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Riscos apresentados pelo desenvolvimento de gás de folhelho

2 GÁS DE FOLHELHO E SEU PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

2.4 Riscos apresentados pelo desenvolvimento de gás de folhelho

Apesar do perceptível impacto causado nos EUA, a produção de gás de folhelho ainda desperta preocupação pública e enfrenta resistência, principalmente, em relação à contaminação dos lençóis freáticos. Este risco é real e deve receber a devida atenção, entretanto existem inúmeros outros riscos potenciais para a segurança e saúde humana e para o meio ambiente que também são relacionados ao processo de desenvolvimento de gás de folhelho. A análise de alguns destes potenciais riscos, que também são comuns a outras

atividades de geração de energia, facilitará a compreensão da regulação que rege o seu desenvolvimento e que será abordada posteriormente neste estudo.

Cada uma das etapas de exploração de gás de folhelho descritas na seção anterior tem o potencial de provocar danos humanos ou ambientais. Desta forma, preocupações em relação a eventuais riscos aos recursos hídricos devem ser consideradas desde o projeto de preparação do solo, considerando as alterações relevantes de paisagem, a movimentação de grande volume de sedimentos que conduzidos por chuvas aos córregos pode resultar em assoreamentos. Kansal (2012) cita como exemplo de possível risco na fase de testes pré- perfuração vibrações e tremores de terra causados por testes realizados para determinar o local em que ocorrerá a perfuração de poços de gás. Isto porque, muitas vezes, são utilizados grandes caminhões chamados “thumpers” para fazer um levantamento sísmico e mapear as camadas e as estruturas subterrâneas. Estes caminhões atingem o chão com força suficiente para produzir esses impactos e podem provocar danos a edifícios e a poços de água localizados nas proximidades (KANSAL, 2012). Também podem ocorrer obstruções diretas, pelas obras de terraplanagem, em cursos d’água pequenos ou intermitentes (NYSDEC, 2011).

A construção da plataforma de perfuração, a abertura de estradas de acesso e o tráfego de caminhões de transporte de água e resíduos também podem causar impactos ambientais, fragmentando o habitat natural e causando erosão local (NYSDEC, 2011).

O revestimento e a cimentação de poços de gás natural com defeito ou deteriorados ao longo do tempo podem permitir a passagem de fluidos entre o poço e o meio circundante, incluindo as águas subterrâneas (OSBORN et al., 2011). O fraturamento hidráulico de alto volume, tipo utilizado no desenvolvimento de gás de folhelho, acentua esse risco devido à maior pressão exercida sobre o revestimento (OSBORN, et al., 2011).

A água para perfuração e fraturamento hidráulico normalmente é obtida de fontes de água superficiais ou subterrâneas locais, e grandes volumes de retirada de água podem afetar negativamente as fontes de água superficiais ou subterrâneas locais, bem como a ecologia local e outros usuários de água (NYSDEC, 2011).

Os possíveis caminhos de migração para as águas subterrâneas e superficiais podem ser abertos por acidentes causados por caminhões de transporte, fugas nas redes de condutas de transporte, tanques de águas residuais, compressores ou outros, derrames na sequência de acidentes (por exemplo, uma erupção – blowout - que leve à saída de fluido de fraturamento ou águas residuais), danos na cimentação e revestimento ou, simplesmente, fluxos não controlados abaixo da superfície, através de fraturas artificiais ou naturais nas formações (ENVI, 2011).

Vários materiais utilizados no processo de perfuração, incluindo água e produtos químicos para perfuração e fraturamento hidráulico devem ser transportados em caminhões ou transporte tubular e armazenados no local antes e após o uso, criando a possibilidade de vazamento das substâncias (NYSDEC, 2011). Resíduos de produtos usados, como flowback, efluentes gerados e fluidos de perfuração e fraturamento, aparas de perfuração e outros produtos industriais também podem ser derramados no local durante o armazenamento e o transporte para eliminação final (NYSDEC, 2011).

Além disso, todos esses resíduos - muitos contaminados com produtos químicos provenientes de processos de fraturamento e de perfuração, de alto teor mineral ou de baixo nível de radioatividade captados de rochas no subsolo - devem ser descartados, e os métodos de eliminação segura constituem-se em um grande desafio para os operadores (WISEMAN et al., 2011).

