregando um número considerável de trabalhadores e tecnologia sempre que possível inovadora;

• pelas características referidas funcionou como um exemplo a seguir na freguesia e na região, impulsionando a iniciativa privada e o surgir de outras empresas do ramo;

No que diz respeito às comemorações propriamente ditas, que em parte podem ser observadas em algumas das muitas fotografias a que tivemos acesso e que se encontram identificadas como conjunto n,° 3 do anexo AC, as mesmas contaram coma presença de entidades como o presidente da Junta de Freguesia, sr. Benjamim Martins Rodrigues, o presidente da Câmara Municipal, Dr. Ferreira Couto, o Abade Resignatário de Singeverga, D. Gabriel de Sousa e o pároco da freguesia, D. Lourenço da Silva. Estiveram igualmente presentes o presidente do Conselho de Administração da Empresa, o Governador Civil e o Secretário de Estado do Emprego.

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Num acto simbólico efecíuou-se uma romagem ao cemitério da freguesia, onde foi descerrado um busto com lápide em bronze no jazigo do fundador da empresa, acto sempre comovente até pelas palavras proferidas pelo representante dos trabalhadores, o sr. Carlos Monteiro, tendo-se seguido uma largada de centenas de pombos efectuada pelo Centro Columbófilo Campense. A seguir, junto à piscina realizou-se um acto oficial protagonizado pelo presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso e pelo presidente da Junta de Freguesia de S. Martinho do Campo que procederam à inauguração da Rua "A Flor do Campo", em homenagem ao seu fundador, tal como se ouviu pelas palavras de circunstância proferidas pelo presidente da edilidade tirsense. O jornal de santo Thyrso faz ainda referência à festa que durou até ao fim do dia, "um maravilhoso acto de variedades, onde actuaram António Sala, Carlos Paião, Cardinal, as "Doce" e, a encerrar, o Grupo Folclórico de S. Martinho do Campo".

No documento A flor do campo (páginas 164-170)