As barragens, assim como outras estruturas de engenharia, estão sujeitas a incidentes e acidentes. Conforme expõe Piasentin [83, 84], os incidentes de barragens decorrem do desenvolvimento de comportamentos anômalos ou inesperados em tais estruturas.
Incidentes são entendidos como o resultado de processos defeituosos envolvendo inte- ração entre os componentes dos sistemas envolvidos, incluindo: pessoas, estrutura orga- nizacional e social, atividades de engenharia e componentes físicos [56].
Anomalias, por sua vez, podem apresentar diversos sintomas, que raramente podem ter uma única causa, mas que geralmente podem ter diversas causas que ocorrem em simultâneo ou em sequência com a acumulação de efeitos no tempo.
Essas causas ou anomalias, identificadas como fatores de risco, de modo geral são sistematizadas em aspectos relativos ao homem, ao ambiente e à máquina (ou ao sistema técnico, em uma visão mais abrangente), conforme ilustrado na Figura 2.11.
Teorias que consideram mais de uma causa são denominadas multicausais5. Com
base nessa abordagem, Melo e Fusaro [59], classificam os riscos de barragens em fatores ambientais (ambiente), internos (sistema técnico) e socioeconômicos (homem), conforme Tabela 2.3.
Do ponto de vista da identificação das causas mais comuns de rupturas de barragens,
alguns levantamentos estatísticos devem ser considerados. Em 2013, a Federal Emer-
gency Management Agency - FEMA, agência do governo norte americano subordinada ao
Departamento de Segurança Interna, publicou um levantamento dos principais acidentes ocorridos nas barragens de seu país, entre anos de 1975 e 2011, cujos resultados podem ser observados na Tabela 2.4:
5As teorias multicausais consolidaram-se na década de 60, quando as teorias monocausais
demonstraram-se insuficientes para explicar a ocorrência de acidentes de trabalho, de forma a permi- tir a identificação de ações que evitassem ou reduzissem a chance de reincidência de um acidente, ou a mitigação de suas consequências [56].
Figura 2.11: Relação entre os envolvidos no sistema da teoria multicausal da ocorrência de incidentes. Fonte: Adaptado de Calil, 2009 [56].
Sandroni [86] comparou os resultados de quatro importantes estudos sobre as causas do rompimento em barragens de terra e de enrocamento resumindo as causas observadas e sua frequência de ocorrência na Tabela 2.5.
A partir desse estudo, Baima [85] aponta como merecedores de registro os seguintes aspectos:
• A percolação é responsável por 38 a 55% dos acidentes;
• Os galgamentos ocupam o segundo lugar, respondendo por 24 a 42% dos acidentes; • Percolação e galgamento juntos são responsáveis por 70 a 80% dos acidentes; • Há acidentes difíceis de enquadrar (note-se o modo "outros"colocado junto com
erosão).
A Tabela 2.6, compilada a partir de Lessons from Dam Incidents, [87], apresenta
as principais causas de rupturas (R) e acidentes (A) verificados nos principais tipos de barragens de concreto.
Conforme verificado por Perini [2] e Baima [85], o Brasil não mantém estatística ou registro oficial sobre o número e tipo de incidentes, causas prováveis ou dos danos causados, sendo os levantamentos realizados de forma independente pelos pesquisadores, de acordo com a necessidade de suas pesquisas. Essa realidade permanece.
Dentre os estudos realizados, os autores destacam o levantamento realizado por Me- nescal entre os anos de 2000 e 2008 [17]. O trabalho mostra que neste intervalo cerca de 166 acidentes e incidentes foram noticiados pela imprensa local, dos quais metade são
Tabela 2.3: Riscos em Barragens
Fator Tipo Definição
Fatores Naturais ou Ambientais
Risco Hidrológico Probabilidade de falha de uma estrutura hidráulica face a ocorrência de vazão superior àquela para a qual foi dimensionada. Matematicamente é definido como produto entre a probabilidade de ocorrência de uma cheia associada a um determinado período de retorno e os danos que se esperam dessa ocorrência.
Sismicidade Um sismo é um fenômeno de vibração brusca e passageira da superfície da Terra, resultante de movimentos subterrâneos de placas rochosas, de atividade vulcânica, ou por deslocamentos de gases no interior da Terra, principalmente metano. O enchimento de reservatórios formados pela cons- trução de barragens ou açudes pode induzir a ocorrência de sismos e even- tualmente produzir danos severos a essas estruturas e benfeitorias vizinhas. Escorregamento Possibilidade de escorregamento de taludes de terra ou rochosos nas mar- gens dos reservatórios, movimentando uma massa significativa para dentro do lago, podendo vir a causar ondas significativas no reservatório e o gal- gamento da barragem.