O processo de fraturamento hidráulico pode ocasionar ainda emissões fugitivas de metano, provocando um impacto eventualmente relevante no equilíbrio de gás de efeito estufa (GEE) (ENVI, 2011). Um estudo realizado pelo “Institute for Global Environmental Strategies” concluiu que essas emissões são substanciais quando comparadas com as de gás convencional. Considerando todo o processo de ciclo de vida, desde a extração até a combustão, os valores médios das emissões fugitivas de gás de folhelho, tight sands gas e CBM foram 133%, 100% e 36% superiores, respectivamente, aos apresentados pelo gás convencional (GLANCY, 2013). Outro estudo realizado por HOWARTH (2015) estimou, através de dados de satélite, que essas emissões podem atingir até 12% da produção total de gás de folhelho.

As emissões de metano nos EUA, contudo, diminuíram 6% entre 1990 e 2014, enquanto que a produção total de gás natural do país aumentou 47% naquele mesmo período (EIA, 2016a). Ademais, as emissões a partir de fontes associadas às atividades agrícolas aumentaram, enquanto as emissões a partir de fontes associadas à exploração e produção de gás natural e produtos petrolíferos diminuíram (US EPA, S.D.e). Essas reduções são creditadas, sobretudo, ao Programa de Gás Natural STAR (em inglês, Natural Gas STAR

Program) - uma parceria flexível, voluntária que incentiva as empresas de petróleo e gás

natural, tanto no mercado interno e no exterior, a adotar tecnologias e práticas de baixo custo que melhorem a eficiência operacional e reduzam as emissões de metano (US EPA, S.D.e).

Além das emissões de metano, durante a exploração de gás de folhelho, também são liberados na atmosfera poluentes gerados com o funcionamento dos motores a diesel na

plataforma de perfuração e com o tráfego de caminhões pesados que acompanham a perfuração (PA DEP, 2011).

Outra questão relacionada ao fraturamento hidráulico é a possibilidade de ocorrência de eventos sísmicos. Em algumas circunstâncias, o uso desta técnica pode provocar tremores de terra com magnitude inferior a 3 na escala de Richter5, que não seria detectado pelo público (EIA, 2012), porém poderiam desestruturar construções, estruturas de servidão, tanques de armazenamento e poços de abastecimento de águas subterrâneas. “Estas desestruturações, por sua vez, podem causar danos aos selos de proteção sanitária de poços de fraturamento hidráulico e outros impactos ambientais secundários” (SANBERG et al., 2014). Em 2011, mais de 250.000 processos de fraturamento hidráulico foram concluídos, com relatos de alguns eventos sísmicos associados, porém sua ligação não foi comprovada cientificamente (IGU, 2012).

A atividade sísmica também tem sido associada à reinjeção de águas residuais para a eliminação, como uma opção de gestão de efluentes líquidos, embora esses eventos sísmicos não sejam susceptíveis de ser detectáveis, sem equipamento adequado (ROBB, 2014).

A maioria dos riscos supracitados não é específica para o desenvolvimento do gás de folhelho e é parte integrante de qualquer operação de perfuração de poços de petróleo e gás natural. Há, entretanto, alguns riscos que são específicos para a exploração de gás não convencional, tais como as maiores quantidades e a maior diversidade de produtos químicos utilizados no fraturamento hidráulico, a maior pressão exercida sobre o tubo de revestimento e os volumes significativamente maiores de água que devem ser captados e, finalmente, descartados, que estão associados com fraturamento hidráulico de alto volume (KANSAL, 2012).

Deve-se ressaltar, entretanto, que o recente boom do gás de folhelho elevou significativamente o número de poços que são perfurados a cada ano e com a expansão da atividade de perfuração aumenta a probabilidade de impactos sociais e ambientais adversos e amplia os riscos associados aos impactos ambientais cumulativos (WISEMAN, 2012).

Apesar de todos os riscos listados, entre muitos outros, serem reais, ainda há contenção significativa e controvérsia sobre a possibilidade de impacto negativo do desenvolvimento de gás de folhelho e da gravidade de suas consequências e de seus eventos

5 É muito difícil para os geólogos vincular eventos sísmicos - terremotos ou outras vibrações na Terra - a uma causa específica. O United States Geological Survey estima que vários milhões de terremotos ocorram ao redor do mundo a cada ano e que a grande maioria deles passa despercebida, pois suas magnitudes são tão pequenas ou estão em locais muito remotos. Na escala Richter, sismicidade abaixo de um nível 3 geralmente não é detectável, sem instrumentos sensíveis. E é importante notar que a escala de Richter é logarítmica: um nível 2 sismo, por exemplo, tem uma amplitude de agitação de 10 vezes menos do que um sismo de nível 3 (IGU, 2012).

adversos. Até o momento, a investigação científica foi incapaz de confirmar ou desmentir categoricamente a existência de risco de contaminação dos lençóis freáticos causado pelas operações de fraturamento hidráulico. Especialistas acreditam que é pouco provável que a mistura de água possa contaminar os aquíferos diretamente através do processo de perfuração se esta for executada de acordo com os padrões de qualidade exigidos, pois os lençóis freáticos estão localizados a cerca de 300m de profundidade, enquanto o fraturamento ocorre, em geral, a uma profundidade de 1800 a 3000m (US EPA, 2011d; IEA, 2011).

Numerosos reguladores, pesquisadores e fontes do setor afirmaram que a ameaça para as águas subterrâneas não decorre de fraturamento hidráulico em si, o problema seria a má construção de poços que podem sofrer rupturas ou permitir que o fluido migre entre o poço e as fontes de águas subterrâneas que o cercam (U.S. HOUSE OF REPRESENTATIVES COMMITTEE ON SCIENCE, SPACE, AND TECHNOLOGY, 2011). Para esses especialistas, desde que os poços sejam construídos corretamente, o risco de contaminação das águas subterrâneas é minimizado. Neste contexto, é importante que as empresas de perfuração estejam cientes de que o cimento que reveste os poços começa a degradar-se dentro de anos (e não de décadas como se acreditava anteriormente) e que esta degradação pode levar à insuficiência acelerada do poço (KANSAL, 2012).

Contrariamente a estas afirmações, no entanto, ambientalistas observam com suspeitas acadêmicos que defendem a indústria extrativista do folhelho e legisladores que aprovam leis que favorecem o incremento da atividade, considerando que estes seriam influenciados pelo

lobby da indústria do petróleo e gás (KRUPNICK et al., 2013). O estudo apresentado pela

EPA em 2004 - cujo resultado apontava que o fraturamento hidráulico tem pouca ou nenhuma ameaça para a água potável, e que não seria necessário um estudo mais aprofundado sobre o tema (US EPA, 2004) - também recebeu fortes críticas, em virtude de ter analisado somente a aplicação de fraturamento hidráulico na perfuração de CBM. Os ambientalistas também contestaram a sua falta de base científica (ZHOU, 2011).

Um relatório parcial do novo estudo em curso da EPA publicado em junho de 2015 identificou que existem mecanismos subterrâneos e de superfície envolvidos nas atividades de fraturamento hidráulico com potencial de impactar os recursos de água potável. Estes mecanismos incluem a falta de água em períodos de estiagem ou em áreas com baixa disponibilidade; derramamentos de fluidos de fraturamento hidráulico e água produzida; fraturamento diretamente em lençóis freáticos; migração subterrânea de líquidos e gases; e tratamento e descarga de águas residuais inadequados (US EPA, 2015).

Não foram encontradas provas de que esses mecanismos provocam impactos sistêmicos, difundidos em recursos de água potável nos EUA. Dos mecanismos potenciais detectados no presente relatório, foram identificados casos específicos em que um ou mais dispositivos levaram a impactos sobre recursos hídricos, incluindo a contaminação de poços de água potável. O número de casos verificados, no entanto, foi pequeno em comparação com o número de poços hidraulicamente fraturados (US EPA, 2015).

Estas conclusões podem refletir uma raridade de efeitos sobre recursos de água potável, mas também podem ser decorrentes de outros fatores limitantes. Tais fatores incluem: dados pré e pós-fraturamento insuficientes sobre a qualidade dos recursos de água potável; a escassez de estudos sistemáticos de longo prazo; a presença de outras fontes de contaminação que impossibilitam determinar a existência de uma ligação definitiva entre as atividades de fraturamento hidráulico e o impacto ambiental; e a inacessibilidade de algumas informações sobre as atividades de fraturamento hidráulico e seus potenciais impactos (US EPA, 2015).

Mesmo com este novo estudo da EPA (com data de divulgação prevista para 2016) o debate sobre os reais impactos ambientais do fraturamento hidráulico está longe de sua conclusão, pois não há garantias de que a questão sobre a contaminação das águas subterrâneas será de fato resolvida.