Ações Agressivas Atuação das intempéries (chuva, vento, calor, frio) alternadamente sobre a barragem e estruturas associadas podendo causar, ao longo do tempo, desagregação, envelhecimento, erosão e corrosão, dentre outros fenômenos térmicos, mecânicos e químicos.
Fatores Internos (Dependentes da Barragem)
Riscos na Operação do Reservatório
Vertedouros hidrologicamente subdimensionados e/ou apresentando grau de incerteza na determinação da capacidade de descarga devido a dimen- sionamento por critérios empíricos, dados cadastrais e informações geomé- tricas inconsistentes
Riscos Geológicos Possibilidade de ocorrência de condições geológicas durante uma obra, di- ferentes daquelas previstas nos estudos de projeto, gerando impactos nas soluções adotadas no projeto, no prazo de execução e no custo da obra. Riscos Estruturais Fatores ligados ao dimensionamento estrutural e geotécnico, que podem
levar à falha de estruturas da barragem na resposta aos carregamentos a elas impostas
Riscos associados ao Monitoramento
Relativos ao controle permanente do comportamento das estruturas por meio das atividades de auscultação de barragens (manutenção preditiva), ou seja, das inspeções visuais e da análise dos dados da instrumentação instalada.
Riscos Técnico- Organizacionais
Fatores associados à gestão dos riscos pelas empresas de projeto, constru- ção e operação dos empreendimentos.
Riscos Associados à Gestão de Emergên- cias
Relativos às respostas as emergências para se evitar uma ruptura ou, se esta for inevitável, reduzir as suas consequências na área industrial e no vale a jusante
Riscos de Ruptura de Barragens em Cascata
Causados pela possibilidade de ruptura de uma barragem, causando uma onda de cheia e transbordamento de barragens existentes a jusante, po- dendo levá-las a ruptura.
Fatores
Externos Socioeconômicos São riscos externos ao sistema barragem e associados às consequencias humanas e econômicas no caso de ruptura
Fonte: Adaptado de Melo e Fusaro, 2015 [59].
casos de ruptura. A Figura 2.12 apresenta graficamente a frequência de ruptura e aciden- tes de barragens brasileiras resultante da interpretação de Perini [2] sobre a estatística de Menescal.
O levantamento de Menescal não faz distinção quanto às características técnicas (tipo de material de construção, altura, idade, etc.) das barragens, o que impossibilita a ela- boração de estatísticas relacionadas. Ao mesmo tempo, segundo o autor, os resultados da pesquisa registram uma situação preocupante: grande parte dos eventos registrados
Tabela 2.4: Causas de ruptura de barragens 1975-2011.
Causas de ruptura Número de rupturas Porcentagem de rupturas
Galgamento ou transbordamento 465 70,90% Piping 94 14,30% Estrutural 12 1,80% Humano (relacionado) 4 0,60% Animais (atividade) 7 1,10% Vertedouro 11 1,70% Erosão/escorregamento/instabilidade 13 2,00% Desconhecido 32 4,90% Outros 18 2,70% Total 656
Fonte: Baima, 2015 [85], adaptado de FEMA, 2013.
Tabela 2.5: Causas de acidentes em barragens de terra e enrocamento
Causa Justin (1932) Middlebrooks (1952) Blind (1983) Charles & Boden (1985) Nº de Acidentes 100 acidentes 220 acidentes 267 acidentes 100 acidentes
Percolação 48% 38% 39% 55%
Instabilidade 5% 15% 10% 14%
Erosão Galgamento 39% 30% 42% 24%
Outros 8% 17% 9% 7%
Fonte: Sandroni, 2012 [86].
Tabela 2.6: Causas de acidentes e rupturas em barragens de concreto
Tipo de Barragem Arco Contrafortes Gravidade TOTAL
Causas da ruptura R A R A R A R A R&A
Transbordamento 2 1 3 2 6 3 9
Erosão por fluxo 1 1 1 3 3
Fundações (infiltração, piping) 1 1 1 2 5 5 6 11
Escorregamento 2 2
Deformação 2 2 2 2
Deterioração 3 2 1 6 6
Falha na construção 2 2 2
Falha das comportas 1 2 1 3
TOTAL 4 7 7 2 11 10 19 19 38
Fonte: Baima, 2015 [85], adaptado de Lessons from Dam Incidents, 1988.
decorrem da incapacidade dessas estruturas de suportar, com certa margem de segurança, os eventos hidrológicos (cheia) para os quais teoricamente foram projetados.
Deve-se no entanto ter em mente que, em alguns casos, as estatísticas sobre a ruptura ou falha não são suficientes para a determinação da confiabilidade de sua aplicação à cada barragem em um sentido absoluto. Desta forma, a probabilidade de ruptura para a barragem em estudo deve somente ser apresentada dentro de uma classificação relativa [88].
Figura 2.12: Frequência de incidentes com barragens brasileiras reportados pela imprensa escrita entre 2000 a 2008. Fonte: Perini, 2009 [2].